Um ano depois da visita feita pela VEJA RIO ao laboratório localizado no câmpus do Inmetro, em Xerém, na Baixada Fluminense, quando o biólogo Marcelo Szpilman e sua equipe exibiram em tubos de ensaios o cultivo das células retiradas de peixes vivos como linguado, tainha e robalo, o sonho transformou-se em realidade, e a caixa de e-mails de Marcelo vem recebendo mensagens com pedidos que vão de bares do Rio a supermercados da Califórnia, interessados nos primeiros bolinhos de carne de peixe cultivada produzidos no Brasil, com tecnologia fluminense.
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Os protótipos da empresa foodtech Sustineri Piscis, produzidos com a massa proteica do robalo, foram degustados na semana passada em evento fechado, em restaurante do Rio. A conquista fechou com chave de ouro a primeira fase do projeto, que demandou três anos de pesquisa e teve entre os investidores a Frescatto Company.
“Daqui a dois anos espero poder atender à demanda e ter a carne de peixe por cultivo celular nos melhores restaurantes de Rio e São Paulo. Nosso biorreator é pequeno, de apenas dois litros, então a primeira leva foi medida em gramas”, diz Marcelo, sobre o equipamento alemão de 700.000 reais utilizado para a composição do tecido celular. “Iniciamos a fase de captação para um biorreator de 100 litros, e vamos produzir quilos de carne de peixe”, projeta.
É bom ressaltar que não estamos falando de um produto “plant based” como os trabalhados por diversas startups do mercado, que imita as carnes através do processamento de vegetais, como é o caso da famosa Fazenda Futuro, que tem a cantora Anitta com sócia, mas de carne verdadeira produzida através de células retiradas dos animais, sem a necessidade do abate.
“Não estamos fazendo comida de astronauta. É peixe genuíno sem precisar pescar, produzido com inteligência e inovação”, afirma Marcelo Szpilman, que também é diretor-presidente do AquaRio.
Os primeiros bolinhos de carne de robalo cultivada pela Sustineri Piscis foram feitos com a adição de ingredientes como batata, fécula de mandioca, proteína de ervilha, limão, pimenta e sal, para aprimorar textura e sabor, e depois empanados em farinha e ervas, e fritos no óleo de soja.
Se a comercialização futura das carnes de laboratório desponta como realidade no Brasil, ela depende ainda da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), meta que está sendo trabalhada com o auxílio do The Good Food Institute (GFI), organização que trabalha a nível global para acelerar a inovação do setor de proteínas alternativas.
Recentemente, a Food and Drug Administration (FDA) autorizou nos Estados Unidos a comercialização do frango de cultivo celular, o que é visto com facilitador para a empresa brasileira. No Oriente Médio, a meca do bife de laboratório, a israelense Future Meat despontou em 2021 como a primeira fábrica de carne cultivada, e desde então já conseguiu reduzir mais de quatro vezes o valor do filé de frango, por exemplo, fruto de alta tecnologia na etapa final de produzir um trecho de carne compacto e com fibras.
Há uma década, a título de lembrança, o primeiro hambúrguer de laboratório, produto de uma pesquisa que consumiu 330 000 dólares (mais de 1,7 milhão de reais), foi custeado por Sergey Brin, cofundador do Google. Nessa seara, um dos maiores investidores é o bilionário Bill Gates, que põe dinheiro atualmente em sete foodtechs.
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A necessidade de encontrar caminhos alternativos para a produção de proteínas animais está explicada em dados como o da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), indicando que, para alimentar os 10 bilhões de habitantes esperados na Terra em 2050, a produção precisará crescer 70%. Algo inviável no sistema atual de criação, pesca e abate, saturado e nocivo ao meio ambiente.
Em 2022, entrevistado pela VEJA RIO a respeito do assunto, o jovem chef Thomas Troisgros afirmou: “O futuro da carne está no laboratório, que sairá cada vez mais de lá com sabor e bom preço”.
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