Todo carioca que se preze tem uma passagem de vida na qual um biscoito de polvilho esteve presente. Muitas delas, talvez, na praia, com amigos ou em família. Ele atravessa gerações e se mantém firme no mercado. Eu era daquelas que preferia o mais moreninho, principalmente se fosse do doce. Gosto dos dois sabores, mas sempre pedia o doce, porque filava o salgado do saco ao lado. Na minha época, pelas areias da praia, não existia quem não comprasse — até porque o preço de dois saía mais em conta.
Recentemente descobri que biscoito polvilho não é tão difícil assim de ser feito. Não me refiro à perfeição do original, mas a um caseiro que podemos até tentar o formato de uma rosquinha, embora eu faça em palitinhos. Siga a receita e depois me diga se tem o charme do nosso biscoito Globo:
Receita Biscoito Polvilho:
Ingredientes: 2 xic. chá de polvilho azedo, 1 colher de chá de sal, 1/2 xíc. de água, 1/4 xíc. de óleo, 2 colheres de sopa ovo (batido) e 1 e 1/4 de xíc. de água.
Modo de Preparo: Num bowl, coloque o polvilho. À parte, leve para ferver 1/2 xícara de água e o óleo. Despeje sobre o polvilho e misture bem com uma colher com cuidado, porque estará quente, e misture até virar uma farofa e esfriar. Acrescente o sal, adicione e misture bem o ovo. Aos poucos, coloque a outra parte de água em temperatura ambiente, misturando bem e batendo também com a mão para eliminar os gomos. Vai ficar quase líquida. É assim mesmo. Dica: como a massa é bem grudenta, eu uso luva. Com o auxílio de um saco de confeiteiro com bico 7 (ou improvise cortando fino o saco do próprio polvilho) coloque na assadeira em formato rosca ou bastão e leve ao forno 180° por 20 min ou até dourar a seu gosto. Retire do forno e aguarde esfriar, ele fica crocante!
Voltando à história do Biscoito Globo, já cedo, na praia, eles estavam lá. Mas de onde vinham? Os vendedores faziam fila na sede da Panificação Mandarino, na Rua do Senado, 242. Compravam o saco com 50 unidades — e havia até um folclore em torno. Diziam que, no atacado, só vendiam um saco por vez; alguns vendedores levavam familiares para ficar na fila e garantir mais produtos para vender ao longo do dia. Festa que tivesse Biscoito Globo mostrava o seu valor, afinal, isso significava que alguém passou horas na fila: “Olha, Globo fresquinho, salgado ou doce, quem vai?” Mesmo sem fome, a vontade vinha com aquele grito pelas areias da praia.
Ah, vendia também no sinal de trânsito, mas comer no carro… sei não, sujava absolutamente tudo ao redor. Confesso que poucas vezes me arrisquei. Tentava puxar a blusa para frente, comia sobre ela e, no sinal seguinte, quando terminava, saltava do carro e sacudia a camisa. Truques de quem já tomou muita bronca por fazer sujeira.
Mas de onde vem essa receita? Pasmem, o nosso símbolo que já ultrapassou fronteiras e é marca registrada do Rio de Janeiro… é paulista. É isso mesmo: a origem da receita vem de São Paulo, e foram três irmãos que trouxeram essa delícia para vender no Rio durante um evento religioso, em 1954. O sucesso fez com que Milton, Jaime e João Ponce se mudassem para o Rio de Janeiro. Os biscoitos passaram, então, a ser assados na padaria Globo, que ficava em Botafogo. Depois, junto ao padeiro português Francisco Torrão, fundaram a Panificação Mandarino — e é dali que, desde 1963, saem nossos crocantes e aerosos biscoitos de polvilho.
A embalagem hoje já não é mais daquele papel com as pontas torcidas, afinal isso fazia com que a validade fosse muito curta, somente uma semana. Agora o saco é feito de outro material, mas o visual continua o mesmo: o boneco característico com o Pão de Açúcar, a Torre Eiffel e a Torre de Pisa ao lado. Mas você já se perguntou por que esses monumentos? Pesquisei bastante, e a melhor explicação que encontrei foi que, na época — intuitivamente, ainda sem muito marketing — os irmãos mantiveram “Globo” por ela transmitir a ideia de algo global: qualidade internacional, um produto digno de estar entre os melhores do mundo, algo universal. Mas não existe nenhuma explicação oficial ou registrada pelos fundadores sobre esse design — e tudo bem. Afinal, temos orgulho dessa embalagem e que se tornou um símbolo carioca.
Elisa Mendes de Almeida, jornalista carioca e criadora de conteúdo, é autora de dois livros de receita – Cozinhar é Doar e Cozinhar é Amar. Foi apresentadora de telejornais da TV Globo, TV Manchete, Rede TV e TVE, e hoje se dedica à sua paixão pela gastronomia e a boa mesa. Siga o perfil para mais receitas.