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Zona Oeste: os sabores e os encantos do sertão carioca

Esqueçam prédios ou ruas centenárias que contam a história da cidade. Por aqui não existe geração de famílias burguesas, nem tão pouco sítios arqueológicos da época do império. Fachadas de edificações históricas e teatros centenários fazem parte da arquitetura do Centro do Rio e da Zona Sul carioca. Aqui, no lado Oeste da cidade, a história é completamente outra.

A maior concentração de habitantes da cidade do Rio de Janeiro está aqui, na imensa ZONA OESTE. São 41% de toda população carioca vivendo nessa imensidão. São 33 bairros, divididos entre praias, montanhas, florestas e arranha céus, distribuídos em quase mil quilômetros quadrados. Facilmente a Zona Oeste poderia ser uma cidade própria, afinal, existem menos que 2% de municípios brasileiros com uma população tão expressiva. Mas antes de começar a desbravar esta imensa região que cresce assustadoramente a cada dia, precisamos voltar ao passado e entender como tudo começou.

Sertão carioca

Acredite se quiser, mas esta região onde hoje temos as praias da Reserva e Grumari, ou a praia do Secreto, foi considerada, até bem pouco tempo atrás como o Sertão Carioca. Sim, essas terras nunca foram atrativas para os colonizadores europeus. Era considerado um risco, pois tinham que se confrontar com tribos indígenas diversas e com uma natureza letal. Diante disso, até o século XIX, toda concentração da cidade estava voltada para a Quinta da Boa Vista, Centro e alguns poucos territórios, onde hoje temos Botafogo, Flamengo, Catete e Glória. Grandes engenhos de cana de açúcar e imensos canaviais eram as únicas atividades deste lado da cidade. Algumas famílias possuíam imensidões de terras e as cultivavam com o plantio de cana. Isso se deu até meados do início do século XX. Com a Proclamação da República e o início da era industrial, o que antes eram terras longínquas passou a entrar no radar da especulação imobiliária lentamente. A Cidade de Deus foi construída por aqui nos anos 50/60, por ser considerado um lugar distante dos olhos dos mais afortunados.

Mesmo com o crescimento da zona urbana abrindo túneis em montanhas rochosas e construindo estradas pela Zona Sul carioca, chegar ao lado oeste do morro Dois Irmãos era uma aventura que durava horas, no lombo de cavalos ou carroças, porque estradas ainda eram meros piquetes. Mas a expansão foi tamanha que, a partir dos anos 70, estradas, elevados, pontes e túneis começaram a mudar a geografia desta inóspita e distante região. Atualmente a região de Jacarepaguá e Barra da Tijuca sofre um boom imobiliário, principalmente em empreendimentos de moradia e de comércio. O que antes não passava de dunas e coqueiros agora são terrenos extremamente valorizados, praticamente prêmios milionários da loteria para cada lote.

Atrações mil

Andar pelos bairros que formam esta badalada metrópole é um convite ao inusitado. Passear pela orla da Barra e do Recreio dos Bandeirantes não é novidade para ninguém, mas, saber que ao longo de quilômetros de praias existem points gastronômicos fantásticos, que poderiam muito bem estar listados nos melhores guias do mundo. Exemplo disso é o tradicionalíssimo Pesqueiro, bem no começo da reserva de Marapendi. A marca nasceu há mais de 30 anos, quando Adalberto Barreto da Costa comandava o pequeno trailer de fibra de vidro, vendendo cachorro-quente aos banhistas e surfistas que se aventuravam por aquelas bandas. “ Muitas noites dormia em cima dos engradados de refrigerante, dentro do quiosque, para ajudar meu pai”, relembra Marcus Barreto, que assumiu o legado do pai e revolucionou tudo. Nos últimos anos, este entusiasta da gastronomia vem se especializando como empreendedor e buscando conhecimento internacional, (acaba de se formar pela renomada Cordon Blue), tudo para levar a experiência perfeita para seus mais de 10 mil clientes que mensalmente desfrutam da “experiencia Pesqueiro” para passar o dia. Quem assina a gastronomia do Pesqueiro, recheado de muita coisa do mar, fresca, saborosa e diferenciada, é a chef executiva Monique Gabiatti, famosa mestra na culinária do mar e dona do Polvo e do Belisco, ambos em Botafogo. Sentar-se à beira mar aqui, é um convite ao desfrute de uma gastronomia extraordinária, de uma excelente coquetelaria, e de um ambiente extremamente familiar, animado e charmoso.

Ainda na praia, mas dentro do Jardim Oceânico, o Conversa Fiada ocupa uma descolada esquina nas imediações da Praça do Ô, com seus tradicionais petiscos, chope gelado e, agora, já tendo uma imersão no mundo da coquetelaria. Música ao vivo é um dos atrativos da casa, que tem na calçada o maior número de mesas. Verdadeiro significado de sombra e água fresca. Imperdível para um encontro com amigos. Mais à frente, no coração do JO, encontramos a mais badalada rua da Zona Oeste. Passear pela Olegário Maciel é a certeza de ter todos os gostos atendidos. Tem de tudo, mas de tudo mesmo. Comida vegana, mexicana, árabe, asiática, churrasco, petiscos, italiano, pizzarias e muito, mas muito barulho. Em quase um quilômetro de extensão, temos mais de 50 tipos diferentes de bares, restaurantes, baladinhas, tudo misturando entre farmácias, posto de gasolina, lojas, galerias e escritórios. O típico samba de mistura. Uma “zona” que se organiza.

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Atravessando o canal que divide o Jardim Oceânico da Barrinha, temos o tradicional e mais antigo bar da região. O bar do Oswaldo  (1946) está num casarão cultivando a tradição de suas batidas tradicionais. Coco e maracujá são as minhas preferidas. Recentemente, poucos metros na mesma calçada do Oswaldo, chegou ao bairro a terceira casa do carioquíssimo Galeto Sats. Isso mesmo, o galeto da madrugada e do coração de galinha com tempero secreto do “Serjão” estacionaram na Barra e já é sucesso absoluto. Ainda não está abrindo a noite. Questão de tempo. Para quem gosta de uma pequena aventura ao estilo veneziano, muitos são os pontos de embarque para o transporte fluvial para desfrutar de diferentes bares e restaurantes da Ilha da Gigóia. Desta ilha, escreverei um artigo exclusivo em breve, porque é um capitulo à parte da região.

Muitas são as opções de pizzarias pela Zona Oeste, mas, quando o assunto é forno a lenha, massa e ambiente, nada melhor do que a Mamma Jamma. A recém-inaugurada unidade do New York City Center é exemplo disso. Na porta, um bar com prateleira de pé direito imenso, cheio de muitas bebidas e uma coquetelaria muito diferenciada. Obrigatório pit stop no balcão. Degustei um Fitzgerald, acompanhado de uma focaccia de parmesão. Ótima harmonização.  Depois disso, é só se aconchegar no imenso salão e desfrutar de um cardápio cheio de pizzas, obviamente, mas outros atrativos também. Atendimento muito bom e uma carta de vinhos bem bacana.

Para quem busca conforto e sofisticação, a gastronomia premiada e super diferenciada dos labels existentes dentro do Village Mall são um ótimo convite. Em especial, o Restaurante Yusha. Estive lá por duas vezes, e as experiencias foram excelentes. Um asiático requintado, dividido em duas cozinhas, quente e fria, onde você encontra as culinárias chinesa, vietnamita, indiana, tailandesa e a mais alta culinária japonesa em um mesmo ambiente, com destaque para a seleção de saquês originais (uma das minhas bebidas favoritas) e um atendimento exemplar pouco visto pelo Rio de Janeiro. Passar o tapete vermelho e sentar se à beira do sushi bar, assistindo ao malabarismo de facas e postas de peixes é uma experiencia inesquecível. Ótimo lugar para levar alguém especial.

Menina de Ouro

Muitos são os locais onde podemos experimentar bons coquetéis clássicos ou um drinque assinatura. Tradicionais como Pina Colada, Mojito e Gin Tônica são comuns em toda a orla. Do Jardim Oceânico até o Pontal é possível apreciar coquetéis, mas existem dois lugares em especial, que fazem a diferença nesta região. O primeiro deles não é mais surpresa para ninguém. Trata-se do Vizinho Gastrobar da premiada mixologista Jéssica Sanchez. Há anos, com seu talento e sua veia empreendedora, abriu um pequeno, porém maravilhoso bar de drinques dentro do então recém-inaugurado Vogue Square. Muitos na época acharam a ideia uma maluquice. Onde já se viu abrir um bar de coquetéis longe do consumidor alvo da Zona Sul, praticamente há milhas de distância do bom apreciador e dentro de um shopping que ninguém conhecia? Pois bem, não só se tornou um sucesso, como expandiu, virou point, recebeu dezenas de indicações, sem contar na legião de frequentadores e admiradores que conquistou desde sua abertura, exatamente em novembro de 2016. Vale ressaltar que a mamãe Jéssica, ainda é uma ótima formadora de talentos. Alguns badalados bartenders de hoje iniciaram a carreira atrás do balcão do Vizinho.  O Dry Martini neste balcão é surreal. Vale a visita, não importa de onde você venha. Gosta de bar, balcão e drinques clássicos? Vai conferir.  Com sorte, ainda consegue encontrar essa menina de ouro fazendo coquetéis.

Sustentabilidade a beira mar

Eu já tinha dado por completa minha coluna sobre a Zona Oeste quando, conversando com um colega sobre o assunto, ele me descreveu um lugar diferenciado, na Praia da Macumba, no Recreio dos Bandeirantes, que respira e incentiva sustentabilidade, com uma gastronomia extraordinária e coquetéis incríveis. Eu não poderia escrever um texto sobre a região e deixar este lugar maravilhoso de fora. Tomado pela empolgação exacerbada do colega, segui a intuição e fui descobrir o que esse lugar tinha de tão diferente para fazer um amigo ser tão entusiasta. Na chegada, a primeira surpresa (de várias que tive durante a experiência), um espaço construído com conteineres, cheio de vida e materiais rústicos, com dois ambientes distintos que se misturam. Este lugar chama-se Sallero Restaurante, do chef Flávio Sérgio (craque brabo) e do amigo Vinícius Yoshida. Quando você chega pela primeira vez, não faz ideia de que neste espaço, inaugurado em 2020, exista uma culinária simplesmente extraordinária e um bar de drinques de fazer inveja a qualquer balcão da Zona Sul. A hospitalidade é um dos grandes diferenciais da casa. Observando o lugar, você descobre que a construção em conteineres foi uma ideia sustentável, rápida e barata, e que a decoração e todo o resto foram pensados com base nisso também. Afinal, uma terreno baldio na esquina da Estrada do Pontal, a poucos metros da praia, merecia receber um projeto amigo da natureza.

Toda a construção recebeu materiais reciclados. Antigas cruzetas de madeira (usadas para traçar fiação elétrica no século XX), foram usadas para portas, corrimão, puxadores, bancos e elementos decorativos. Bambus também fazem parte da decoração, e a água da chuva é captada 100% para ajudar a irrigar uma horta orgânica. É realmente um lugar diferenciado com um atendimento invejável. Passando ao lado da cozinha, você tem acesso ao segundo andar, onde fica um pequeno, modesto e extraordinário bar. Fazia tempo que não me impressionava tanto com um balcão que realmente respira coquetelaria. Quem comanda essas coqueteleiras é o carioca Luciano “Luth” Zottolo, um entusiasta alegre, sorridente e com um conhecimento invejável. Ele já se aventurou por terras italianas em busca de experiência e conhecimento internacional, e quando retornou ao Brasil deparou-se com as obras do Sallero e lá foi conferir do que se tratava. Descobriu a ideia de um bar e não teve dúvida: candidatou-se à vaga e, em poucos dias, já estava fazendo experimentações. A sinergia com pessoas e ideias renderam um bar cheio de drinques que rementem ao melhor que a coquetelaria pode entregar. Convido a quem realmente gosta de se surpreender de verdade, num lugar aconchegante, rústico, com uma gastronomia contemporânea (Austrália e Asia servem de inspirações) a conhecer este recanto incrível. Poderia descrever os sabores culinários e as memórias que tive ao desfrutar de alguns drinques, mas prefiro que você viva essa experiencia. Não vai se arrepender. Pode me chamar. Eu vou.

cheers

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Fonte:

Comer & Beber – VEJA RIO