A vontade de aprender a fazer as melhores massas, ou melhor, “pasta” me fez ir para Bolonha, cidade na Itália que tem uma forte tradição em cultura culinária. Meu sonho era ser “brava”, como diriam os italianos, na arte de fazer massas. Aprendi jovem a fazer com farinha e ovo na clássica proporção um para um. Sovando, abrindo no cilindro, pondo para secar pendurada, polvilhar muita farinha para ajudar a secar e ponto. Hoje vejo que os meus aprendizados do passado nada têm a ver com a verdadeira “pasta”. Alguns dos segredos estão revelados na receita de Ravióli recheado com molho de sálvia e manteiga (abaixo).
Ao pesquisar, encontrei dois cursos em Bolonha: Cristina La Cesarina e Il Salotto di Penelope. Cristina faz parte do grupo Cesarina, uma plataforma que oferece vários professores, que são pessoas comuns que detêm a arte da culinária e estão dispostas a abrir suas casas e ensinar suas receitas. Só esta ideia já é fantástica. Cristina, hoje, é uma embaixadora da plataforma Cesarina e agrega às três horas de aula uma alegria e um entusiasmo que nos deixam certos de que sairemos dali prontos para encabeçar uma noite italiana nas nossas cozinhas. E ela faz por onde: incentiva, estimula e, quando provamos o resultado do que preparamos, acreditem — é espetacular!
A aula é prática. Começamos da base, com farinha e ovo e, como material, usamos apenas um garfo, a spianatoia (uma tábua de madeira especial para isso) e o matarello — que você pode até achar que é o nosso rolo de pastel, mas é bem diferente, pois mede cerca de 80cm e tem um diâmetro específico.
Tudo tem seu segredo: como misturar os ovos à farinha, como ir amalgamando a massa, como abrir sobre a spianatoia e manusear. Os movimentos exigem técnica, arte e, acredite, se não forem feitos corretamente, machucam a coluna. É preciso se entregar como numa dança com passos — sim, o corpo avança e recua nesse ir e vir. O pulso quase apoia e os dedos dedilham como num piano.
Achou que era fácil? Eu também, mas não se preocupe. Com a nossa ginga, tudo se torna possível. E com a ajuda de pequenos utensílios, aprendi outros formatos. A simples mistura de farinha e ovo foi ganhando vida nas minhas mãos. Um mundo na culinária se abre. Depois de finalizar todas as massas, chegou o momento de provar. Tortelloni recheado com ricota e salsinha, servido com molho de tomate, e, para o tagliatelle, o molho de ragu.
Retornei outra vez à Cristina, nos debruçamos sobre o tortellini. Ao chegar, já preparei a pasta sfoglia — a massa base de onde todas as outras derivam — com mais desenvoltura, e depois a deixamos descansar, como indica a receita. Nesse tempo, fomos às compras dos ingredientes para o recheio nos melhores fornecedores da região. Comprei algumas ferramentas na loja Aguzzeria del Cavallo (@anticaaguzzeriadelcavallo), especializada em material de cozinha que funciona desde 1783. Giulia é a sétima geração da mesma família à frente do negócio.
Retornamos, então, para a casa da Cristina e nos debruçamos na finalização dos tortellini. São pequenos e exigem trabalho para fechar e, justamente por isso, o preparo já se torna um convite familiar porque normalmente são concluídos ao redor da mesa da cozinha, com três ou quatro pessoas da família ajudando nesse processo. A receita tradicional leva ingredientes pesados, é forte e, por isso, costuma ser servida nas festas de fim de ano, quando o frio europeu pede um bom caldo com tortellini bem recheado, que aquece e conforta.
O outro curso, no Il Salotto di Penelope, é comandado pela dupla Bárbara e Pietro. Comecei pela massa verde acrescentando espinafre a massa. Pietro compartilhou não apenas a técnica, mas também a história cultural por trás de cada prato. Na Itália, esse assunto é levado a sério: as receitas originais do ragu e do recheio do tortellini estão registradas na Câmara de Comércio da Emilia-Romagna desde 1972.
Ao abrir a massa numa spianatoia enorme, numa cozinha linda, fui transportada para um momento único. Sabe quando a gente sente que conseguiu? Foi esse o momento. Nesta viagem em busca da receita de massa perfeita, eu, habituada desde cedo a interpretar que era preciso sovar, estava muito distante de fazer uma boa massa. A verdadeira pasta não se sova. Ela é levada à frente e conduzida para trás — tudo com leveza, com doçura, num ir e vir. Não há força sobre ela. Há delicadeza. A palavra para definir essa experiência no universo da pasta é: intimidade. A ação de abrir a massa me pediu entrega e sensibilidade. E tudo se finaliza num ato de amor — ao oferecermos nosso melhor prato, nossa melhor comida.
Receita: Ravióli recheado com molho de sálvia e manteiga (4 pessoas / massa: Pasta Sfoglia)
Ingredientes da massa: 3 ovos (média de 62 a 65g cada) e 300g de farinha de trigo tipo 00.
Ingredientes do recheio: 250g de creme de ricota, 1 gema, 80g de Parmigiano Reggiano ralado, 30g de salsinha picada e noz-moscada moída na hora (a gosto).
Ingredientes do molho: Algumas folhas de sálvia, 2 colheres (sopa) de manteiga e 1 concha de água do cozimento.
Modo de preparo da massa: Faça um “vulcão” com a farinha e forme uma cratera. Quebre os ovos e, com a ajuda de um garfo, vá adicionando a farinha aos poucos. Com os dedos, vá empurrando a farinha da lateral para o centro, até que incorpore toda a farinha. Com uma espátula, faça movimentos de abaixar a massa, recolha as extremidades e amasse com a espátula. Depois, com as mãos, faça movimentos lentos, como se formasse uma “salsicha” grossa, e aperte. Tudo leve. Se as mãos ficarem pegajosas, ponha farinha na sua mão somente, mas não exagere. Tente resistir mais. É importante não agregar muita farinha de trigo neste processo. Continue a ir para frente, amassar e refazer o processo. Depois que ela atingir uma textura lisa e elástica (normalmente depois de 5 à 10 min trabalhando nela), ponha para descansar por 30 minutos, envolta com filme plástico em temperatura ambiente. Depois desse tempo, abra como se formasse uma massa de pizza, com cerca de 2 mm de espessura, com a ajuda do matarello.
Modo de preparo do recheio e do molho: Lave e pique a salsinha, e misture com a ricota, a gema e o parmesão. Adicione umas raspas de noz-moscada. Com a massa aberta, coloque uma colher de chá de recheio em cada um. Cubra com outra massa e pressione bem para garantir que não abram durante a fervura, depois corte com o carretel. Cozinhe a massa em bastante água fervente com sal (reserve uma concha da água da fervura). Escorra e refogue em outra panela com manteiga, sálvia picada e uma concha da água da fervura. Em fogo médio, sempre balançando a panela, espere que a água evapore. Sirva com queijo Parmigiano ralado e folhas de sálvia.
Dica: Muita gente pensa que o mármore é uma excelente bancada para preparar a massa. Engano total. A madeira é essencial: por ser porosa, evita que a massa grude e ainda proporciona uma textura levemente rugosa, que ajuda o molho a aderir melhor. Aprendi também o simples molho de sálvia e manteiga que, apesar de fácil, guarda seus segredos. A manteiga já deve estar em ponto pomada antes de ir à frigideira. A sálvia nunca picada ou cortada — sempre rasgada à mão, para não oxidar. Viram como o básico pode esconder muita coisa?
Serviço dos cursos em Bolonha:
Cristina La Cesarina: Receita e degustação. Duração: 3h. Preço: 145 euros (pode variar de acordo com a professora-anfitriã). Instagram: @la_cesarina_cristina_bologna
Il Salotto di Penelope: Receita e degustação. Duração: 3h. Preço: 120 euros (adulto) e 50 euros (criança). Instagram: @ilsalottodepenelope
Elisa Mendes de Almeida, jornalista carioca e criadora de conteúdo, é autora de dois livros de receita – Cozinhar é Doar e Cozinhar é Amar. Foi apresentadora de telejornais da TV Globo, TV Manchete, Rede TV e TVE, e hoje se dedica à sua paixão pela gastronomia e a boa mesa. Siga o perfil para mais receitas.
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