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Por que os jovens estão torcendo o nariz para os vinhos na Europa e EUA?

Enquanto o Brasil ainda dá seus primeiros passos na cultura do vinho, com seus 2 litros per capta de consumo, países com uma longa tradição no assunto enfrentam uma crise relacionada a sinais preocupantes de falta de interesse pelo produto. Há poucas semanas o governo francês anunciou que irá gastar 200 milhões de euros para descartar vinho excedente. Na coletiva em que a medida foi anunciada, o ministro da agricultura francês, Marc Ferneau, mandou o seguinte recado: “a indústria do vinho precisa olhar para o futuro, entender a mudança dos consumidores e adaptar-se aos novos tempos”. Para se ter ideia da gravidade do problema, também em junho deste ano, 57 milhões de euros foram gastos para arrancar 9.500 hectares de vinhas na região de Bordeaux.
A França não está sozinha nessa batalha. Segundo uma recente pesquisa Gallup, os americanos preferem drinques (31%) e cervejas (29%) a vinho. A Comissão Europeia também reportou quedas no consumo no último ano de 7% na Itália, 10% na Espanha, 15% na França, 22% na Alemanha e 34% em Portugal.
A resposta mais simples para essa crise é o público jovem, que não está tomando vinho da mesma maneira que seus pais e avós. Eles preferem drinques — e a indústria dos destilados esmerou-se bastante para que isso acontecesse, com vasto investimento em campanhas de marketing. Se não bastasse, há também as turmas que preferem cannabis e  a dos que não preferem nada alcoólico — sim, os abstêmios vêm se tornando uma parcela digna de nota. “Os produtores de vinho e os anunciantes estão perdendo consumidores mais jovens, por não produzirem vinhos que caibam em seus orçamentos e por negligenciarem alcançá-los com campanhas direcionadas”, escreveu o crítico Eric Asimov para o New York Times.
Para Jason Wilson, colunista do Washington Post e autor de “Godforsaken Grapes: A Slightly Tipsy Journey through the World of Strange, Obscure, and Underappreciated Wine” (Abrams Books), considerado pelo New York Times melhor livro de vinhos de 2018, o problema é a qualidade dos vinhos destinado ao público mais jovem, ou a quem quer pagar menos. “Nos EUA há uma linha de corte: US$15. Acima disso são considerados vinhos premium e abaixo há um oceano de vinhos ‘mercado’, e é justamente essa parcela de qualidade duvidosa que está em declínio”, diz. Por acaso, é esse vinho de entrada que também está sendo desprezado na França.
Para esse especialista, “vinho de entrada” é apenas um eufemismo para vinho ruim. E ele vai adiante: “existe uma falsa ideia de que jovens bebedores, com paladares menos apurados, vão iniciar com vinhos ruins e a medida que forem sofisticando o gosto irão para vinhos mais caros e elaborados. Não há nada que comprove essa tese”. Talvez esse argumento de que alguém pode se tornar um consumidor iniciando essa trajetória com rótulos de qualidade duvidosa fizesse sentido no passado (no Brasil, como se sabe, muitos começaram com aquele famoso vinho alemão da garrafinha azul). Mas os tempos são outros. O fato é que vinhos feitos sem transparência quanto aos ingredientes, de forma homogênea e desinteressante, dificilmente atrairão jovens que querem beber menos e melhor.

Então que tipos de vinhos podem agradar o paladar dessa nova geração? Aqui na coluna Al Vino, falamos recentemente sobre os vinhos de baixa intervenção feitos pela vinícola La Prometida, no Chile, com altíssima qualidade e valores possíveis. Wilson destaca os Chardonnay produzidos em Mâconnais, na Borgonha, entre tantos outros. Essa é a boa notícia: há vinhos de excelente qualidade feitos por vinícolas que não têm como propósito único fazer dinheiro, mas também se orgulham de seus produtos. No entanto, os bons exemplos ainda são poucos, e as gôndolas com rótulos a R$29,90, ainda irão levar muito consumidor do vinho para drinques e cervejas.

Se nada mudar, radicalmente, a ressaca do mercado pode ser prolongada.

Fonte:

Vinho – VEJA