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Chile, vinho de longevidade à toda prova

Tenho viajando ao Chile com frequência, visitando 25 vinícolas de norte a sul. Nos últimos dois anos provei mais de 1.000 vinhos chilenos de mais de uma centena de produtores.

 

Como parte deste amplo panorama, tive a rara oportunidade de provar algumas dezenas vinhos mais antigos, de safras até os anos 1980 Isso mesmo, vinhos chilenos, alguns deles com quase quarenta anos, e, em sua maioria, ainda perfeitos e deliciosos.

 

A conclusão primeira, mais simples é óbvia é que “sim, os vinhos chilenos, tintos e brancos” são longevos, evoluem graciosamente com os anos em garrafa, ganhando complexidade.

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Uma segunda conclusão, observada principalmente em longas provas verticais (diversas safras do mesmo vinho), é a evolução do estilo dos vinhos chilenos.

 

No passado já participei por diversas vezes de grandes verticais ícones como Seña, Don Melchor e Alvaviva, entre outros. Recentemente também, tivemos no Rio Wine and Food Festival duas provas nas quais ícones chilenos de safras mais antigas brilharam.

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Na primeira delas, tivemos o privilégio de degustar uma vertical completa, com todas as safras já feitas de Gandolini Las Três Marias, apresentadas por seu enólogo e criador, Stefano Gandolini. Uma prova completa deste vinho jamais havia acontecido no mundo. O Las Três Marias, é um cabernet sauvignon 100%, do Alto Maipo, uma das melhores regiões do mundo para a onipresente casta bordalesa. Gandolini imprimiu neste vinho um estilo robusto, com forte influência do carvalho novo, com potencial de décadas de guarda, tanto que suas primeiras safras, como 2011 e 2012, a meu ver, ainda estão em evolução ascendente, enquanto as mais recentes como 2018 e 2019 mais lapidadas pelo aprimoramento do projeto como um todo, são ainda bebês de colo, mostrando equilíbrio para voos ainda mais altos em sua longevidade.

 

A segunda prova citada, do Rio Wine and Food Festival, foi uma vertical de Don Maximiano, o ícone da vinícola Errazuriz. Na raríssima degustação, apresentada pelo enólogo chefe da casa, Tomás Muños, com as safras 1984, 1989, 1990, 2008, 2011, 2017, 2019, pode-se vivenciar um outro fenômeno. Além da longevidade evidente dos vinhos, constata-se uma mudança obvia de estilo. Esta mesma mudança já vivenciei em verticais de outros grandes ícones como Seña e Don Melchor. Posso dividir esta evolução em três etapas.

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A primeira, até meados dos anos 1990, quando os tintos chilenos buscavam ser um Bordeaux, com colheita mais precoce, maior acidez, macerações mais curtas, teores de álcool mais baixos, taninos mais secos, e uma proporção menor de carvalho novo.

 

A segunda etapa, entre meados dos anos 1990 e a primeira década do século XXI, nota-se claramente uma influência do estilo chamado de “parkerizado”, uma referência ao crítico americano Robert Parker. Isso se traduz em uma mudança de eixo, os vinhos que queriam ser Bordeaux agora querem ser Califórnia, buscando uvas muito maduras, às vezes chegando ao que chamamos de “jammy” (lembrando geleias) ou “over ripped” (sobremaduros), com teores alcoólicos mais altos, uso de práticas como osmose reversa (para concentrar o vinho), micro-oxigenação, gerando vinho muito encorpados, com taninos mais doces, e carvalho novo em abundância.

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O terceiro e atual momento é o da identidade própria, de deixar de se espelhar em outro país ou região, de ser uma expressão da origem, do terroir. Este processo passou por dar um grande foco na viticultura, com um retorno às colheitas mais precoces e aos teores de acidez natural maior e álcool menor, porém com um amadurecimento ótimo das uvas. Isso foi resultado de um trabalho no campo, desde o conhecimento dos melhores terrenos, melhor exposição, melhor manejo da canópia, irrigação e tratamentos mais racionais. Na vinícola vimos nos últimos anos o uso de barricas novas cair vertiginosamente dando lugar à madeira usada e o uso de outros recipientes como ovos de concreto ou ânforas de barro, ou até mais de um tipo de recipiente para o mesmo vinho.

 

Na prova de Don Maximiano, claramente estes três estilos estavam representados no 1984, 1989 e 1990, depois no 2008 e 2011, e finalmente nos 2017 e 2019. Qual a melhor fase? Não há resposta certa, já que todos mostraram-se grandes expoentes dentro de suas propostas. Mesmo o 2008, que poderia provocar críticas de “muita madeira”, com sua madeira evidente, porém integrada, estava encantador, muito sedutor.

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Não por acaso estou escrevendo esta matéria em um hotel em Santiago e ontem, 2 de abril, provei 14 safras de Almaviva, desde a sua primeira, 1996, até a mais recente, 2021. As mais antigas seguem perfeitas e com vida pela frente.

 

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Fonte:

Comer & Beber – VEJA RIO