Com o inverno quase batendo à porta e as temperaturas caindo, chegou a hora das receitas com sabores mais intensos. Massas, risotos e carnes encorpadas são algumas das pedidas que chegam aos cardápios nesta época do ano, muitas delas com toques especiais que evidenciam criatividade dos chefs.
No Salí (Rua Dias Ferreira, 78, Leblon, tel.: 2512-6526), mediterrâneo recém-inaugurado, o chef Ricardo Lapeyre preparou para este inverno duas novidades: o gyoza com camarão e molho de capim-limão (R$46,00 com três ou R$ 73,00 com cinco) e a lasanha de pato confitado, aspargos e molho de vinho do porto (R $110,00).
Também com cardápio mediterrâneo, o quiosque Gávea Beach Club (Av. Prefeito Mendes de Morais, quiosques 4A e B, São Conrado, tel.: 97471-8462) aposta em sugestões como o espaguete à carbonara (R$ 63,00), o linguine com molho pesto de rúcula, tomate-cereja e camarões (R$ 75,00) e o o risoto de frutos do mar, com camarões, lulas e mexilhões (R$ 86,00).
O gastrobar Pope (Rua Joana Angélica, 47, Ipanema, tel.: 3852-9120) trouxe para o menu a lasanha de ossobuco (R$ 88,00), com massa e ragu feitos na lenha, fonduta de grana padano e molho rôti, e o polvo grelhado na brasa (R$ 128,00), servido com risoto pomodorino, fior di latte e frisé de manjericão, hortelã e favas brancas.
O Joaquina Bar e Restaurante (Rua Voluntários da Pátria, 448, Botafogo, tel.: 2535-2774), do chef Richard Langa, aposta no Risoto Terra e Mar (R$ 72,00), preparado com molho bisque feito na casa, camarões frescos, creme de abóbora cabotiá assada, farofa de castanha de caju e taioba; e o arroz de altitude meloso e defumado com linguiça Blumenau, camarões frescos, aioli e lascas de abóbora confitada (R$ 69,00).
No Cantón (Rua Rodolfo Dantas, 26, Copacabana, tel.: 3594-0002), de comida chifa (mistura da chinesa com a peruana), as sugestões para a estação são a Gyoza Chifa (R$ 49,00 com cinco), recheada de porco e cogumelos com molho agridoce; e o Lámen Charsiu (R$ 58,00), macarrão em caldo de ave com porco assado charsiu, fungo wanyi, ovo hajitama e cebolinha.
O francês Didier (Rua Vinícius de Moraes, 124-A, Ipanema, tel.: 3624 -7960) prepara o fettuccine com coelho assado (R$ 94,00), com o animal servido desfiado, com bacon, champignons e ervilhas; o filé mignon com risoto de gorgonzola, lascas de pêra e molho de alecrim (R$ 108,00) e o clássico boeuf bourguignon (R$ 79,00), ragu de cupim assado no vinho tinto com cebolas, champignon e bacon, servido com polenta cremosa.
Rioja, uma das regiões mais tradicionais do mundo do vinho, vem passando por mudanças e está se modernizando. As mudanças são várias, algumas comentadas adiante, mas a mais significativa e que pode mudar os rumos da região é a possibilidade do vinho trazer no rótulo sua vila de origem (remetendo aos Village da Borgonha) e com o reconhecimento dos “Grand Crus” da Rioja, seus vinhedos únicos e excepcionais, que recebem agora a denominação de “Viñedo Singular”.
As macro sub-regiões de Rioja permanecem as mesmas três, com uma mudança de nome: Rioja Alta, Rioja Alavesa e o que ante era Rioja Baja agora se chama Rioja Oriental.
A classificação tradicional, por tempo de envelhecimento permanece a mesma (jovem ou genérico, Crianza, Reserva e Gran Reserva), mas para espumantes foi criada uma nova categoria, os Gran Añada. Assim, os Rioja genéricos não têm requisito mínimo de maturação. Os Crianza precisam de 2 anos, sendo destes um mínimo de 1 ano em madeira para tintos e 6 meses para brancos e rosados. Os Reserva tintos devem cumprir 3 anos antes de ir ao mercado, sendo deste tempo um mínimo de 1 ano em madeira. Os Reservas brancos, rosados e espumantes cumprem 2 anos, sendo 6 meses em madeira para brancos e rosados e para espumantes os 2 anos com suas borras. Todos os Gran Reserva devem esperam 5 anos antes de ir ao mercado, sendo que para tintos este tempo inclui ao menos 2 anos em madeira, e para brancos e rosados o mínimo de madeira é de 6 meses (o resto pode ser em garrafa). A nova categoria, Gran Añada, é exclusiva para espumantes, que devem permanecer ao menos 3 anos com suas borras.
Outras mudanças que voltam Rioja para a modernidade, são a possibilidade de produzir rosés mais clarinhos (isso não era aprovado antes) e de brancos serem mono-varietais, feitos com apenas uma casta, que virá no rótulo.
Um belo e centenário casarão da Rua do Lavradio, que no centro da ambientação ostenta uma imensa e linda estante de madeira que pertenceu à primeira loja Lidador, nos anos 1920, é o cenário da empreitada que une Lucio Vieira, chef do ano segundo o VEJA RIO Comer & Beber, e Frederico Vian, eleito o bartender do ano na mesma premiação.
Sim, a dupla vem forte no Celeste, que será, seguramente, uma das maiores inaugurações da gastronomia carioca em 2023, previsto para o fim de julho. O imóvel de número 11, onde funcionou em outros tempos a Casa Momus, será um bar com pegada de alta coquetelaria, com almoço focado em massas frescas e artesanais, e petiscos espertos e criativos na parte da noite – e podemos esperar boas surpresas do chef responsável pelas “grifes” Lilia e Labuta.
De quinta a sábado, o jazz ao vivo vai comer solto, com DJ na pista superior para finalizar a noite. Fred, proprietário e bartender do Vian, em Ipanema, é também músico formado e vai tratar com carinho a programação instrumental. Nas taças, ele promete ousadas aventuras autorais, em carta inédita.
Frequentadores do Labuta, boteco aclamado de Lucio Vieira na Rua do Senado, Fred e Zu, sua mulher e sócia, entre cervejas em garrafas e torresmos, conheceram o chef e na conversa as afinidades apareceram, antes da abertura do Vian. A ideia do Celeste surgiu naturalmente, nos papos de botequim.
Se o Lilia já levara a gastronomia de alta qualidade à região, hoje aberto também para o jantar às quintas e sextas, a coquetelaria aporta em grande estilo e quem ganha é a cidade.
Em meio às construções tradicionais de estilo europeu em Santa Teresa, entre as ruas Áurea e Monte Alegre, um gastrobar descolado, repleto de africanidade, vem chamando atenção. O Agô, que significa um pedido de licença de entrada e saída em Iorubá, ganhou filas de espera na porta e desde o ano passado vem sacramentando o seu sucesso na região. É possível encontrar clientes de outras cidades, que se deslocam para conhecer o endereço, que em um passado não tão distante funcionava como farmácia do bairro. A narrativa forte do local, ecoa como um grito de emoção e autoestima de uma África tão demonizada religiosamente. A decoração do ambiente, além de impactante, possui um DNA familiar. Um lindo painel de Yedda Affini, artista contemporânea que vem se destacando no meio das artes plásticas, ganha destaque no restaurante de sua mãe, Kananda Soares.
Cardápio de drinksBC/ReproduçãoPlacas são vendidas por R$ 80,00 na lojinha do gastrobarBC/Reprodução
É marcante observar os consumidores fotografando cada detalhe do cardápio, da decoração ou da lojinha. O brilho nos olhos reflete um reencontro com essências, com ancestralidade, com uma brasilidade pulsante. Exu, Pomba Gira, Seu Zé Pelintra são protagonistas em tudo. Seja na comida ou bebida, com os drinks cheios de nomenclaturas, como nos produtos que estão à venda, como plaquinhas, porcelanas e quadros.
É Padê ou para comer? Uma sessão no cardápio tem uma seleção de padês, que na gira africana representa oferenda para Exu; mas, no bar da encruza, o padê ganha a versão empoderada de churrasquinho misto flambado na cachaça para três pessoas (R$ 98,00); na versão de frutos do mar, acompanha farofa de dendê (R$ 120,00).
Continua após a publicidade
Mais que um gastrobar, o Agô é um destino necessário para se entender culturalmente nosso povo, nossa gente, nossa ancestralidade. Laroyê!
A lasanha (lasagna em italiano), posso afirmar, é quase uma unanimidade de gosto. É comum a expressão “gosto até mais que lasanha”, quando alguns comilões querem se referir a alguma preferência. Lasanha em latim significa “vaso”, “recipiente”. E o prato tem origem no Império Romano, dizem. Francesco Zambrini descobriu receitas do século XIV em que a lasanha era colocada em tiras com várias camadas de queijo, sendo muito próxima a como conhecemos hoje. Já o chef Paulino Pecora, em seu blog “O Mago das Panelas”, nos conta que ela nasceu de um prato chamado “pasta al forno”, feita tipo o “Pastitsio” grego, que seria um dos precursores desta iguaria, montada em camadas de massas a base de trigo, verduras, legumes, molho de carne com pedaços e queijos duros.
Podemos dizer que a técnica de se fazer lasanhas remonta desde o começo da Era Cristã. Outro prato que influenciou a montagem foi o “Moussaka”, pois é a mais antiga receita de molho com carnes que conhecemos. A receita de lasanha mais popular no Brasil (há várias) é a de Emilia-Romagna, com pasta ao ovo, podendo ser a base de espinafre, ragu a bolognese (carne e tomates), bechamel, mussarela e Parmigiano Reggiano em camadas ao forno. Pois afirmo: o equilíbrio entre esta pasta e o vinho pode parecer bem complicado. Certa feita um amigo piemontês sugeriu que a melhor harmonização seria de um bom Lambrusco tinto com a lasanha. Só que lá no Piemonte a pasta básica ao ovo é montada com ragu de carne caprina, bovina e suína, bechamel, Formaggio Asiago Fresco e Fontina, Asiago Staggionatti e ervilhas ou aspargos, dependendo do local. Ou seja, uma receita absolutamente diferente da de Emilia-Romagna e, destaque-se, muito mais adstringente, em que o Lambrusco — ou um outro espumante tinto — pode ir bem.
Já na Lombardia, ao norte do Piemonte (e cuja capital é Milão), a lasanha é preparada com pasta all zafferano, ragu di Coda (rabada) e Ossobuco, temperados com “mirepoix” clássico, Mozzarella Fiori di Latte, Castelmagno Staggionato e Molho Mornay (bechamel com gemas e queijo típico da região), o que torna o grande companheiro, ao meu ver, um Sfursat ou outro vinho produzido pelo método “Valtelina” (semelhante ao método de produção do Amarone). Uma vez provei uma lasanha próxima à receita da Lombardia, acompanhada de um Arpepe Rosso di Valtellina, que ficou na boa memória… Na Liguria, a lasanha tradicional é bianche, na qual vai pesto, molho de nozes, sugo de funghi e o famoso Toccu (ou Il Tuccù), um ragu feito de modo muito antigo, de carne e miúdos de boi (rabada, coração, fígado e cérebro), cozido por horas, com poucos tomates, mussarela e Cacciota di Brugnato; aí um Brunello ou um Chianti Riserva vai muito bem.
A lasanha da Calábria, feita a partir de ragu di polpettones de carne de porco, Pasta di Semola Rimacinata (semolina), Formaggio Caccio cavalo ricota típicos e linguiça calabresa, segue muito bem com um tinto da Umbria, por exemplo, um Rubesco Rosso ou um Sagrantino do Caprai ou do Paolo Bea. Já a receita da Toscana (pasta básica de ovos, ragu spezzatatti (carne em pedaços e não moída, prosciutto di parma), Panna Fresca (Nata), Formaggi fusi e fresche, Mozzarella Fiori di Latte e Pecorino staggionatti di Toscana vai bem com um SuperToscano novo, como um Magari ou o fantástico Inssieme. E para a mais difundida no Brasil (como dissemos, a de Emilia-Romagna), o tinto piemontês da casta Barbera D’Alba é a melhor opção, logo seguido de um Ciró Riserva, ambos com acidez e frutas bem marcantes. Agora, lembre-se: quem vai comer e beber é você. Portanto, escolha sempre o vinho que mais lhe agradar, se afastando de convenções ou regras rígidas. Salut!
O Reino Unido ocupa uma posição curiosa no mundo do vinho. É o segundo maior importador do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos. É também um importante centro de produção de conhecimento sobre a bebida, como indica a quantidade de profissionais certificados com o título Master of Wine, o mais cobiçado e difícil de conseguir: 195, de um total de 414 espalhados pelo mundo (os EUA, por exemplo, têm “só” 57). Mas não é exatamente associado à produção de grandes rótulos. A situação, aos poucos, está mudando. A tecnologia, o conhecimento de diversos produtores e as mudanças climáticas têm feito com que a região, mais fria que o ideal, passasse a ser conhecida por seus espumantes.
É o caso do Gusbourne Exclusive Release Brut, primeiro rótulo inglês a ser importado para o Brasil. Produzido em West Sussex, no sul do país, é um blend das três uvas clássicas usadas na produção dos espumantes de Champagne: pinot noir, chardonnay e pinot meunier. A inspiração francesa também está no método de produção, conhecido como tradicional, ou champenoise. O vinho passa por duas fermentações, uma em grandes barricas e outra em garrafa, e o resultado é uma bebida de maior complexidade.
O Exclusive Release Brut, primeiro rótulo inglês importado ao Brasil –Gusbourne/Divulgação
O portfólio da Gusbourne é extenso e inclui alguns espumantes, incluindo uma versão rosé e outro com indicação da safra em que foi produzido, uma série de vinhos tranquilos (sem borbulhas), como um chardonnay produzido com leveduras nativas da região, um rosé e um monovarietal pinot noir, além de edições limitadas. Por enquanto, o Exclusive Release Brut será o único espumante da vinícola comercializado no Brasil.
O Exclusive Release Brut foi criado durante a pandemia como forma de apresentar o trabalho da Gusbourne a um novo público. No Reino Unido, é vendido em supermercados por um preço mais acessível, capaz de competir com outros vinhos importados de qualidade semelhante. O rótulo recebeu o troféu de melhor espumante vintage inglês pela safra 2018 no International Wine Challenge de 2022.
Na produção do vinho, a qualidade final da bebida é ditada por aquilo que os especialistas chamam de terroir, em francês, a combinação entre clima, solo adequado, uvas e as técnicas empregadas para que se aproveite o melhor de cada região. Não basta, contudo, para que um rótulo cresça e apareça, apenas a magia do cultivo em condições ideais — o universo da bebida está sempre atento às boas práticas agrícolas. O mercado pune o descuido. É natural que as discussões sobre sustentabilidade que permeiam a agricultura de hoje desembarcassem também nos vinhedos. É movimento bom e crescente, que garante a longevidade das plantações viníferas em cenário de mudanças climáticas e garante ao consumidor um produto final celebrado pelo sabor, sim, mas também pela história que carrega.
EMILIANA SALVAJE 2020 – Blend da uva tinta syrah com um toque da variedade branca roussanne. Produzido no Valle de Casablanca, no Chile, é um vinho orgânico de perfil fresco, com muita fruta preta e toques florais. Não passa por madeira./.
Bem-vindo, portanto, ao mundo dos vinhos orgânicos. A Europa, continente de enorme tradição, está à frente desse processo. Os dados mais relevantes, compilados em 2019 pela OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho), apontam que a maior parte dos vinhedos de zelo especial com o chão, digamos assim, estão lá, principalmente na França, Espanha e Itália, com expansão de 13% ao ano, em média. Em Portugal, o melhor exemplo vem do Esporão, do Alentejo. O grupo, que controla também as marcas Quinta dos Murças, no Douro, e Quinta do Ameal, da região dos Vinhos Verdes, ao norte, lida organicamente com algo em torno de 650 hectares, porção de terra equivalente a 650 campos de futebol. Há ainda outros 111 hectares de olivais orgânicos. “No início, a decisão de migrar para a agricultura orgânica foi baseada na qualidade dos vinhos, e não em mudanças climáticas”, diz João Roquette, CEO do grupo. O empresário diz ter decidido a virada de modelo depois de provar, lado a lado, às cegas, taças vindas de terra e plantas tratadas com químicos e taças de produção isenta de defensivos agrícolas. As “puras” eram superiores.
ESPORÃO RESERVA 2019 – Primeiro rótulo produzido pelo Esporão, em 1985, hoje é um clássico da região do Alentejo, em Portugal. Blend de sete castas distintas, passa ainda doze meses em barricas. O resultado é complexo, com fruta e especiarias./.
Para a opinião pública, no entanto, a percepção era oposta. Vinhos orgânicos eram tidos como piores. “Decidimos, então, não divulgar que os vinhedos eram orgânicos”, diz Roquette. Logo, a situação mudou. Hoje, o Esporão é responsável por 18% de toda a produção orgânica certificada no país e tem diversos rótulos premiados. No processo de migração para a agricultura orgânica, há quase vinte anos, foi preciso buscar inspiração em algumas das poucas vinícolas do mundo que andavam à frente. A mais celebrada e responsável era a chilena Emiliana. Dona do maior vinhedo orgânico do planeta, com mais de 900 hectares, a empresa hoje abre suas portas para que outros produtores, de todo o mundo, possam aprender as técnicas necessárias. “Adotar a agricultura regenerativa sustentável, orgânica e biodinâmica, produzindo vinhos de alta qualidade, além de respeitar nossos trabalhadores, e ao mesmo tempo gerar lucros, é a forma de demonstrar que é possível seguir o caminho da produção agrícola biológica em grande escala na indústria do vinho”, afirma Alejandro Smith, diretor de vendas da Emiliana.
Continua após a publicidade
PIONEIRA - Uvas produzidas no Chile pela Emiliana: maior vinhedo orgânicoEmiliana Organic Vineyards/Divulgação
A preocupação ambiental começa a ganhar força no Brasil, embora ainda de forma tímida. O melhor exemplo vem da Chandon. A marca do conglomerado de luxo LVMH produz espumantes premiados no sul do país e desde o fim do ano passado ostenta a certificação sustentável PIUP (Produção Integrada de Uva para Processamento) em seu vinhedo de Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul. O selo de qualidade obriga a regras rígidas para o uso de herbicidas e outros químicos. Não são vinhos orgânicos, a rigor, mas produzidos de modo menos agressivo com a natureza.
É ótimo caminho. Os produtores garantem — e enólogos confirmam — que o paladar é preservado. E mais: a agricultura sustentável pode enriquecer a percepção da fruta na hora da degustação. É um agradável incentivo, de mãos dadas com os humores da sociedade, hoje. A preservação do solo e a redução do uso de pesticidas são compulsórias — ainda que os preços, na ponta final, sejam mais elevados. “Quando começamos, disseram que era impossível. E agora, cá estamos”, diz Roquette, da Esporão. Um brinde aos vinhos bons e do bem.
Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847
Poucos vinhos portugueses têm a mesma fama – e a mesma importância – que o hoje mítico Barca Velha, da Casa Ferreirinha. Produzido originalmente em 1952, foi o primeiro tinto seco produzido no Douro, região conhecida pelo vinho do Porto, pelo então enólogo da vinícola, Fernando Nicolau de Almeida. Desde então, é lançado apenas em safras extraordinárias. Foram só 20 edições do Barca Velha, sendo que a mais recente saiu em 2011. Mas o que acontece com o vinho proveniente dos mesmos vinhedos que dão origem ao Barca Velha quando este não é produzido?
O rótulo seguinte na hierarquia da Casa Ferreirinha é o Reserva Especial, que passa pelo mesmo processo de elaboração que seu irmão mais famoso e cobiçado. Foram apenas 18 edições desde seu lançamento, e a mais recente delas, Reserva Especial 2014, chega agora ao mercado brasileiro. O vinho foi apresentado para jornalistas e especialistas na última semana, e deve chegar às lojas a partir de agosto, pela importadora Zahil, por cerca de R$ 4,5 mil (bem menos que os mais de R$ 7 mil cobrados pelo Barca Velha).
Ambos são feitos com um blend de touriga nacional e touriga francesa (ou franca), que compõem 80% do vinho. Os outros 20% são uma mistura de tinta roriz (ou aragonez, como é conhecida na Espanha) e tinto cão, variedades fundamentais da produção do Douro. Esse vinho passa, então, 12 meses em barricas de carvalho, sendo 75% novas e 25% usadas. Ao final do processo, a bebida é degustada pelo enólogo da Casa Ferreirinha, Luís Sottomayor, que lá trabalha desde 1989. Nesse momento, ele decide se vai engarrafá-lo, com o rótulo Quinta da Leda, ou se vai envelhecê-lo por mais seis meses.
O Reserva Especial 2014, que chega em breve ao mercado brasileiro –Zahil/Divulgação
Se for fazer mais um estágio em barricas, o vinho é considerado um Douro Especial, nome que Sottomayor usa para identificar a qualidade superior daquela safra. No fim dos seis meses, ele é provado e, então, cabe ao enólogo a decisão de dizer se aquele vinho será um Barca Velha ou um Reserva Especial. “São gêmeos, com personalidades apenas um pouco diferentes”, afirma Sottomayor. Mesmo assim, a decisão têm um impacto importante nos negócios da Sogrape, grupo responsável pela marca Casa Ferreirinha e por várias outras vinícolas. Escolher um ou outro significa ganhar (ou deixar de ganhar) até um milhão de euros.
No caso específico do Reserva Especial 2014, Sottomayor diz que a decisão foi baseada no perfil de taninos, mais suaves. Para o Barca Velha, eles tendem a ser mais pujantes. Ambos são vinhos de guarda, que chegarão ao auge de seu potencial daqui a duas décadas. Mas o enólogo conta que por conta da tecnologia e do connhecimento que têm hoje, os rótulos estão mais “prontos”, e podem ser degustados agora. “Antes, precisávamos fazer uma extração mais intensa das uvas, e de início o vinho seria muito agressivo. Hoje, não. Ele é intenso, mas tem harmonia e elegância que os torna mais suaves”, afirma.
A Casa Ferreirinha, no entanto, não produz apenas vinhos de altíssima gama. Seu portfólio é extenso e inclui boas opções para quem está começando a beber tintos do Douro ou vem se aprofundando nos rótulos da região. Desde rótulos mais simples, como o Esteva e o Papa Figos, vendidos na faixa entre R$ 100 e R$ 160, passando por outros, de maior complexidade, como o Vinha Grande (cerca de R$ 200) e o Callabriga (R$ 500), até o recente lançamento Castas Escondidas (R$ 1 mil), um blend de diversas variedades menos conhecidas, como Bastardo, Marufo, Tinta Francisca, Touriga-Fêmea e Tinta Amarela, usadas na elaboração de vinhos do Porto, há um pouco de tudo. E o objetivo de Sottomayor é trabalhar para que cada um deles cumpra sua função de acompanhar bem uma refeição. “O vinho, para mim, é como um ser humano, com sensações, com paixões. É preciso dar-lhe alma e vida para que ele mostre tudo isso quando chega à mesa”, conclui.
Uma saborosa e inusitada revolução cinzenta vem derrubando a ideia de que no mundo do vinho há pouco o que se inventar. Graças a uma técnica relativamente recente, alguns dos melhores rótulos internacionais são gestados hoje, literalmente, dentro de ovos de concreto, no lugar dos tradicionais barris de madeira. Nesses cilindros de cimento, alguns com cerca de 2 metros de altura e capacidade para cerca de 600 litros, o mosto (suco das uvas prensadas) fica em constante movimento, devido ao formato livre de quinas, além de o material permitir que haja micro-oxigenação. Os vinhos que passam pelo processo de fermentação nesses recipientes têm realçado o caráter das uvas. A técnica ainda potencializa uma maior percepção de aromas, de texturas e do terroir (o lugar de onde vêm as uvas). Em resumo, brotam desse sistema vinhos sem maquiagem.
A onda começou em 2001, quando o inquieto viticultor francês Michael Chapoutier, famoso pela maneira orgânica e biodinâmica de trabalhar, criou, em parceria com o designer Marc Nomblot, o primeiro ovo de concreto. Hoje, cada vez mais vinícolas em diferentes partes do mundo buscam esse recipiente tanto para brancos quanto para tintos. A técnica ajuda os produtos a se tornar mais refrescantes e a ter um caráter mais vibrante. Enquanto o envelhecimento em concreto ainda é pouco usual em Napa Valley, na Espanha tem crescido muito, o que remete à tradição ancestral do Velho Continente. “Talvez o fato de o vinho mais caro de Boudeaux, o Petrus, sempre ter sido fermentado em concreto tenha encorajado esse fenômeno”, disse a especialista britânica Jancis Robinson, uma das mais influentes críticas de vinhos da atualidade, em artigo para FT Magazine, a revista do Financial Times.
Poucas foram as cepas que ainda não experimentaram a passagem pelos ovos de concreto. Quem imaginaria que um 100% Malbec poderia ser fresco e tão alegre quanto o Electrico, da Vinã Los Chocos, de Mendoza? E que, depois de dez meses no concreto, seus 15% de álcool ficariam quase imperceptíveis na boca? O que sobra é um frescor imenso e muita fruta. Há também exemplares deliciosos com a uva branca Sémillion, Monastrel, Cinsault e Garnacha. No Brasil, a Vinícola Guaspari, de Espírito Santo do Pinhal, em São Paulo, usa ovos de concreto para vinificar Sauvignon Blanc. Há vinícolas que para afinar, principalmente tintos, ainda fazem passagem por barris grandes de carvalho, para evitar qualquer tostado ou amadeirado no sabor, e assim preservar a potência de sabor e vivacidade no vinho.
A era dos ovos de concreto acrescenta um novo capítulo à fascinante história da evolução dos recipientes que embalaram a produção vinícola ao longo dos tempos. No princípio era o barro. Os jarros e vasos desse material eram os recipientes usados desde os fenícios e gregos para guardar e transportar o vinho. Na Georgia, berço do vinho, ainda nos dias de hoje utiliza-se qvevri, uma ânfora de argila, na vinificação. Mas foi a vulnerabilidade desse material que fez com que os romanos desenvolvessem os barris de madeira, que os franceses tornaram famosos mundialmente. Hoje as principais e mais caras tanoarias são francesas. Ao mesmo tempo, os recipientes de concreto também estavam bastante presentes na Europa desde o século IX. Ano a ano foram sendo substituídos, pela praticidade e intensificação de regras de controle sanitário, por tanques de aço inoxidável.
Agora, numa grande reviravolta com sabor de volta ao passado, o sistema experimenta o renascimento com os ovos de concreto harmonizados às técnicas mais modernas de produção. Os amadeirados de plantão já estão alertas, pois essa é uma tendência que parece ter vindo para ficar.
No mundo do vinho, diz-se, como mantra, haver duas zonas ideais de luz, calor e água em proporções ideais para o cultivo das uvas: a faixa entre as latitudes de 30 e 50 graus, tanto no Hemisfério Norte quanto no Sul. França, Itália, Portugal e Espanha, países de produção celebrada, estão dentro da faixa norte, é evidente. Argentina, Chile, Nova Zelândia e Austrália são produtores de escol na franja austral. No Brasil, apenas o Rio Grande do Sul é contemplado por condições climáticas favoráveis, e é lá que são feitos os melhores espumantes nacionais, reconhecidos mundialmente. Nos últimos anos, contudo, um outro tipo de vinho brasileiro tem chamado a atenção de especialistas: são os rótulos da Serra da Mantiqueira, cadeia montanhosa localizada entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Brotam ali os chamados vinhos tranquilos, de escassas borbulhas, filhos da cultura no inverno.
Tranquilamente, eles crescem e aparecem. Na mais recente edição do Decanter World Wine Awards, celebrada premiação realizada há vinte anos no Reino Unido, o Brasil conquistou 105 medalhas, sendo 25 delas para os vinhos da Serra da Mantiqueira. Foram apenas duas premiações de ouro, uma delas para o tinto Piquant Soléil, de uva syrah, safra de 2022, da Vinícola Ferreira, instalada entre os municípios de Piranguçu, em Minas Gerais, e Campos do Jordão, em São Paulo. “Um prêmio desse é gratificante por mostrar que o trabalho de treze anos está indo pelo caminho certo”, diz Dormovil Ferreira, proprietário e fundador da vinícola. Empresário do ramo de computação eletrônica, Ferreira plantou as primeiras videiras da casta merlot em sua casa em 2010, e o bom resultado da primeira safra o motivou a expandir o vinhedo. Hoje, a capacidade é de quase 40 000 litros anuais e uma ampla variedade de outras uvas, como a sauvignon blanc, que já foi premiada em uma edição anterior do Decanter Awards.
O sucesso da Serra da Mantiqueira é um interessantíssimo prodígio. O lugar, sublinhe-se, tem um clima pouco indicado para o cultivo da Vitis vinifera, usada para a lida de vinhos finos. A altitude, a geografia acidentada e as chuvas potencializam as dificuldades. A viticultura só foi possível graças ao casamento da tecnologia com técnicas inovadoras, como a dupla poda, ou poda invertida. Explica-se: tradicionalmente, as videiras produzem frutos colhidos no verão, entre os meses de fevereiro e abril, o mais tardar. No caso dos vinhos de inverno, são feitas duas podas, uma em meados de agosto e outra em janeiro. É movimento que altera o ciclo da videira e concentra o desenvolvimento da planta na temporada invernal, período de maior amplitude térmica e menor índice de chuvas. O recurso foi desenvolvido no início dos anos 2000 pelo professor e produtor Murillo de Albuquerque Regina. Na época, ele trabalhava na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), depois de uma década de investigação. Portanto, todo o lote da Serra da Mantiqueira é recente.
Há, portanto, dada a juventude do processo, e os bons resultados, uma entusiasmada união entre os viticultores da região. “Nos juntamos para testar diferentes manejos, adubos e aminoácidos”, diz Mario Augusto Carbonari, responsável pela Vinícola Villa Santa Maria, também premiada com uma medalha de prata no Decanter Awards. “Cada um experimenta algo e compartilha o que funciona e, com isso, conseguimos absorver mais conhecimento em menos tempo.” Em 2016, foi criada a Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno (Anprovin), que organizou a produção local e vem promovendo a viticultura na Serra da Mantiqueira. “Sem falsa modéstia, digo que sempre acreditamos que seríamos premiados”, afirma Carbonari. “Mas a surpresa foi isso ter acontecido tão cedo.” É ineditismo emoldurado por esperança e alguma ansiedade pelo que virá em seguida. A expectativa, e não há como apartá-la: como o celebrado vinho jovem ainda evoluirá com o passar do tempo em barris e garrafas? Existe uma única firme certeza: o futuro é promissor.
Conforto para exportação
NOVIDADE - O Vik Chile, no vale chileno de Millahue: uma sucursal no Brasil em 2024Reprodução/Instagram
O grupo hoteleiro Vik Retreats, de origem uruguaia, é conhecido pelo portfólio enxuto, mas exclusivíssimo e elegante de hotéis espalhados pelo mundo. São três unidades no Uruguai, duas no Chile (uma delas uma vinícola de rótulos renomados) e uma em Milão, na Itália, com design assinado por arquitetos premiados. A proposta é unir natureza, ambientes repletos de obras de arte e experiências enogastronômicas. A Vik acaba de anunciar a chegada ao Brasil. O empreendimento subirá no interior de São Paulo, na cidade de Araçoiaba da Serra, a menos de duas horas da capital. A escolha foi feita com base na popularidade dos vinhos da marca por aqui e pelo interesse dos brasileiros pela instalação enoturística da Vik no Vale de Millahue, no Chile. Não à toa, o design da unidade brasileira será assinado pelo uruguaio Marcelo Daglio, responsável pela Vik Chile. A inauguração será em 2024.
Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846