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Calábria: tradição, autenticidade e modernidade no berço do vinho do Sul da Itália

A Calábria, situada na ponta da “bota” italiana, é uma região montanhosa e ensolarada, banhada pelos mares Tirreno e Jônico. Sua história remonta à Magna Grécia, quando colonos gregos, por volta do século VIII a.C., introduziram a viticultura na região, fazendo da Calábria um dos berços do vinho na Itália antiga.

O clima calabrês é mediterrâneo, com verões quentes e secos e invernos suaves. A brisa marinha ajuda a refrescar os vinhedos costeiros, enquanto áreas mais altas recebem maior amplitude térmica. Os solos variam entre argilo-calcários, arenosos e de origem vulcânica, o que dá boa diversidade aos vinhos.

A viticultura calabresa valoriza uvas autóctones, resistentes ao calor, muitas vezes cultivadas em vinhas tradicionais de baixa densidade. A vinificação mescla métodos modernos — como aço inox e controle de temperatura — com práticas tradicionais, em especial para vinhos de guarda. As principais uvas da Calábria são; (tintas): Gaglioppo (a mais emblemática, base do famoso Cirò DOC), Nerello Cappuccio, Magliocco, Greco Nero; (brancas): Greco Bianco, Montonico, Pecorello, Mantonico Bianco.

Os tintos da Calábria são estruturados, de taninos presentes e aromas de frutas vermelhas maduras, especiarias e notas terrosas. O Cirò Rosso, feito com Gaglioppo, é o mais célebre, considerado o “Barolo do Sul”. Já os brancos são rromáticos, frescos e minerais, com notas cítricas, florais e por vezes salinas, reflexo da proximidade do mar. Os rosés são leves, frutados e secos, feitos sobretudo de Gaglioppo, ótimos para o clima mediterrâneo e a culinária local.

Poucas regiões no mundo guardam tanta identidade gastronômica com os vinhos da região. A cozinha calabresa é rústica, intensa e marcada pelo uso generoso de pimentas e conservas. Pratos fortes se apresentam, como o cabrito e cordeiro assados, massas com molhos picantes, sardinhas e anchovas. Um símbolo é a ’Nduja, embutido cremoso e picante à base de carne de porco e pimenta, usado em pães, massas e pizzas. Dos doces destaco o  Mostaccioli (biscoitos de mel), Torrone di Bagnara (nougat de amêndoas e mel) e sobremesas à base de figo seco e licores de bergamota.

Agora merece uma nota a parte a famosa “Linguiça Calabresa”. A chamada linguiça calabresa brasileira não existe na Calábria. Trata-se de uma adaptação criada por imigrantes italianos no Brasil, inspirada em embutidos do sul da Itália. A versão brasileira ganhou características próprias: carne de porco moída, gordura e bastante pimenta. Na Calábria, o embutido mais próximo seria a ’Nduja, mas sua textura é pastosa e muito mais picante. Portanto, a “linguiça calabresa” é, na verdade, uma criação brasileira com nome inspirado na região. Pessoalmente eu prefiro a nossa “Calabresa” à ’Nduja…

Voltando aos vinhos, nos últimos anos, a Calábria vem ganhando destaque internacional com vinhos que unem tradição e modernidade. Entre os produtores mais reconhecidos estão:

  •       Librandi (Cirò) – o nome mais icônico da região, símbolo da valorização da uva Gaglioppo.
  •       Ippolito 1845 (Cirò) – histórica, fundada no século XIX, referência em tintos estruturados.
  •       Statti (Lamezia) – aposta em vinhos modernos e elegantes.
  •       Ceraudo (Strongoli) – biodinâmica, conhecida pela qualidade e autenticidade.
  •       Odoardi (Vibo Valentia) – vinhos potentes, com cortes de uvas autóctones.

No mercado interno italiano, os vinhos calabreses ainda são consumidos majoritariamente de forma regional, mas o interesse externo tem crescido, sobretudo nos Estados Unidos, Alemanha e mercados emergentes da Ásia, que buscam rótulos autênticos e de boa relação qualidade-preço. A tendência global de valorização de vinhos de identidade territorial abre caminho para que a Calábria amplie sua presença, consolidando-se não apenas como produtora de vinhos tradicionais, mas também como referência em vinhos modernos, sustentáveis e de nicho. Aqui no Brasil não é difícil encontrarmos vinhos da Calábria, especialmente de Cirò.  As perspectivas apontam para um crescimento gradual, apoiado tanto no enoturismo quanto na busca dos consumidores por autenticidade e novas experiências enogastronômicas. Salut!

Fonte:

vinho – Jovem Pan