No mundo do vinho, alguns países são associados à produção de algumas uvas. No Chile, os principais rótulos são feitos com Cabernet Sauvignon, muitos deles à exemplo dos grandes vinhos de Bordeaux, na França. Há também uma importante produção de Carmenère, uva muito querida pelos consumidores brasileiros. Mas há muito mais, é claro. Prova disso é Pangea, da vinícola Ventisquero, feito exclusivamente com a também francesa Syrah, que acaba de completar 20 anos da primeira safra lançada.
Em visita ao Brasil, o enólogo-chefe da Ventisquero, Felipe Tosso, conta que Pangea nasceu da vontade do fundador, Gonzalo Vial Vial (1930-2024), ou Don Gonza, como era chamado, de explorar regiões e vinhedos fora do óbvio. Com a consultoria de Aurélio Montes, da Viña Montes, comprou propriedades em Apalta, de onde vem o Pangea. Hoje, produz em outras regiões extremas, como o Atacama.
Parte do apelo de Pangea vem da região. Apalta fica no Vale de Colchagua, banhada pelo rio Tinguiririca, perto da Cordilheira dos Andes. É um local de vinhedos muito antigos, alguns plantados em 1865. As vinhas usadas no rótulo da Ventisquero, no entanto, são bem mais recentes, de 1999. Para elaborar o vinho, Tosso contou com a ajuda do enólogo australiano John Duval, especialista na uva Syrah – ou Shiraz, como é chamada por lá – que trabalhou durante anos com o ícone Penfolds e hoje tem um projeto pessoal. “Os primeiros anos foram difíceis. A colheita, a poda… Não tínhamos tanto conhecimento como temos agora”, diz Tosso. Os 10 hectares de vinhedos estão localizados a 1.300 metros de altitude, o que dificulta o trabalho.
A primeira safra foi em 2004. A produção foi pequena, de apenas oito mil garrafas, que chegaram ao mercado em 2006. Hoje, restam poucos exemplares, guardados pela família. Mas há mais exemplares da 2005, a primeira que Duval queria lançar oficialmente por considerar que estava mais “pronta”. Degustado hoje, o vinho mostra sinais de evolução, com notas de couro, mas ainda está muito vivo, com muita fruta, boa acidez e uma textura muito elegante.
Nos primeiros 15 anos, o método de produção não sofreu grandes mudanças. No início, usavam barricas de carvalho francês novas, e o vinho passava até 22 meses nelas, além de outros 12 meses em garrafa. “Naquela época também chovia mais, e as parreiras eram mais jovens”, diz Tosso. Com o tempo, o vinho passou por algumas mudanças no processo de vinificação, com a adoção de técnicas mais modernas. Hoje, passa por barricas maiores, os chamados foudres. “É impossível não mudar”, afirma Tosso. “Mas há um caráter linear em Pangea”.
Com o tempo, Tosso e seu time também passaram a conhecer mais o próprio vinhedo. O especialista chileno em terroir Pedro Parra foi chamado para analisar o solo. E descobriu-se que há três extratos diferentes. Um deles, de granito com argila avermelhada, nem sempre é ideal para a produção de Pangea, mas nos anos mais secos fornece mais água. Outro extrato é composto por depósitos minerais como quarto e ferro típico dos solos de Apalta. “É um solo pobre, com muita pedra”. E outro, mais “normal”, com argila e granito. Em 2018, a região passou a contar com uma D.O. (Denominação de Origem). Mas Tosso conta que as safras são muito diferentes. “Em anos quentes, a colheita pode acontecer até um mês antes, para garantir o frescor”, diz.
A degustação de safras distintas, como 2008, em que a produção foi um pouco mais baixa e a Syrah ficou mais concentrada, ou 2011, um ano frio em que o frescor é perceptível no vinho, deixa claro o potencial da casta na região. “Há muitos rótulos feitos com Cabernet Sauvignon porque se trata de um porto seguro”, afirma Tosso. “A Syrah me encanta porque tem muita fruta, taninos mais finos e uma acidez menos marcada”, diz. A Ventisquero é a principal produtora de Syrah na região, mas outros viticultores também decidiram seguir o exemplo e apostar além do onipresente Cabernet Sauvignon.
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