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Álcool que te quero doce: a era dos licores voltou com força máxima

Se afirmassem para um profissional de bar, há poucos anos atrás, que um drinque de dois ingredientes, a base de café e Licor 43, seria responsável por uma febre desenfreada de consumo em bares pelo Brasil, provavelmente a reação do bartender seria uma bela gargalhada. Não desmerecendo a mistura, porém, entre a febre do Aperol Spritz e Gin Tônica que já tomam conta dos bares há alguns anos, seria uma aposta pouco provável, como aquelas casas de jogos de azar, onde de vez em quando algo improvável “quebra a banca“, na gíria dos apostadores.

Pois bem, o mercado de bebidas destiladas surfou um 2022/23 com muita instabilidade. Olhando para os gráficos e análises de venda/faturamento, categorias como gin perderam seu protagonismo. Porém, os números das bebidas licorosas são impressionantes.

A marca espanhola Licor 43 (na mistura 43 ingredientes secretos) é o grande fenômeno de consumo e de faturamento. Sozinha, puxou uma fila de produtos e marcas e posicionou o produto, em 2022, como a maior fatia de vendas/consumo/faturamento. Foi a única marca do mundo que alavancou mais de vinte milhões de dólares de faturamento para um único produto, dentro da categoria. Mas o que aconteceu? Como, quando, e, principalmente, por que uma mistura de café expresso e licor à base de baunilha e tantos outros ingredientes passou a ser um fenômeno?

Para explicar esse mistério, nem mesmo os profissionais que trabalham com a marca espanhola têm uma informação oficial. As origens da mistura remetem aos domínios espanhóis no Caribe, quando os soldados ganhavam “doses de coragem”  para enfrentar as batalhas contra os piratas. Uma mistura à base de rum misturada com café. Como licor 43 é um produto fabricado somente em Cartagena, na Colômbia, a substituição do rum pelo licor foi uma ocorrência típica de quem procurava algo mais doce e palatável para consumo. Não se sabe ao certo como essa mistura invadiu os bares pelo globo, mas desde 2021 é o maior fenômeno de consumo que ressuscitou uma categoria até então adormecida. O nome deste drinque: Carajillo.

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Fenômeno baladeiro

Quando falamos em licores tradicionais, “old school”, temos que enaltecer o licor de laranja francês mais famoso do mundo: Cointreau. Feito há mais de cem anos no mesmo lugar e sempre presente na coquetelaria, ou como um refrescante digestivo. Muitos são os drinques clássicos que carregam Cointreau na mistura. Dos tradicionais mais usados na coquetelaria, a marca francesa é a mais adorada. Algumas marcas brasileiras começam a assanhar uma concorrência ao famoso licor francês. Marcas como San Basile e a até então desconhecida Schluck licores já produzem licores finos, principalmente de laranja, para entrar de vez no mercado nacional. São produtos de qualidade, com preço inferior aos importados, porém ainda com pouca força de marca. O futuro, aos bartenders pertence.

Mas neste primeiro semestre de 2024, duas marcas roubaram a cena etílica de consumo de bebidas adocicadas, de sabores excêntricos, com menor concentração alcoólica e muita cremosidade. O que ambas as marcas têm em comum: são pertencentes a empreendedores e entusiastas, sem aporte de empresas multibilionárias e um acerto perfeito: caiu no gosto da juventude.

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Nosso primeiro fenômeno nasceu na Bahia em 2018 e atende pelo nome carinho de Don Luíz. A ideia inicial foi muito simples: levar álcool para o mais tradicional doce da culinária brasileira: doce de leite. Muitas tentativas depois, nasce o licor de doce de leite Don Luíz, o primeiro a engarrafar essa mistura que hoje é um fenômeno de vendas em baladas, boates, clubs. Puro com ou sem gelo, no shot ou na sobremesa, não importa: é gostoso demais. Surfando essa mesma onda do sabor doce de leite, temos o licor Bardêra. Marca que tem outros produtos no portifólio, como vermutes branco e tinto, excelentes para misturar.

O carnaval deste ano foi a rendição para outra marca jovem de empreendedores. Não teve bloco de carnaval ou camarote na Sapucaí que não oferecia shots de tequila com morango. Estou falando da garrafa rosa mais famosa da atualidade. Ballena. Todo mundo que prova não se contem e descreve a sensação de estar bebendo Danoninho com tequila, embora eu particularmente ache um exagero. A marca não tem tradição em produção de bebidas, mas está causando um frisson na garotada. Pra não deixar de comentar, esse ritual de shot de bebidas adocicadas tem um pai: Fireball. Licor de uísque com canela que detém o pioneirismo de shots gelados para celebrar, abrir ou fechar um encontro.

Novos sabores, novas tendencias

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Os brasileiros estão, aos poucos, se rendendo aos produtos etílicos made in Brazil. Isso é fantástico. Temos uma cultura etílica importada e nossa coquetelaria tem essa influência desde o início dos anos 90. Tudo que era bom era importado. De certa maneira, isso ocorreu pelo fato de que os poucos produtos necessários para abastecer um bar de drinques não tinham fabricação no Brasil (gin, licores, vermutes, etc) e os que existiam não tinham conhecimento do público ou, na maioria dos casos, eram de baixa qualidade.

Mas as coisas mudaram. Novos investimentos, novas tecnologias e empreendedores corajosos e audaciosos ousam, a cada dia, enfrentar as multinacionais e, com produtos de qualidade e diferentes tendências de consumo, hoje chegam aos bares e à mesa do consumidor. Caso de marcas como a também baiana Royal Charlotte. Ainda desconhecida do público do Sudeste, a marca já ganhou medalha de ouro no aclamado World Drink Awards, na Inglaterra. Seu sabor é único: trata-se de uma fórmula exclusiva do mel de cacau, iguaria ainda um segredo para muitos. Suas especiarias secretas são cuidadosamente infundidas por sessenta dias, criando uma harmonia perfeita com o mel de cacau. Em breve teremos esse produto diferenciado por aqui. Eu provei e achei algo extremamente diferente de tudo que já havia degustado. É uma experiencia única.

Outra marca que se destaca lentamente é o Kabralab. Dos mesmos produtores da cachaça Quero-Chuva, este licor de café vem em uma garrafa digna dos melhores perfumes franceses. Uma mistura de extrema sabedoria, com diferentes aromas e uma cremosidade excelente. Sua única barreira é o preço. Ainda não estamos preparados para produtos nacionais mais caros que os importados. Quando isso acontece, é comum as marcas importadas famosas serem a escolha natural do consumidor. Não se trata de qualidade, e sim de percepção de status.

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Chegou chegando

Em quase todo grande concurso internacional de bebidas, tem um ou mais brasileiros nas cabeças. Não importa a competição. Seja de destilados, café, vinhos, vermutes ou até mesmo de azeite, é notório que o país reúne o que há de melhor em uma boa mesa. Agora, o Brasil tem também o melhor vermute dry e o melhor licor de avelã do mundo, eleitos pelo respeitado World Drink Awards. O resultado saiu na última semana. A marca Schluck está chegando aos poucos aqui no Sudeste brasileiro e promete chegar chegando. Eu já provei o licor de avelã e o que mais me chamou a atenção, além do sabor, foi sua cremosidade. Dá pra passar no pão.

O vermute seco, também da Schluck Licores, ganhou na categoria dry e surpreendeu a avaliação do concurso pelo amargor equilibrado pela doçura, com alta acidez. “Grandes aromas de frutas tropicais com baunilha e notas cítricas. Conduzem a um corpo suculento com leves notas de pimenta. É moroso com limão brilhante e frutas de pomar antes de desenvolver um final limpo e fresco de maçã e ameixa. Final amargo”, diz a análise feita pelos jurados da competição inglesa.

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O licor de avelã eleito o melhor do mundo também é da Schluck. Trata-se do Haselnuss Likör, lançado no ano passado. No total, a marca catarinense arrematou 21 prêmios em 14 produtos. O vermute seco é um dos mais novos lançamentos da empresa. Ele chegou ao mercado em 2023, em uma linha que marca sua estreia no mercado de vermutes e bitters.

Uma coisa é certa: estamos trabalhando as marcas brasileiras de todos os rincões nacionais como nunca antes. Tem espaço para todos. Sabores, aromas e especiarias brasileiras são o futuro, opa, o presente. A cachaça foi nosso pai, o gim nacional nossa mãe. E desta união começam a nascer os nossos filhos, doces, cremosos, apetitosos e de sabores regionais, assim como a feijoada, o baião de dois, o churrasco, a moqueca e o torresmo. Enfim, o Brasil.

Cheers

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Fonte:

Comer & Beber – VEJA RIO