Foi uma semana intensa para o setor de vinhos. Durante os dias 1 e 3 de outubro fomos abduzidos para os pavilhões do Expo Center Norte, onde 15 000 visitantes circularam para conhecer 1402 marcas, provenientes de 34 países. A ProWine, versão brasileira da feira de origem alemã, consolidou-se como a maior das Américas. O crescimento brutal do evento demostra certamente um maior interesse dos brasileiros por vinhos e a clara percepção internacional a respeito da importância do nosso mercado.
Nos corredores foi possível notar que os brancos ganharam um bom espaço, inclusive tomando uma pequena fatia dos tintos, não se sabe se pelas ondas de calor ou pelo amadurecimento dos bebedores. Em termos mais gerais, os vinhos na faixa de 300 reais encontram-se hoje no topo das preferências dos consumidores, que descobrem cada vez mais que é possível encontrar ótimos produtos por esse valor.
A criatividade dos produtores deu lugar há algumas formulações diferentonas, a exemplo dos vinhos fermentados em barricas de uísque. Na onda do K-Pop, a ProWine abriu espaço para estandes de Soju, popular destilado coreano feito à base de maçã (eu experimentei e meu conselho é o seguinte: beba com moderação, pois o negócio é forte).
Curiosidades à parte, uma das coisas que mais chamaram atenção no evento foi o lançamento mundial de uma nova safra Pêra Manca, vinho português super premium que tem no Brasil um dos seus principais mercados. O evento marcou também a consolidação do Brasil como produtor de grandes vinhos, de terroirs surpreendentes como o da Chapada Diamantina, na Bahia.
Abaixo, uma seleção da AL VINO com dez novidades apresentadas na ProWine 2024 que, em breve, estarão disponíveis no nosso mercado:
1. Colheita de 4 estações
Uma edição de 1270 garrafas Magnum (1,5l), imponentes e numeradas, foi a surpresa que trouxeram à feira as sócias Andreia Gentilini e Juciane Casagrande Doro com seu Amitié Colheitas – Gran Corte de 4 Estações. Da colheita de verão da Campanha Gaúcha e da Serra Gaúcha vieram o Tannat e o Cabernet Franc, a colheita de outono no Planalto Catarinense trouxe Merlot, Malbec, Cabernet Sauvignon e Montepulciano ao blend. Para dar fruta e corpo, a uva Syrah colhida no inverno da Serra da Mantiqueira e, por fim, com a colheita de primavera do Vale do São Francisco (PE) o Tempranillo rosé. Para afinar todo esse blend, o rótulo passa seis meses por barricas de segundo uso e o resultado é um vinho extremamente elegante, de corpo médio e que merece ser conhecido. R$ 320
2. Velho mundo com atitude de novo
É assim que o grande produtor de Languedoc-Roussillon define seu Arrogant Frog Orange, um laranja orgânico feito com as uvas Grenache Blanc, Macabeo e Grenache Gris, embalado numa garrafa com um rótulo irreverente. Esse tipo de vinificação de uvas brancas que permanecem em contato com as cascas para ganhar cor e complexidade é muito antiga, mas tem ganhado novos apreciadores. Eu costumo entender os laranjas como tintos leves na hora de harmonizar, mas este me surpreendeu pelo frescor e acidez que permite ser tomado na piscina. R$ 160
3. Sidra brasileira com estilo francês
Esqueça aquele líquido super comercial da garrafa verde. Este fermentado de maçã muito consumido em países como França, Espanha, Suíça e Áustria ganhou um representante à altura aqui no Brasil, a Sidre, Sidra Dry Natural (RAR). Feita em Vacaria, no Rio Grande do Sul, pelo terceiro maior produtor de maçã brasileira e segundo maior exportador da fruta, a sidra RAR teve os dedos mágicos do mago das leveduras, o enólogo uruguaio Alejandro Cardozo, que presta consultoria para boa parte dos vencedores do Guia dos Descochardos. Ela é leve, fresca, zero açúcar, apenas 6% de álcool, uma delícia para iniciar um jantar, para receber amigos, para piscina… O valor dela é R9.
4. Espumante à moda do chef
O Erick Jacquin Brut – Casa Perini (Brasil) é um espumante 100% Chardonnay, produzido pela tradicional casa de Farroupilha (RS). Ele passa por 4 meses em contato com as borras após a segunda fermentação, o que faz dele um espumante do estilo Charmat longo. O chef participou ativamente da elaboração do produto, fazendo provas e sugerindo alterações que garantiram o sotaque francês ao espumante. É cremoso, gastronômico e bastante fresco. R$ 99
5. Dez anos de cave antes da comercialização
Durante a ProWine, o único Master of Wine que fala português no mundo, Dirceu Viana, fez uma seleção de vinhos que demostrassem as diferenças de produção das regiões de Portugal. Impossível passar pelo Raríssimo Baga Tinto 2011 – Casa dos Amados (Portugal) e fingir naturalidade. Confesso que me levantei e aplaudi o enólogo Osvaldo Amado, que estava na sala. Um dos portugueses mais premiados em concursos internacionais, Amado atualmente dedica-se à criação apenas de seus vinhos. Raríssimo tem apenas um ou duas produções por década, a produção depende da qualidade da safra. É um 100% Baga, que passa 24 meses por barricas de carvalho de segundo uso e espera DEZ ANOS (!!!) na cave antes de ser comercializado. Tem um tanino que lembra Nebbiolo, mas muita cor e um absurdo sabor de fruta. O valor acompanha a preciosidade, R$ 1700, mas se eu fosse consumidor de grandes ícones de renome mundial, eu correria para garantir uma caixa dele para a minha adega.
6. Perrum, Rabo de Ovelha e Manteúda
Já ouviu falar nas uvas acima? Pois são espécies muito antigas da região do Alentejo que compões o blend de Fresh From Amphora 2022 – Herdade Rocim (Portugal). Fermentado em talhas, aqueles vasos de barro, passaram a ser engarrafados para venda apenas em 2010. Antes disso, as famílias da região iam com seus vasilhames buscar o vinho para o consumo próprio. Hoje há até o Ânfora Wine Day, em 16 de novembro, dia em que as talhas são abertas para o envase dos vinhos. Boa parte da produção é comprada por mercados como Nova York e Califórnia. Mas, para nossa sorte, o litrão (sim, a garrafa tem 1 litro) desse branco extremamente fresco e perfumado chegou ao mercado brasileiro por R$ 298.
7. Beaujolais branco?
Existe e é bastante raro, pois 99% de toda produção de Beaujolais é direcionada para o famoso tinto feito com a uva Gamay. Apenas 1% é destinado ao Chardonnay. O resultado é um branco cremoso e mineral, com ótima acidez e zero passagem por madeira. Eu poderia tomar sempre nos brunchs de domingo, se fosse nascida na França e morasse em um castelo. O Chateau de Chatelard – Beaujolais Blanc – Cuvée Secrete de Chardonnay (França), custa R$ 220.
8. Vinha à beira mar
A região de Lisboa ganhou um lugar de destaque este ano na feira, com seus vinhedos que recebem a brisa do Atlântico e prometem mais frescor, leveza e mineralidade aos vinhos. Um rosé que me chamou atenção foi 3.000 Rosas, Casal Sta Maria (R0), das uvas Pinot Noir, Touriga Nacional e Syrah o vinho passa seis meses por barricas de segundo uso, além do processo de bâttonage, no qual o mosto em contato com as cascas é revirado na barrica com um bastão. Tem corpo, mas tem frescor. No final, um tiquinho de sal. O enólogo Jorge Rosa Santos estava em outro setor da feira com um alentajano digno de nota, o Implicit. Em sua matemática, há na composição ¼ de Alicante Bouchet, 1/5 de Touriga Naciona, 1/3 de Aragonez e 1/6 de Trincadeira, além de 1/20 de prensas. Só provando para desvendar essa equação.
9. Herança dos monges de Compostela na Serra da Estrela
Jaen, da Casa Américo (Portugal), é produzido com esta cepa que chegou ao norte de Portugal trazida pelos monges de Compostela, na Espanha, onde ela recebe o nome de Mecia. Por um tempo, a uva foi ignorada e até arrancada, mas tem reconquistado seu espaço pelo tinto delicado, com taninos muito redondos e ótima acidez. Para que seja percebido todo seu esplendor (e que nenhum monge revire na tumba), zero passagem por madeira. R$ 210
10. Irreverência etílica
Vem do Tejo, de uma turma de jovens na casa dos 30, o vinho que teve um dos estandes mais movimentados: o Que se Foda, originado de um blend de Merlot, Shiraz e Petir Verdot, que tem sido feita a versão “Herbert Richers”, como eles dizem, aqui em Flores da Cunha (RS), pela vinícola Luiz Argenta. Custa R$ 153 e achei difícil degusta-lo na feira, porque tem bastante corpo e precisava ser decantado. Já o clarete, um vinho com a personalidade do rosé um pouco mais potente, chamado Cadelão, tem ótima fruta, frescor e acidez capaz de deixar a garrafa pequena. Custa R$ 189. O termo “Apanhei uma Cadela” ou Cadelão, dois rótulos da casa, quer dizer ressaca, em bom português de Portugal.
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