Localizado ao sul da cidade de Mendoza, o Vale de Uco chama atenção tanto pela paisagem dramática à beira dos Andes como pela qualidade dos vinhos “de terroir” e pela estrutura crescente de vinícolas, restaurantes e hotéis voltados para um público de alto poder aquisitivo. Está lá, por exemplo, a Finca Piedra Infinita, vinícola de arquitetura arrojada onde a terceira geração da tradicional Zuccardi procura desenvolver vinhos de caráter único.
E ela não está sozinha: o vinho argentino passa por um movimento de renovação, com produtores fazendo uma bebida que foge de estilos padronizados e experimentando processos para expressar ao máximo cada microrregião de plantio. Uma nova gastronomia se combina a essa tendência, com chefs preparando pratos criativos que valorizam ingredientes e a identidade locais.
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“O desenvolvimento do enoturismo no Vale de Uco tem sido muito rápido. Ele se posicionou como um grande destino enoturístico de luxo”, diz Julia Zuccardi, responsável pela hospitalidade da Zuccardi Valle de Uco. “Abriram muitas vinícolas, hotéis e projetos turísticos que tornam a zona muito atrativa. E ter a montanha tão perto, com uma paisagem tão linda, faz dele um lugar único. Chega gente de todas as partes do mundo para conhecê-lo.” Segundo Julia, os brasileiros, que já foram quase 50% dos visitantes da vinícola antes da pandemia, agora estão retornando, com voos diretos diários de São Paulo a Mendoza.
Construída entre 2013 e 2016, a Piedra Infinita foi eleita em 2021 e em dois anos anteriores a melhor vinícola do mundo pelo prêmio World’s Best Vineyards, que analisa quesitos como infraestrutura, atendimento turístico e, é claro, os vinhos (recentemente, o rótulo Piedra Infinita Gravascal 2018, à venda por R$ 3.671 na Grand Cru, recebeu 100 pontos do crítico Robert Parker).
Mas a história dos Zuccardi com a vitivinicultura é bem anterior. É Julia quem conta: “Meu avô e minha avó começam com um vinhedo em Maipú (outra região da província de Mendoza) e nos anos 1960 constroem a vinícola que hoje é a Santa Julia. Até dois anos atrás eram três gerações juntas, porque minha avó trabalhou até o último momento, aos 94 anos. Hoje somos meu pai e três irmãos.”
A escolha de Paraje Altamira, no Vale de Uco, para erguer uma nova vinícola veio depois de anos de investigação dos melhores terrenos para a produção. “Descobrimos que ali havia um grande potencial para a vitivinicultura, para vinhos de montanha, com muita personalidade”, diz Julia. “Hoje em dia o Vale de Uco é o lugar por excelência para cultivar vinhedos em Mendoza.”
Visitar a Piedra Infinita funciona como uma aula – regada a vinho – sobre a revolução por que passam a produção vinícola e o enoturismo na região. A vinícola está instalada em um edifício de ares futuristas fincado à beira da cordilheira. E tudo ali gira em torno das montanhas: das grandes janelas do restaurante às paredes de concreto e pedra em que se lê o poema Piedra Infinita do poeta mendocino Jorge Enrique Ramponi (“Pedra é pedra: liga de solidão, espaço e tempo, já grandeza, esquecimento imemorial.”).
Do lado de fora, numa área de 200 hectares, os vinhedos estão distribuídos de acordo com um mapeamento minucioso do solo que revelou microrregiões formadas pela descida de água com minerais dos Andes. A classificação levou a adaptações nas práticas de cultivo: da seleção de uvas à irrigação, passando pela escolha do melhor momento para a colheita. Essa variedade é valorizada na vinificação, como mostra um tour pela área de produção.
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Ali, se percebe que a bebida descansa em tanques de concreto; há uso mínimo de madeira, para evitar que passe um sabor acentuado para o líquido. Trabalha-se com uma política de intervenção mínima, evitando “maquiagens” como o gosto de carvalho, para assim revelar a identidade (ou as múltiplas identidades) do vinho. Ou, nas palavras do enólogo Sebastián Zuccardi – irmão de Julia à frente da produção agrícola e enológica da vinícola –, “não buscar vinhos perfeitos, e sim aqueles que expressam o lugar”.
No restaurante da Piedra Infinita, várias opções de harmonização com um menu de quatro etapas permitem provar no copo essa diversidade. Ao mesmo tempo, se degustam outros produtos regionais em pratos como marmelo com pistache, creme de queijo de cabra e cogumelo, cabrito com funcho e mel ou sorvete amendoado com tomilho selvagem e molho de pêra e especiarias ao malbec.
Sim, o malbec continua a ser o vinho argentino por excelência. E Mendoza, a capital mundial do malbec. Mas há mais variedades de uvas para explorar, além de diferentes formas de fazer malbec. Na vinícola SuperUco, de apenas dois hectares, ele pode ser feito a partir de uvas cultivadas mediante práticas orgânicas e biodinâmicas, fermentado em ovos de cimento, com leveduras nativas, e então descansar em carvalho francês usado (que passa menos sabor de madeira para a bebida).
“O posicionamento do malbec foi definitivo, agregando também grandes expoentes do tinto como o cabernet franc”, diz Leonardo Bonetto Michelini, responsável pelas exportações e pela comunicação da SuperUco. “E os vinhos brancos estão no auge na Argentina, depois de muitos anos de foco nos tintos.”
Também está em alta, segundo ele, o enoturismo. “Há não mais de dez anos, a atividade turística era acessória para pequenas e grandes vinícolas, mas hoje se tornou um pilar econômico”, diz Leonardo. “A Argentina (especialmente Mendoza, e dentro de Mendoza o Vale de Uco) tem se consolidado fortemente entre visitantes locais, brasileiros e americanos, principalmente.”
Inaugurada em 2011, a 1.150 metros de altitude, a SuperUco pode ser diminuta no terreno, mas vêm se destacando por seus rótulos de edição limitada e por seus experimentos em diversas áreas: na condução das videiras, na forma de vinificar, na construção da vinícola (um prédio octogonal cercado por um vinhedo circular). Recebe turistas para degustações e para a colheita e, na temporada de primavera-verão, abre um restaurante.
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Nem só de comer e beber se faz o enoturismo. A Casa de Uco, hotel e vinícola localizada em Los Chacayes, oferece de passeios de bicicleta e cavalgadas noturnas nos vinhedos a trekking e amanhecer nos Andes. Mas também dá para fazer um típico “asado” argentino entre as videiras, montar um piquenique em uma reserva ecológica e fazer degustações no restaurante ou ao ar livre.
Outro que oferece programas variadas é o The Vines Resort & Spa. Mas, segundo Josefina Rivas, gerente de vendas do hotel, os brasileiros geralmente se concentram nos vinhos. “O perfil de nossos visitantes do Brasil está composto em sua maioria por casais e amantes do vinho, do luxo e da boa gastronomia”, diz ela. “Ainda que Mendoza e sobretudo o Vale de Uco ofereçam diversas atividades de aventura outdoor, o brasileiro costuma escolher as visitas a vinícolas.”
O The Vines Resort & Spa está localizado dentro do The Vines of Mendoza, uma espécie de condomínio para produtores de vinho. No resort, os hóspedes de 21 villas de 92 a 250 m² podem escolher entre relaxar em jacuzzis, beber junto a lareiras em terraços com vista panorâmica para os Andes ou ainda se envolver nas atividades ligadas aos 600 hectares de vinhedos privados que rodeiam o hotel.
Há desde cavalgadas e passeios de bike até degustações, criação de blends com uma equipe enológica e “sunset” ao ar livre regado a vinhos (como o oferecido pela Gimenez Riili, uma das vinícolas instaladas na área). Ficou com vontade de se tornar um dos cerca de 250 donos de vinhedos do The Vines e fazer seu próprio vinho? Existe essa possibilidade.
Outra possibilidade é ter aulas de cozinha no Siete Fuegos, restaurante de Francis Mallmann, chef argentino conhecido internacionalmente por seus pratos que valorizam produtos regionais – incluindo a carne vermelha – e os preparos com fogo. Quer só almoçar mesmo? Também é possível. Sem esquecer o vinho, é claro.
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Reportagem publicada na edição 98, lançada em junho de 2022.
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