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Vale a pena participar do Jantar com Desconhecidos? VEJA Rio testou!

Você se inscreveria para participar de um jantar com outros cinco desconhecidos, em plena quarta-feira, em um restaurante “misterioso”? À primeira vista, a ideia pode parecer arriscada e, para os muito introvertidos, uma possibilidade que despertaria palpitações de nervosismo. No entanto, essa é a exata proposta de uma iniciativa que já faz sucesso na Europa e acaba de chegar ao Rio de Janeiro.

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A Timeleft, que se espalhou por países como Portugal, França, Reino Unido, Bélgica, Suíça, Irlanda e Espanha, chegou ao Brasil no fim de fevereiro e já realiza jantares com desconhecidos em São Paulo, Campinas (SP), Belo Horizonte (MG) e Porto Alegre (RS), além da capital fluminense, com a proposta de gerar novas conexões entre as pessoas e diminuir a solidão de quem vive nas cidades.

A iniciativa tem chamado atenção de quem gostaria de conhecer novas pessoas longe das telas e das redes sociais – mas também com o apoio da tecnologia. Afinal, as pessoas que se inscrevem para participar dos jantares são combinadas por meio do algoritmo da plataforma, que aproxima os perfis de pessoas que poderiam dar um “match”. Tudo começa com o cadastro no site da Timeleft, onde o interessado deve responder a um questionário com perguntas sobre seus gostos e informações pessoais, como idade, idiomas falados, religião e preferências alimentares.

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É possível também indicar a preferência da faixa de preço do restaurante escolhido, uma vez que essa decisão também fica à cargo da plataforma (e você entenderá a importância desse tópico mais adiante neste depoimento). Depois, basta comprar o ingresso para o evento, por R$ 39,00, ou pagar a assinatura do projeto de um mês (R$ 59,90), três meses (R$ 39,66) ou seis meses (R$ 33,16).

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Mas será que vale a pena investir tempo e dinheiro para viver essa nova experiência? Essa pergunta me motivou a fazer a inscrição e observar o passo a passo dessa proposta, seus erros e acertos.

A ansiedade do “pré”

O frio na barriga já começa a ser sentido no período pré-jantar. Afinal, a plataforma revela as características dos participantes da mesa – que geralmente conta com seis ou sete pessoas, ao todo -, somente na noite da terça-feira anterior ao evento. O aplicativo mostra informações como a área profissional dos integrantes, os signos, as nacionalidades e o principal idioma falado. Todo esse mistério atiça a curiosidade para outros quesitos – eu, por exemplo, fiquei imaginando quais seriam as faixas etárias do nosso grupo.

A ansiedade fica ainda mais intensa para descobrir o restaurante escolhido pela plataforma: a revelação só vem na manhã de quarta, dando um curto período para planejar detalhes como o deslocamento até o local, a roupa mais indicada para usar no jantar, entre outros.

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Para mim, a resposta me deu um alívio imediato. Meu jantar foi marcado no Teva Deli, em Copacabana, na Zona Sul, um misto de cafeteria, delicatessen e restaurante com amplo cardápio 100% vegetal, que vai do café da manhã ao jantar. Imaginei que seria uma mesa provavelmente formada por pessoas vegetarianas e veganas, como eu, há dez anos sem comer carne e há sete sem consumir itens derivados de animais. Portanto, vegetarianos, podem ficar despreocupados ao sinalizar a restrição alimentar durante o cadastro.

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Aplicativo: as características do grupo também podem mudar de terça para quarta. No meu caso, percebi mudanças na porcentagem de nacionalidades e signosReprodução/Arquivo pessoal

Com essas informações em mãos, o desafio então é pensar em como se apresentar nesse jantar com desconhecidos. Qual roupa eu devo vestir para mostrar um pouco de cada pedaço da minha personalidade? Será que eu uso a camisa da minha banda preferida, ou do meu time do coração? Quais peças podem mostrar já de cara que eu gosto de rock e MPB, vou a festas eletrônicas, mas também amo um sambinha na feira?

As dúvidas continuam em torno do papo. Como começar uma conversa? Talvez falando sobre o calor intenso no Rio de Janeiro, as previsões extremas de chuva? Existe uma ordem para perguntar sobre idade, carreira, hobbies, e relacionamentos? Anoto todas essas perguntas em meu caderninho enquanto estou no metrô, indo da Tijuca a Copacabana, agradecendo pela plataforma não ter escolhido um restaurante mais distante, como na Barra da Tijuca.

Finalmente, o jantar

Assumo que tenho grande vício em dispositivos eletrônicos (o mal de ser uma jornalista hiperconectada e social media), mas desta vez fui sem celular, para tentar seguir a recomendação da Timeleft de fazer interações “sem telas”. No entanto, levei minha câmera digital e fiel escudeira, como uma jovem que nunca saiu dos anos 2000.

Fui a segunda a chegar ao jantar, mesmo com quinze minutos de atraso. Logo em seguida, entrou pela porta nossa terceira integrante. Uma das participantes sinalizou no aplicativo que chegaria mais atrasada, um rapaz cancelou o compromisso e outros dois não deram sinal de vida. Infelizmente, esse é um risco que envolve a experiência: há mesas que podem contar com 100% dos inscritos e outras podem ficar desfalcadas. Mais tarde, ao conversar com outras pessoas que participaram dos jantares, descobri casos de mesas com somente três e até dois participantes.

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A nossa reserva acabou composta por três mulheres, contando comigo, e um rapaz, todos na faixa entre os 24 e 28 anos e com profissões diferentes, nas áreas de saúde, mercado financeiro, engenharia e comunicação. E mais uma surpresa: somente eu era vegana. Uma das moças era simpatizante do vegetarianismo e já conhecia o restaurante; o rapaz não era adepto, mas foi aberto para experimentar sabores novos; já a outra jovem revirou os olhos para o cardápio, relutou e considerou tomar apenas algumas cervejas, até que experimentou um brownie com sorvete vegano da casa e admitiu que estava delicioso. Ufa!

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Teva Deli: dividimos uma batata trufada com creme de queijo vegano de entrada, incentivei os colegas a pedirmos a lasanha especial do dia e torta pecan com sorvete de sobremesa./Arquivo pessoal

É importante saber que nem sempre a escolha do restaurante será certeira – e, por vezes, pode ser decepcionante. Mas, se houvesse uma tábua com os “dez mandamentos do jantar com desconhecidos”, diria que um deles seria: “não julgarás os pratos do restaurante antes de dar uma chance”. Se a comida não for do seu agrado, o jeito então é torcer para que a interação com os novos colegas seja mais saborosa.

No meu grupo, duas pessoas já haviam participado uma vez do jantar com desconhecidos – uma em São Paulo e outra no Rio, no primeiro encontro da plataforma, que ocorreu no dia 13 de março. “No grupo em que eu estava, um dos participantes me contou que era muito introvertido, mas que se inscrevia nos jantares para se forçar a interagir com outras pessoas”, relatou a minha colega de mesa.

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Achei muito curiosa a atitude. Afinal, eu só considerei participar do jantar porque sempre fico extrovertida quando saio de casa. Já fiz amizades indo sozinha a shows, ao cinema, festas e até mesmo restaurantes. Mas, para os introvertidos, fica aí a dica: pode valer a pena se arriscar. Caso o grupo não saiba como engatar numa conversa, o aplicativo ainda ajuda. Um jogo de perguntas é disponibilizado aos participantes, com algumas leves e outras mais profundas, de séries preferidas a lembranças engraçadas ou embaraçosas da infância.

“Por que o algoritmo nos juntou?”, foi o que eu me questionei durante todo o encontro que, felizmente, fluiu muito bem, entre papos sobre rotina, trabalho, gostos e planos futuros. Busquei o guia da Timeleft para tentar entender. Segundo a plataforma, o algoritmo “leva em conta a personalidade e o feedback de cada participante para criar encontros significativos e discussões profundas”. O guia mostra alguns “ingredientes principais” dessas junções, como o equilíbrio no número de homens e mulheres (mas, geralmente, há mais mulheres participando da iniciativa), uma diferença de cinco a sete anos de idade entre as pessoas e a mistura entre introvertidos e extrovertidos.

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As revelações e avaliações do “pós”

Se o jantar der certo e, depois de cada um pagar sua própria conta, a vontade for de estender a noite… O pós já é garantido pela própria plataforma. Sim, o aplicativo marca e avisa qual será o local do ‘after’, onde serão reunidos também os participantes de outras mesas, de vários outros restaurantes parceiros. Dei sorte mais uma vez ao ver que o escolhido para nós foi o Quartinho, bar que reúne uma galera mais alternativa com ótimos drinques em Botafogo, na Rua Arnaldo Quintela. Por lá, nossa conversa continuou por um tempo entre o nosso grupo, até que encontramos um ‘grupão’ de participantes da Timeleft.

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Quartinho: uma boa pedida de after, com drinques como o “M.D.Mate”./Arquivo pessoal

Foi aí que a experiência ficou ainda mais interessante, principalmente para mim, jornalista ávida por impressões de outros inscritos no programa. Conversamos com pessoas que tinham se encontrado em outros estabelecimentos da Zona Sul, como o Meza Bar, no Humaitá, Surreal, em Botafogo, e Guacamole Cocina Mexicana, no Jardim Botânico. Todos com quem eu conversei haviam selecionado a faixa de preço de dois cifrões.

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Vi a verdadeira importância de escolher a opção de um, dois ou três cifrões quando ouvi o relato de uma mulher, por volta dos trinta anos, que teve uma primeira experiência desastrosa no jantar com desconhecidos. Após ter confundido a faixa de preço com o limite que poderia ser pago, ela acabou em uma mesa com outras pessoas da sua faixa de idade em um premiado restaurante português de Ipanema, com pratos individuais que ultrapassam os R$ 100,00 e R$ 200,00.

Resultado: a conta deu R$ 450,00 para cada pessoa. “Uma moça na mesa era nômade digital e disse que, meses atrás, esse seria o valor que ela gastaria em um mês”, relatou para mim a jovem. No entanto, ela deu uma segunda chance e resolveu participar de um novo jantar. Desta vez, contou com desânimo, caiu em uma mesa com pessoas muito mais jovens e se sentiu deslocada. Foi o after que acabou salvando a sua noite.

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Já entre as outras pessoas que curtiam o fim da noite, vi grupos que se deram muito bem e trocando contatos. A plataforma, aliás, pede pra que cada participante avalie as pessoas que estavam na mesa, se jantaria de novo com ela ou não. Se duas pessoas se avaliarem positivamente, elas dão “match”, como no Tinder, e podem conversar por meio de um chat do aplicativo. Uma nova conexão no mundo real e no virtual. Achei essa parte da avaliação, admito, um pouco Black Mirror. Mas para o meu alívio, ganhei mais três matches.

E tem mais…

Além da Timeleft, que registrou 250 inscritos em sua primeira noite e 300 na segunda, há uma outra iniciativa que tem atraído pessoas com a mesma proposta. A Confra Club é a primeira plataforma brasileira que tem conectado desconhecidos para jantar juntos.

Pode ser uma alternativa para quem não tem disponibilidade alguma no meio da semana, já que os jantares acontecem sempre às sextas-feiras. O processo de inscrição pelo site é semelhante ao da Timeleft. Os valores, no entanto, são mais acessíveis: o ingresso por jantar custa R$ 29,00, enquanto a assinatura mensal custa R$ 49,90.

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Mas, afinal, esses jantares valem mesmo a pena? Se você mora no Rio e quer conhecer novas pessoas, ou está viajando por aqui e precisa de companhia, seja jovem ou mais velho… Por que não dar uma chance? Eu já estou pensando nos próximos. Tenho a convicção de que, pelo menos, a comida, ou as histórias que sairão desses momentos serão, no mínimo, curiosas – o que já basta para uma repórter que ama conhecer novos lugares, sabores e narrativas.

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Fonte:

Comer & Beber – VEJA RIO