Posted on

Uma conta amarga no cafezinho de cada dia

Um dos inúmeros vídeos de humor nas redes em torno do salgado preço do café mostra um mecânico terminando um reparo e, na hora de negociar o preço, ele se sai com o clássico: “Deixa só o do café”. Com expressão inconsolável, o cliente coloca no capô todo o dinheiro da carteira, o relógio e uma corrente de ouro, numa referência bem-humorada às cifras infladas da bebida que só perde em frequência para a água no copo do brasileiro. O café atingiu em fevereiro o maior preço das últimas três décadas, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP. A combinação da queda nas safras, prejudicadas pela elevação das temperaturas globais e outras intempéries climáticas, com a escalada da demanda internacional pelos grãos do Brasil, maior fornecedor global, já é sentida em cafeterias e restaurantes cariocas, onde a xícara de um bom expresso ou filtrado anda uns 15% mais cara. “Os adeptos do café especial não vão deixar de tomar, mas pensar melhor no desperdício e valorizar o momento em que degustam a bebida”, aposta Leonardo Gonçalves, dono do Café ao Léu, em Copacabana, especializado nos grãos de pequenas produções.

Geladinho: o cold brew é aposta do Cirandaia
Geladinho: o cold brew é aposta do Cirandaia./Divulgação

A alta dos preços no supermercado, que atingiu 50% desde dezembro, já impacta as vendas do café tradicional e cria o ambiente para o advento dos “cafakes”, de embalagem semelhante, mas com o pó à base de cascas, folhas, galhos torrados — e nada da semente, que está na origem da tão popular bebida. “Para manter a qualidade e não perder clientes, a saída é inventar formas de apresentar o produto e trabalhar o cardápio para as pessoas verem nele maior valor”, acredita Giovanna Molinaro, dona do Gato Café. Além das xícaras de capuccino e mocaccino de espuminha decorada com a temática felina da casa, a cafeteria reforçou a oferta de versões geladas, em alta nestes dias de termômetros turbinados pelo calor. A aguardada filial do Café ao Léu no Leblon também irá enveredar por opções refrescantes, tendência que movimenta ainda os pedidos no Cirandaia, em Botafogo. Por lá, o cold brew, um método de extração do café a frio, é servido na forma simples ou com xarope caseiro de tangerina e suco de limão. “As vendas não reduziram, mas os novos clientes, que não conhecem o café especial, acabam ficando mais chocados com os valores”, conta a sócia do Cirandaia, Karine Milhoranse.

Compartilhe essa matéria via:

Chocolate e café no bolo: carro-chefe no DarkCoffee
Chocolate e café no bolo: carro-chefe no DarkCoffee./Divulgação
Continua após a publicidade

Os estabelecimentos em que o café tem protagonismo pagaram cerca de 40% mais para suprir seu estoque nos últimos três meses, o que impacta no preço das guloseimas preparadas com o grão surgido no Oriente Médio e que empresta seus aromas à confeitaria desde o século XVIII. No DarkCoffee, no Centro, que utiliza o café em mais de trinta itens do menu, além das bebidas, o carro-chefe é um bolo de chocolate com o grão na massa, no recheio de brigadeiro e na ganache da cobertura. Como o chocolate também encareceu, a iguaria subiu 20%. “Comprar direto de produtores é uma alternativa, mas continua complicado. Estima-se que a dose dos expressos, que hoje vendemos a 9 reais, chegue a no mínimo 12 reais no comércio até o fim do ano”, projeta Rodrigo Pereira, sócio da casa. Mas calma lá: endereços que se notabilizam pelo ótimo tiramisu, como a Massa Trattoria, o Gero e o Satyricon, garantem que, ao menos por ora, nada muda. Vinda ao mundo em Treviso, na região italiana do Vêneto, a sobremesa chegou à forma atual nos anos 1950, sob a aura de ser afrodisíaca e revigorante por sua mescla de café, cacau e mascarpone — e pegou no Brasil. Está aí um doce contraponto ao sabor amargo deixado pela inflação.

Publicidade

Fonte:

Comer & Beber – VEJA RIO