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“Todo mundo sabe fazer um bom vinho. A diferença está no terroir”

Entre os grandes produtores de vinho da região da Borgonha, na França, a Maison Albert Bichot está entre as de maior tradição. A empresa foi inaugurada em 1831 e em quase duzentos anos foi passada de pai para filho. Desde 1996, está sob o comando de Albéric Bichot, representante da sexta geração da família, que expandiu os negócios, comprou vinhedos e centralizou a produção dos vinhos dentro da própria vinícola. O resultado é um portfólio extenso, diversificado e premiado.

Uma seleção desses rótulos chega agora ao Brasil pela importadora Cantu, que se torna a única representante da Maison por aqui. Serão 22 vinhos que vão de opções de entrada, como a linha C’est la Vie, de menor complexidade, produzidos em Languedoc, no sudoeste da França, até ícones da Vosne-Romanée, apelação de rótulos produzidos na região de Côte de Nuits que são conhecidos como a expressão máxima da uva pinot noir. Os preços variam de R$ 120 a R$ 3 mil.

Nesta conversa exclusiva, Albéric Bichot fala sobre a história da Maison Albert Bichot, o risco das mudanças climáticas e a importância do terroir da Borgonha. Confira:

Como manter a relevância da vinícola após mais de dois séculos de história?
Um dos segredos para nos mantermos relevantes no mercado é o espírito de família. O trabalho foi sendo passado do meu avô para o meu pai, e do meu pai para mim e meu irmão. Está em nosso sangue.

Hoje, a Maison Albert Bichot tem uma proposta que mescla inovação e tradição. Quais foram as principais inovações que você fez quando assumiu a vinícola?
Se olharmos para o que a minha geração está fazendo, em relação ao que foi feito antes, podemos destacar algumas grandes mudanças. A primeira foi expandir a produção. Compramos outros vinhedos, e isso foi muito importante para garantir a matéria-prima. Sabíamos que ficaria cada vez mais difícil conseguir boas uvas, e começamos a expandir há 20 anos. Do ponto de vista da viticultura, começamos a experimentar com a produção orgânica. Era algo em que acreditámos e que motivava todos os profissionais nos vinhedos. Conseguimos uma certificação oficial em 2014, e só colocamos o selo nos rótulos a partir da safra 2018, porque nem sempre orgânico é sinônimo de qualidade. Hoje fazemos isso e somos a maior vinícola da Borgonha a ter toda a produção certificada. E também expandimos as nossas vinícolas, e hoje todos os vinhos são feitos em nossa vinícola, mesmo aqueles vinificados a partir de uvas compradas de outros produtores.

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Como vocês estão adaptando a produção frente às mudanças climáticas?
É uma grande preocupação. Começamos a sentir os primeiros efeitos há cerca de 15 anos. Agora, colhemos as uvas completamente maduras 14 dias antes do que fazíamos há algumas décadas. Por um lado, colhê-las antes significa que elas estão perfeitamente maduras. E nos anos 1960, 1970 e 1980 nem sempre conseguíamos atingir o desenvolvimento ideal. Mas há outros desafios. As geadas têm acontecido de forma mais devastadora do que nunca. Por enquanto, não há muita coisa que possamos fazer. Usamos algumas técnicas de manejo, como a cobertura vegetal, ou mantemos as folhas nas videiras para protegê-las, mas não há muito além disso. Espero que em 20 anos tenhamos tecnologia suficiente para lidar com esses problemas.

O Château-Gris, propriedade do século XVIII que faz parte da Maison Albert Bichot –Flore Deronzier/Divulgação

As uvas pinot noir e chardonnay são cultivadas no mundo inteiro. O que é preciso para obter um bom vinho das duas, além do terroir?
Além do terroir? Absolutamente nada. Todo mundo sabe fazer bons vinhos, em todos os cantos do mundo. Recebemos muitos profissionais de fora para fazer estágio aqui, e eles têm uma ótima formação. Mas tudo se resume ao terroir. Essa é a beleza da Borgonha. Na maior parte do tempo, trabalhamos para revelar a identidade do terroir. Porque essa parcela é especial, porque ela é diferente da outra. Não queremos interferir na natureza. E essa revelação vem do trabalho feito nos vinhedos, e também na vinícola. Há 25 anos, adotamos muitas inovações tecnológicas. Muitas delas foram positivas, mas depois percebemos que o que nosso avô fazia não era nada antiquado. Hoje, fazemos a colheita manual, colocamos as uvas em pequenas cestas, prensamos as uvas usando a gravidade. Até no envelhecimento usamos cada vez menos barris novos.

Ter um longo histórico ajuda a saber o que funciona em cada terroir?
Sem dúvida. A história é muito importante, e temos tudo anotado. Se eu quiser como foi a safra de 1971, posso ir nos nossos arquivos e entender o que dava certo, o que dava errado.

O portfólio da Albert Bichot é muito grande. Por onde começar?
Tanto para quem não é tão familiarizado com a Borgonha quanto para os conhecedores, recomendo começar por nossos vinhos de entrada. Eu não gosto dessa expressão, mas é a mais comum. Comece por nossos vinhos tradicionais da Borgonha, um tinto e um branco. Normalmente, se uma vinícola faz vinhos de entrada com qualidade, dá para esperar muito do resto do portfólio. Para os apreciadores de longa data, recomendo nossos vinhos icônicos, especialmente de nossos monopoles (os vinhedos totalmente controlados pela família), como o Chablis Grand Cru “Moutonne”, o Corton Grand Cru “Clos de Maréchaudes” ou Nuits-Saint-Georges Premier Cru “Château-Gris”.

Aqui, no Brasil, os vinhos da Borgonha ficaram por muito tempo restritos aos aficionados. Agora, há um interesse crescente por provar os rótulos da região. Você acompanha esse movimento em outros mercados fora da França?
Sim. A Borgonha já tem alguns mercados consolidados, como o Reino Unido, os Estados Unidos e também o Japão. Mas estamos vendo com grande prazer que esse estilo de vinho mais fresco, elegante, não tão pesado, está “na moda”. Os vinhos da Borgonha são acessíveis até para os iniciantes. Para nós, é um sucesso ver que mais pessoas estão dispostas a provar vinhos com grande tradição.

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Fonte:

Vinho – VEJA