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“Sustentabilidade ainda não é critério de compra, mas isso está mudando”

A preocupação com a sustentabilidade na produção de vinhos vem ganhando espaço. Na Nova Zelândia, por exemplo, 96% de toda a área agrícola usada na produção de uvas recebe algum tipo de certificado. O Chile e a Califórnia têm programas robustos, e até o Brasil já começa a enveredar por esse caminho.

No Velho Mundo, a região do Alentejo, em Portugal, vem chamando a atenção por um projeto pioneiro que teve início há quase 10 anos, mas cujos resultados começam a ser divulgados de forma mais assertiva agora. Trata-se de uma entidade que hoje conta com 503 membros, entre vinícolas e adegas, interessados em produzir os rótulos tradicionais da região de forma mais responsável.

Tiago Caravana, da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, conversou com VEJA sobre o programa e como a iniciativa está inspirando outros produtores portugueses e europeus.

O programa de sustentabilidade dos vinhos do Alentejo é pioneiro. Como vocês deram início ao projeto?
Começamos a engendrar o programa em 2013, e ele teve início em 2015. Começamos com 91 membros, e fazíamos uma autoavaliação dos produtores. Agora, são 503 membros, de diferentes tamanhos e tipos. Há só adegas, há viticultores, a produtores que são adegas e também viticultores. E temos parcerias com instituições de fora do país, agentes agronômicos que ajudam os produtores a melhorar a produção passo a passo. Em 2017, criamos um símbolo, uma certificação. Que pode até parecer marketing, mas é uma maneira de estimular outros. Se alguém vê o vinho do lado com uma simbologia de sustentabilidade, fica curioso, até um pouco invejoso, e quer saber o que é aquilo. E só em 2018 começamos os esforços de comunicação. Enviamos alguns rótulos para análise junto com vinhos do Chile, da Califórnia, e de alguns programas da Alemanha, Itália e Argentina. E o nosso obteve nota máxima. E em 2020 a certificação deixou de ser feita pela própria entidade e passou a ser emitida por empresas credenciadas.

Quais ganhos efetivos de sustentabilidade já foram alcançados com a iniciativa?
O projeto é muito complexo e envolve 183 critérios diferentes, como meio ambiente, área econômica e social. Todos de alguma forma dizem respeito às mudanças climáticas. Não é algo do futuro. O Alentejo é uma região que já bateu recordes de temperatura em alguns verões na Europa. Por isso as alterações climáticas já cá estão. Posso dar um exemplo da água. Nosso objetivo máximo é chegar a um litro de água para cada litro de vinho produzido. Alguns estão próximos. Outros gastam 14 litros de água para cada um de vinho, e hoje gastam cinco. Isso é feito por meio de planos completos de economia circular. Uma adega trata a água residual da população próxima. Outra converte todo o material orgânico que é produzido em fertilizante, que é novamente usado nas vinhas. Também passaram a adotar rótulos de papel e rolhas com certificação FSC (Forest Stewardship Council). Em 2019, eram 16%. Hoje, são 66%.

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Herdade Outeiros Altos, vinícola que desenvolve um trabalho de agricultura biológica e integra o programa –CVRA/Divulgação

Quais foram as inspirações para esse programa? Na Europa não há muitas iniciativas do tipo.
Em Portugal somos pioneiros. Outras partes do país estão aprendendo agora conosco e querem fazer um trabalho nesta área. E somos um livro aberto. Para nós a sustentabilidade deve ser algo de todo o setor. Não podemos guardar nosso segredo a sete chaves. Queremos ensinar os outros a fazer igualmente bem. No Velho Mundo, não sei de nenhum programa semelhante. O que há é no Novo Mundo, principalmente a Califórnia. Eles foram nossa principal inspiração e abriram o livro para nós. O Chile também está na frente em planos de sustentabilidade. E no mundo há outra iniciativas regionais importantes, como na África do Sul e Nova Zelândia.

Há maior demanda dos consumidores por vinhos sustentáveis?
A evolução em geral é muito grande, mas depende do país. Os escandinavos são muito exigentes. No resto da Europa, em Portugal e também no Brasil, os consumidores já dão maior atenção, mas ainda não é um critério de escolha. Se for sustentável, melhor. Mas ele não vai à procura. Se estiver em dúvida entre dois vinhos e um deles tiver uma certificação, pode ser um fator de desempate. Mas rapidamente, com o aumento da oferta, vamos mudar isso. Hoje, temos 10 produtores certificados. Teremos mais até o final do ano.

Tiago Caravana, Diretor do Departamento de Marketing dos Vinhos do Alentejo –Divulgação/Divulgação

Por que vocês demoraram tantos anos para começar a promover o certificado de sustentabilidade dos vinhos do Alentejo?
Há muito greenwashing nessa matéria, e quisemos sempre fugir. Por isso só agora estamos falando sobre isso. Mas agora temos dados reais que podemos mostrar. Recebemos prêmios nacionais e internacionais. Os produtores se contiveram, mas querem e gostam de mostrar o que estão fazendo. É um momento recompensador ver que aquilo é uma causa. Hoje, temos 10 produtores com a certificação, mas até o final do ano vamos aumentar ainda mais essa oferta. E com isso mais gente vai ficar imbuída dessa filosofia.

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Fonte:

Vinho – VEJA