O sonho de qualquer crítico de vinho é viver sempre à base de um Romanée-Conti e rótulos dessa mesma categoria, certo? Errado, conforme eu descobri graças a esse tal de algoritmo, que tem sempre seus mistérios. Certa vez, retornando de uma exaustiva degustação, repleta de vinhos medianos e farta em enochatos, me deparei com o Instagram de um influencer que faz um grande sucesso nas redes experimentando os piores vinhos do mundo. Nos vídeos postados em sua página, ele imita o ritual e todos os trejeitos dos profissionais na hora de entornar uma taça. O resultado da experiência é um impagável show de caretas. Não é fácil a vida de quem escolhe garimpar os mais decrépitos tintos, brancos e rosés do planeta.
O personagem em questão é Emre Rende, um fotógrafo e jornalista de tv freelancer da Turquia, que mora na Suíça e viaja o mundo. Moldávia, Japão, Canadá, Alemanha, Índia… Onde há vinho lá está o criador da página Chateau Garbage (Castelo do lixo) e sua sub categoria Chateau Migraine (enxaqueca) com suas análises sensoriais dignas de prêmio e que já amealha 119 000 seguidores no Instagram que se divertem com as experiência do influencer — ou seria influhater?
O tom bem-humorado passa também pelos vereditos de cada degustação. “Tão bruto quanto o inverno siberiano”, cravou ele certa vez, ao descrever taninos assassinos com uma clareza que foge a muitos manuais. Em um Merlot do Veneto, ele “sentiu” aroma do suor do Berlusconi e 20 anos de arrependimento. Sim, grandes regiões como França e Itália também estão no seu radar. Nesses casos, no entanto, a seleção dele recai sobre produtores que, como Emre define, “beiram à ilegalidade’, tamanha a baixa qualidade do seu negócio. Em um vinho canadense que tinha uma lista infinita de uvas no blend, ele comentou ao ler o contra-rótulo: “parece que a única coisa que não puseram aqui foi maple syrup”. Espirituoso, nesse universo nem sempre tão divertido do vinho. Confira aqui um dos vídeos de sua página:
Emre contou à coluna AL VINO que é um auto-didata do vinho, mas que estudou em escolas francesas durante os primeiros 18 anos de sua vida. Aos 16, já sabia descrever vinho como muitos especialistas e nunca se esqueceu de uma aula sobre retrogosto, com que o pai de uma namorada encerrou um jantar. Já a relação com as uvas começou ainda bem cedo, em Ancara, capital da Turquia, quando seu avô deixava os netos molharem o dedinho em sua taça de Raki, um destilado de uvas frescas e secas, que também pode ser produzido com figos, ameixas e especiarias, durante os almoços da família.
A seguir um pouco da nossa conversa com o influencer que se especializou nas piores garrafas disponíveis no planeta.
Como você teve a incrível ideia de degustar e falar sobre os piores vinhos do mundo? Uma amiga minha, Courtney Freer, sempre se referia a vinhos ruins como “lixooooo” quando morávamos juntos no Catar. Então, em 2020, organizamos uma festa em Istambul, convidamos alguns turistas que conhecemos naquele dia e pedimos que trouxessem uma garrafa de vinho. Eles trouxeram vinhos que eram simplesmente escandalosos e ruins, vinhos que chamamos na Turquia de “Matador de Cães”. Três dos piores vinhos da Turquia não foram abertos na festa. No dia seguinte, quando os vi lado a lado, pensei que seria engraçado fazer uma degustação e uma competição para ver qual era o pior, para decidir o Campeão do Lixo do Chateau. A Covid chegou e ficamos presos em casa, como muitos. Um dia, meu pai me deu um vinho que seu amigo fez, sem rótulo, e me disse “meu amigo diz que o vinho precisa respirar por 6 a 7 horas”. Assim que ouvi isso, soube que seria um Lixo do Chateau e gravei o primeiro episódio.
Não me parece um trabalho muito prazeroso pelas caretas que você faz? Estou certa? Eu realmente gosto do meu trabalho. Há tanto mérito em entender a profundidade de um Barolo safra de 1993 quanto há de um vinho grego em uma garrafa de plástico que faz você correr para o banheiro depois de um gole. Eu não os discrimino.
Você tem um ranking dos piores, ou de países que tenham os piores vinhos do mundo? Não tenho uma classificação propriamente dita, mas posso definitivamente confirmar que o Chateau Garbage mais lendário vem das regiões dos Balcãs e do Oriente Médio, onde não há regulamentação ou há pouquíssima regulamentação. Marrocos, Egito, Uzbequistão, Albânia, Bulgária… Mamma Mia!
Você pode descrever os aromas de um inesquecível e legítimo Chateau Garbage? No nariz, um ótimo Chateau Garbage pode vir com toques de acetona, aço, bolsa de ginástica, cachorro molhado, cimento e repolho. No paladar, geralmente, primeiro você sentirá descrença e, em seguida, quase certamente, arrependimento. O acabamento pode deixar uma cicatriz permanente em sua alma.
Você já problemas com proprietários de vinícolas ou com quem os comercializa? Eles já cogitaram em te chamar para ser embaixador da marca, como se usa hoje no universo do vinho? A maioria dos vinhos que experimentamos no Chateau Garbage não vêm realmente de vinhedos adequados, eles geralmente são feitos em fábricas, garagens e banheiras. Portanto, os “produtores de vinho” geralmente sabem dos crimes que estão cometendo e, portanto, não vêm reclamar. Até o momento, nunca me chamaram para ser embaixador de nada. Pelo contrário, às vezes, quando me reconhecem, os produtores de vinho ou donos de restaurantes me dão o olhar preocupado “oh deus, por que ele está aqui?”.
Como é a pesquisa para descobrir esses vinhos? Eu posso identificar uma fonte de um Chateau Garbage a 200 metros! Supermercados rurais, minimercados urbanos, pequenas tavernas, todos esses são lugares onde você pode encontrar um Grand Garbage Classé.
Já provou algum vinho brasileiro? Estive no Brasil em 2010, quando a produção local de vinho não era tão grande quanto é hoje. Lembro-me de tomar uma garrafa “ok” de um branco brasileiro em um restaurante de frutos do mar em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Recebo inúmeras mensagens e comentários do Brasil, às vezes diariamente, de brasileiros me dizendo a mesma coisa: “Temos muitos Chateau Migraines no Brasil e você tem que experimentá-los!”.
Qual vinho fez o mais sucesso seu Instagram? Definitivamente os ruins, especialmente aqueles que me deixam sem palavras. Um verdadeiro “Chateauneuf Du Crap (porcaria)” será determinado pelo quão perto eu chegar de cuspi-lo. Embora cuspir seja contra as políticas da empresa.
Entre as mensagens que você recebe do público, o que eles costumam te perguntar? Não acredito que te peçam dicas de vinho, certo? As mensagens mais comuns que recebo são de pessoas que querem que eu descubra o Chateau Migraines do seu país. “Por favor, venha à Polônia para provar nosso lixo!”. E sim, também recebo uma grande variedade de solicitações de recomendação de vinhos, coisas como “Estou indo para a Itália, você pode me recomendar alguns vinhos, por favor?”
Qual a diferença entre um Chateau Garbage and Chateau Migraine (enxaqueca)? Uma Chateau Migraine (enxaqueca) é ressaca garantida. Como uma garrafa de Torrontés de 2 dólares da Argentina pela qual você está pagando 100 dólares em Dubai. Definitivamente será forte, mas você não vai pensar em cuspir. Mais importante: se fosse a última garrafa na Terra antes de um meteoro destruir o planeta, você beberia uma Chateau Migraine. Uma Chateau Garbage beira à ilegalidade. Pode levar à cegueira e a picos significativos na pressão arterial. Não deve ser bebido por ninguém e vai te destruir se o meteoro ainda não tiver caído.
Quando não está trabalhando, que tipo de vinho você gosta de beber e não faz careta? Sou um grande fã de Grenache e Syrah, tanto no estilo do Velho Mundo quanto do Novo Mundo. Gosto de vinhos únicos e quase complicados, um pouco como Savagnin do Jura, sabe? Não procuro perfeição sedosa. Não me entenda mal, tenho muitos Brunellos de 2007-2010 na minha adega que realmente gosto, mas hoje em dia tenho mais prazer em ir à minha loja de vinhos favorita em Paris e dizer a eles “me dê um vinho que me choque”. Fora do vinho, meu combustível é um gim-tônica duplo.
-
Cursos
“FALANDO EM VINHOS…..”
R$ 39,90 ou em 10x de R$ 3,99[seja o primeiro a comentar]Comprar Curso -
Cursos
A arte da harmonização
R$ 29,90 ou em 10x de R$ 2,99[seja o primeiro a comentar]Comprar Curso -
Cursos
Curso Mitologia do Vinho
R$ 597,00 ou em 10x de R$ 59,70[seja o primeiro a comentar]Comprar Curso