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“Produção de vinhos de Portugal não é volumosa, mas artesanal”

O produtor português Luis Pato é uma figura carismática e revolucionária do vinho. Foi pioneiro em valorizar as castas nativas da região, principalmente a Baga, com a qual ficou mais associado. É reconhecido como o responsável por ter domesticado uma variedade tida como difícil e de pouca qualidade. E em 40 anos com sua marca própria, abriu as portas para uma nova geração de produtores e enólogos que defendem os vinhos portugueses por suas características únicas.

Pato esteve no Brasil para participar do Encontro Mistral, evento que reúne, a cada dois anos, produtores da tradicional importadora que em 2023 completou 50 anos. Irreverente, posou para fotos com seus fãs, enófilos que se aglomeram para ver o ídolo de perto. Na maioria, aparece mostrando a língua, sua marca registrada. Solícito, explicava dezenas de vezes as diferenças de uvas como Baga e a branca Sercialinho, servindo taças para que todos pudessem entender o valor – e o sabor – de seu trabalho.

Em entrevista a VEJA, Pato falou sobre sua carreira, a domesticação da Baga e sua visão sobre o posicionamento do vinho português no disputado mercado global.

Você participa de eventos, está sempre perto do público. Qual a importância dessa proximidade para a marca Luis Pato?
Quando fazemos um vinho, criamos nos nossos vinhedos. É bem diferente de quem compra uva de outros produtores. Estamos limitados àquilo que produzimos. E temos que entender o consumidor para saber como vamos fazer. Eu tenho essa vantagem porque além de ser o proprietário, sou o enólogo amador e o vendedor. Combino toda essa parte final, do consumidor, com o início, que é a uva, para ouvir sempre e o que estamos fazendo. O mundo está sempre em mudança. Temos que ouvir para entender quem consome, que é o mais importante.

Você começou trabalhando a Baga por acaso, com o que havia no vinhedo da família, certo?
Eu tinha duas formas de trabalhar. Porque veja, meu pai era agricultor. Eu tive uma formação diferente, de engenheiro químico. Quando comecei a produzir vinhos, comecei com o que havia. Ou copiava a França, como todo mundo fez, ou mantinha o que havia e tentava melhorar o que havia. Esse foi o caminho. A Baga era considerada horrível, principalmente pelos intelectuais. Achavam que ela era terrível de se trabalhar e só produzia duas grandes safras a cada dez anos. Nunca pensaram porque aquilo acontecia. Por conta da minha formação científica eu sabia que nada acontecia por acaso. E passei a fazer mudanças nos vinhedos, de forma gradual, passo a passo, já que produzimos apenas uma vez por ano.

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O que você descobriu?
Fui descobrindo o problema de Baga. Na Bairrada, estamos próximos ao mar, e isso é ótimo, e terrível ao mesmo tempo. Vou explicar porquê. Porque temos noites frias, o que é ótimo, mas temos muita umidade. E podemos ter chuvas perto da época da colheita, o que é péssimo. A Baga é parente da Nebbiolo, da Itália, da Pinot Noir, da Sangiovese e da Xinomavro, da Grécia. Elas acabaram formatadas ao local onde foram cultivadas, e por isso se diferenciam. A Baga está há 800 anos na Bairrada e se adaptou àquelas condições, e sofreu a influência das pessoas que trabalham na região.

Como foi o processo de “domesticação” da Baga?
Primeiro, percebi que poderia colher mais cedo e produzir espumante. Nesse caso, a uva não precisa estar tão madura. Precisa ter boa acidez e leveza. E deu certo. Depois, adotei a poda verde (técnica que consiste em retirar ramos verdes, chamados “ladrões”, para evitar a competição entre desses ramos com os frutos), o primeiro em Portugal a usar a técnica. E consegui adiantar a maturação da uva, e fazer duas colheitas. Na primeira, colho a uva verde, para espumantes, que está com boa acidez, leve, com aromas que não são primários, uma maravilha. E depois, colho as uvas para os tintos. Isso mostra que não sou uma cópia dos franceses, penso por mim próprio. Fomos afinando a técnica e hoje dominamos completamente o processo.

As mudanças climáticas afetaram a maneira como você cuida dos vinhedos?
Para a Baga, o aquecimento é fenomenal, pois adianta a maturação. Neste ano, colhemos duas, quase três semanas antes do normal.

Você ficou conhecido pelos tintos, mas também produz brancos e espumantes de qualidade.
Quero dizer que a Bairrada é uma região de brancos e espumantes. Podemos fazer brancos e espumantes, todos os anos, ou muito bons, ou excepcionais. Tintos podemos fazer grandes vinhos. Com exceção de duas vezes a cada 10 anos, que é mais difícil. Mas veja, saímos da Baga, que rendia duas grandes safas a cada dez anos, e invertemos. Hoje são oito grandes safras a cada 10 anos. E minha maior honra foi quando, em 2015, um vinho de Baga recebeu 97 pontos do crítico Robert Parker. Depois de 37 anos trabalhando no mundo do vinho, finalmente a Baga foi considerada uma grande casta, como de fato é. Vivi para ver a realização do meu sonho.

Como equilibrar os vinhos já clássicos, esperados de Luis Pato, com novidades?
Eu não paro nunca. Gosto de fazer vinhos fora da caixa. Principalmente quando tenho um novo neto. Aí, faço um vinho que não está no manual. Dou um exemplo. Para meu primeiro neto, fiz um vinho de sobremesa de colheita antecipada. Todo mundo faz com colheita tardia. É uma técnica simples. Congelamos o mosto (o líquido obtido a partir da prensagem das uvas, antes da fermentação) duas vezes, numa técnica chamada crioextração. Conseguimos menos líquido, mas com o mesmo grau de açúcar. Fiz a fermentação e interrompi quando atingiu 10° de teor alcoólico. Para meu segundo neto, fiz um vinho tinto a partir de uma uva branca, que na Bairrada é chamada de Fernão Pires, mas no resto de Portugal é conhecida como Maria Gomes. Meu neto recebeu o nome de Fernão, e um dos meus nomes de família é Pires. Então, em homenagem ao neto Fernão, do vô Pires, fiz um vinho de Fernão Pires.

Você abriu portas para outros produtores tanto em valorização de castas regionais quanto em técnicas. Como você vê esse legado no vinho português de hoje?
Portugal é um país pequeno, com muitas regiões, vinhos totalmente diferenciados, além de termos mais de 250 castas de uvas. Temos climas às vezes inacreditáveis. Veja, você pode estar em um produtor de vinho verde, jovens, frutados, frescos, florais, e 6 quilômetros adiante está em um produtor de vinho do Porto. Isto é único! Que contraste de produto. Sempre defendi que não somos um país de produção de volume, mas artesanal, de ourivesaria, de boutique. Temos algo muito diferenciado. Dá trabalho ensinar a nossa diferença, mas é nessa diferença que está nossa sobrevivência.

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Fonte:

Vinho – VEJA