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O vinho servido para acabar com o preconceito contra o vinho brasileiro

Quando o francês Benoit Mathurin, chef do Esther Roof Top, no centro de São Paulo, aboliu vinhos estrangeiros de sua carta, privilegiando os nacionais, acabou por tornar-se um embaixador honorário do vinho brasileiro. Desde então, passou a apresentar e jogar luz sobre muitos rótulos daqui com bastante qualidade que eram desconhecidos ou buscavam um lugar ao sol. Apesar da eficiência de nossos enólogos, engenheiros agrícolas e estudos árduos sobre o nosso terroir, não é uma tarefa fácil para um francês convencer brasileiros a tomarem vinhos brasileiros. Há sempre clientes preconceituosos, que ainda fazem cara feia para o produto nacional. Para essas ocasiões, Benoit tem um trunfo chamado La Grande Bellezza. “Todos os vinhos deles são muito fáceis de apresentar porque têm um toque europeu, sem a exuberância do nacional, assim as pessoas sentem-se mais confortáveis e acabam baixando a guarda”, conta o chef.

A vinícola responsável pelo La Grande Bellezza fica em Pinto Bandeira, no Rio Grande do Sul, no terroir que se tornou famoso pelas borbulhas da Cave Geisse, premiadíssimo em concursos ingleses e pelas revistas americanas. A fama foi tamanha que ele acabou indo parar na adega da monarca inglesa Rainha Elizabeth II (1926-2022).

Coladinho, parreira a parreira, La Grande Bellezza colheu sua primeira safra em 2018 e é fruto de um sonho da carioca Cristina Petriz e do gaúcho Rossano Biazus.  Ela da área da saúde e ele do direito, o casal queria uma casa no campo, onde podia plantar suas uvas e fazer seu próprio vinho para receber os amigos. O resultado surpreendeu a todos e, na pandemia, resolveram que aquele negócio seria o projeto de vida da dupla. Para profissionalizar o negócio, trouxeram os enólogos Marcos Vian e Anderson Schimitz, da renomada consultoria Enovits, além de barricas provenientes de diferentes bosques franceses.

Rossano atua como vigneron, como se diz na França, desafiando os enólogos e até os agrônomos quando, por exemplo, descarta uvas mais maduras para suas produções. Ele está ali, no dia-dia da terra e na época conhecida como “pintor”, quando os cachos ganham cor, ele anda os 4,5 hectares provando amostras de uva de cada fileira de parreira. Produtos biológicos, ainda pouco usados por aqui porque são mais caros do que os convencionais, como um à base de algas marinhas que serve para alongar o cacho das uvas, são algumas das escolhas no manejo. “Dessa maneira, cria-se mais espaço entre os bagos, não há retenção de umidade e, com isso, não é necessário borrifar fungicidas”, conta Rossano. As garrafas também são especiais. A princípio, elas não foram uma opção, mas hoje Cristina diz que não há como voltar atrás. “Nossos espumantes e vinhos tranquilos usam vasilhames francesas, porque não havia vidro nacional durante a pandemia”, lembra.

Bom, mas e o vinho? Os espumantes são cremosos, como rege a cartilha dos champenoise, todos da vinícola são feitos pelo método tradicional, em que a segunda fermentação é feita na garrafa. Há até um laranja, que inclusive leve o nome da filha de Benoit, Mademoiselle Lili, que custa 278 reais e é muito especial. Feito de Trebbiano Toscano (90%) e Chardonnay (10%), que passa dez meses em contato com as leveduras, é extremamente gastronômico e saboroso.

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O ótimo espumante feito pela La Grande Bellezza: de acordo com a cartilha dos champenoisereprodução/VEJA

Mas surpreendente mesmo foi o Cabernet Franc, chamado Madame Rara (R$ 231), um varietal (feito apenas com um tipo de uva), que envelhece por dezoito meses em diferentes tipos de barris de carvalho francês de segundo uso. Ele é macio, frutado e leve. Tanto a madeira quanto os 13,6% de álcool estão completamente integrados. O resultado é de uma delicadeza que o torna competidor sério para tirar do jogo alguns vinhos feitos pela reverenciada dupla poda na região de São Paulo e Minas Gerais, que são ásperos, sem personalidade e potentes em demasia.

Faz parte do portfólio da vinícola também um rosé feito à base de Grenache (Madame Rosé R$ 171,55), o único do Brasil com essa uva. Ele tem aquele rosa pálido estilo Provence e uma sutileza de frutas única, além de um finalzinho de mar, com aquele salgadinho especial. Há ainda vinhos mais potentes entre os 18 rótulos da vinícola, como o Baraonda (R$ 470), um corte de Tannat, Petit Verdot, Touriga Nacional e Merlot, com 12 meses em barris de carvalho francês de primeiro uso. Mesmo com potência, o vinho não perde a elegância, pede harmonização, o acompanhamento de comida, mas a sutileza que é assinatura da La Grande Bellezza, continua ali. Cristina conta que, numa recente visita a São Paulo, o embaixador italiano no Brasil ficou encantado com o vinho, que foi o eleito para uma de suas comemorações na cidade.

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Tudo na vinícola segue a cartilha de boutique. Os rótulos dos varietais foram desenhados pela artista plástica Lu Mourelle, brasileira que vive em Lisboa. As degustações lá em Pinto Bandeira são feitas na casa dos proprietários e acompanham pães, queijos regionais e um azeite feito na propriedade.

Na contramão de muitos novos viticultores que buscam medalhas internacionais para validar seus produtos, essa não é uma preocupação tampouco uma vaidade do casal. “Queremos que a qualidade do nosso produto seja reconhecida por quem o degusta”, diz Cristina. Parece que a tática vem dando certo. Além do Esther Roof Top, onde Benoit conta que as pessoas saem com garrafas dos espumantes depois do jantar, os vinhos da La Grande Belezza ganharam as cartas dos elegantes Palácio Tangará e Rosewood, em São Paulo.

O selo de denominação de origem da região, a única DO brasileira de espumantes, também não é uma meta. “No momento, vinificamos em Farroupilha e ainda vamos fazer o vinho em Pinto Bandeira, nossa vinícola está em construção. Acredito que essa denominação restringe o potencial da região que certamente ainda tem muito a ser descoberto e vai nos surpreender muito”, diz Rossano, que aposta em um Tannat mais leve e frutado como novo símbolo daquelas terras gaúchas. Não provei, mas fiquei bastante curiosa, será certamente um presente ante os Tannat super potentes e muito extraídos que já conheci do Sul.

Um brinde aos visionários do vinho brasileiro!

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Fonte:

Vinho – VEJA