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O segredo dos vinhos especiais produzidos no vinhedo mais alto do mundo

Localizada no Vale do Calchaquíe, ao norte da Argentina, a bodega Colomé cultiva a tradição e a capacidade de extrair o melhor das condições geográficas extremas. Ela fica a quatro horas de distância de Salta, vilarejo muito procurado por amantes de vinhos e de esportes radicais como alpinismo e rafting,  já bem próximo à fronteira com a Bolívia. As uvas da Colomé provam que, no caso dos vinhos, quanto mais alto, melhor.

No local, a temperatura mesmo ao sol do meio-dia cai drasticamente, o vento aparece e a brisa do Cachi Nevado, uma montanha que tem seu pico todo ano branco, parece soprar no seu rosto. E foi ali, a 3111 metros de altitude que o vinhedo mais alto da Colomé se instalou. Ele já foi reconhecido pelo Guinness Book como o mais alto do mundo, mas atualmente há pequenas vinhas poucos metros acima. No entanto, a Colomé é a maior vinícola a produzir na região.

É também a mais antiga do país. Ela nasceu em 1831 por iniciativa de Nicolás Severo, o último governador espanhol da região, e doada para sua filha Ascensión Isasmendi como dote por seu casamento. Foi essa senhora quem em 1854 enfrentou muita poeira e um cenário desértico típico de Star Wars, certamente montada em um burrico, para trazer da França cepas de Malbec e Cabernet Sauvignon. Essas vinhas com cerca de 170 anos continuam vivas e produzindo um dos rótulos ícones da vinícola, o 1831.

Em 2001, o empresário e viticultor suíço Donald Hess (1937-2023) comprou a propriedade encantado pelo terroir e determinado a produzir vinhos com altíssima qualidade. Hoje, uma equipe de três agrônomos e o enólogo da Borgonha, Thibaut Delmotte, são responsáveis pelos 72 hectares de vinhas plantadas que produzem anualmente 600 000 litros de vinho de qualidade única, em terroir de extremo. Parece muito, mas não é. O Vale do Calchaquie, que envolve toda região de Salta e cidades como Cafayate, onde há grande concentração de vinícolas, é responsável por apenas 2% da produção dos vinhos argentinos.

AS UVAS DO DESERTO

E o que faz tão especiais os vinhos de bodegas da região como a Colomé? A altitude. O agrônomo da bodega, Javier Grane, explica: no deserto as temperaturas altas são muito altas e as mínimas muito baixas. Essa enorme amplitude térmica faz com que a planta faça a fotossíntese à noite mais devagar e, por isso, permanecem na fruta maior concentração de ativos que vão proporcionar mais frescor e acidez ao vinho. Outro ponto importante: a insolação é mais direta, mais forte, porque há menos camadas de ar entre as vinhas e o sol. Isso faz com que as uvas fiquem com a casca mais grossa, como maneira de se proteger, e nessa pele haverá mais taninos (responsável pelo corpo do vinho) e mais flavonoides (que dão cor ao líquido).

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Acreditem, os extremos são perceptíveis por todos os nossos sentidos, o visual deserto, a boca que seca e a temperatura. Às 10h30 da manhã, com 19 graus e sol forte, a
sensação é de mais de 25˚. Quando a noite cai num lugar localizado a uma alta altitude, em poucas horas a temperatura cai de 20 para 6 graus. Bom para as vinhas, excelente para nossos sentidos.

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Instalações da ColoméDivulgação/VEJA

Em doses demasiadas, no entanto, essa vantagem geográfica pode “queimar os aromas” ou produzir vinhos desequilibrados, com muito álcool ou corpo. “Altitude é sinônimo de energia, por isso o manejo adequado é que faz o equilíbrio”, disse Javier à coluna Al Vino.  Ali, quando o enólogo diz: está na hora de colher, a equipe tem no máximo dois dias para finalizar o trabalho para que essas características não se percam. Boa parte das vezes, o trabalho é manual. Apenas alguns vinhedos aceitam máquinas, devido o terreno.

As uvas ícones da vinícola são Malbec, claro, e a Torrontés, variedade branca que costuma ter uma característica floral aromática exuberante, mas que na altitude ganha menos explosão e fica extremamente mais elegante, perfeita para acompanhar as empanadas forneadas e preparadas na hora na vinícola.

Não bastassem os desafios dos vinhedos de Colomé, onde foi preciso criar um projeto social para que houvesse quem trabalhasse na vinícola, Donald e Ursula Hess, viúva do fundador e grande dama do projeto, adquiriram há alguns anos o Arenal, um vinhedo fincado a 2600 metros de altitude, com solo absolutamente arenoso. Foi preciso escavar muito para conseguir água e um trabalho de alquimistas para que esta água salobra fosse responsável pela rega e cultivo de um dos Malbec mais delicados que já provei na vida, o El Arenal (100% Malbec, envelhecido 12 meses em carvalho francês mais seis meses na garrafa antes da comercialização).

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O Torrontés: perfeito par acompanhar empanadasMarianne Piemonte/VEJA

Quem cuida dessas vinhas é agrônomo Rafael Racedo, que trabalha sendo seguida em grande parte do tempo pelo seu fiel cão Bronco. “Aqui precisamos do auxílio de estações meteorológicas, há geadas e o vento zonda (quente), e rezar, sempre”, diz. O Sauvignon Blac da Altura Máxima me chamou atenção por ser cítrico e muito mineral, fresquíssimo, como passa 6 a 8 meses por barricas sem tosta ele tem uma leve untuosidade na boca. O Pinot Noir é para tomar ajoelhado. Uvas colhidas em fevereiro, são as primeiras a entrarem na bodega para vinificação, com um pouco de engaço (galhinhos das uvas) para trazer um pouco mais de corpo é um esplendor de fruta e sabor. O valor acompanha as dificuldades de produção, cerca de 80 dólares, a garrafa. Para fechar o Malbec da altura máxima é muito potente, estruturado e muito
elegante. Em Londres, no Gaucho Bar, rede de restaurantes de carne argentina, ele chegou a vender 5 000 garrafas por mês, quase toda produção.

Os rótulos da Colomé chegam ao Brasil trazidos pela Decanter. Quem quiser sentir um pouco desse sabor, minha sugestão é começar pelo Colomé Estate Malbec, o único no mundo produzidos com uvas de quatro diferentes altitudes. O preferido de Thibaut, o enólogo, tem como protagonista as uvas das vinhas a 2.300 metros de altitude, que trazem concentração e persistência, a frescura e estrutura vem das frutas colhidas no Arenal, a 2 600 metros, o sabor de fruta madura é proveniente de La Brava, o vinhedo a 1 800 metros e finalmente a elegância e mineralidade são responsabilidade da Altura Máxima, a 3111 metros. O rótulo custa cerca de R$ 220.

Depois de percorrer o mesmo percurso que as garrafas fazem para chegar aqui e conhecer as pessoas e todos amor envolvido no projeto, posso garantir que é uma experiência única e especial.

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Fonte:

Vinho – VEJA