Pintxos de lá, petiscos de cá. Casamos… é oficial.
E agora?
O belíssimo livro “A Muito Leal e Heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”, de Raimundo Castro Maia, mora no centro da minha sala. Uma lembrança constante de que não basta ser carioca, tem que ser herói.
Aconteceu de 6 a 8 de outubro o Congresso Gastronomika, no País Basco, em que o Rio de Janeiro foi cidade convidada. De fato, San Sebastián tem um quê de Rio, não só na cultura dos pintxos – primo europeu do nosso botequim – como nas praias e na cultura da vida ao ar livre. Nossas cidades agora são irmãs através de um acordo formal assinado entre os municípios para promover cooperação econômica, cultural e social. Na gastronomia, temos muito a aprender e algo a ensinar.
Foi um grande acerto de Eduardo Paes e Daniela Maia, Secretária de Turismo, montar um estande do Rio de Janeiro num dos congressos de gastronomia mais importantes do Mundo. Houve a caricatura, claro: grupo de samba, imagens de praia, sol, Maracanã e futebol, que há décadas fazem o turismo na cidade, mas também o que eu chamo de “um outro Rio”, que tem criatividade gastronômica, produtores de excelência e sofisticação.
Representando o “fine dining”, Rafa Costa e Silva, do Lasai; Thomas Troisgros, com seu Oseille, e Felipe Bronze, com o Oro, levaram a cozinha estrelada do Rio para o auditório principal, gigantesco, que acomoda 1800 pessoas. No estande do Brasil, Danilo Parah, Elia Schramm e Luciana Berry faziam malabarismos para servir os mais de 14.000 visitantes do evento, com picadinho, açaí, feijoada, pão de queijo e que tais.
Um dos desafios do Rio de Janeiro em suas consolidação como destino gastronômico é a fragilidade dos pilares que, sabidamente, atraem o viajante: o primeiro, a identidade (uma clareza do que é a nossa história no prato, o que nos faz únicos, e também de quais são nossos produtos artesanais de excelência); o segundo, a sustentabilidade, uma preocupação global que ainda não bateu ponto na nossa cadeia de fornecimento.
Há muito, pesquisas apontam que, sem isso, o turista gastronômico que enriquece outros destinos não se sente motivado a cruzar o Atlântico. É ele que está disposto a gastar de segunda no almoço ao domingo no jantar, não o cliente local, de fim de semana. Além do mais, com este câmbio, estamos de graça.
Nas casas de pintxos de San Sebastián, por exemplo, se pode encontrar anchovas do Cantábrico, dos produtos mais nobres e deliciosos do planeta; todo garçom sabe que a época da lubina (robalo) é de junho a setembro; tem na ponta da língua que a ovelha latxa, local, faz os melhores queijos da região; e se orgulha que um petisco para se comer em pé pode vir com os melhores cogumelos da temporada. Nos nossos botequins, infelizmente, e com raríssimas exceções, abunda a comida industrializada, peixes de pesca industrial e não há nenhuma noção de safra.
Estamos a dez horas de voo dos países que mais viajam. Precisamos chamar a atenção do público que gosta de comer.
Nossos ingredientes únicos, como os méis das abelhas sem ferrão que circulam pela floresta que cerca a cidade, já despontam nos cardápios da alta gastronomia, como mostrou Thomas Troigros, amante das abelhas nativas, em sua palestra. A horta de Rafa Costa e Silva no Vale das Videiras é prova de sua cultura de quilômetro zero – tudo é do Estado do Rio – e o lardo de porco nativo curado por meses com especiarias da Mata Atlântica, da Porco Alado, foi apresentado pelo chef como uma iguaria. Ostra e goiaba, ingredientes servidos na cidade desde o Brasil colonial, hoje tomam finas vestes e são a abertura do menu do Oro, o jeito de Felipe Bronze elevar a cozinha afetiva do carioca.
Fora dos estrelados, no entanto, seja no boteco ou no restaurante médio, temos muito que aprender com nossa nova irmã adotiva.
Não nos falta criatividade ou produto. Falta o “liga-ponto”, o apoio ao pescador e ao produtor artesanal, num país em que as redes de abastecimento, por logística, lobby e tantos outros motivos, tornam quase impossível a vida dos chefs que, heróicos – como manda nossa história – insistem em trabalhar com eles.
A falácia, que ouvi repetidas vezes, de que o industrializado é que permite as margens e a sobrevida dos negócios, é desfeita nas imensas filas das casas de pintxos, onde se come de pé, sem conforto algum, mas com produto impecável e preços compatíveis com o comércio justo.
Viajei com recursos do Instituto Bazzar, mas fui convidada por Dani Maia a fazer parte da delegação do Rio de Janeiro para dar o recado que a cidade é mais que a caricatura. Num congresso em que o tema era Tradição e Regeneração, falar de nossas pesquisas e mostrar quais dos nossos produtores e restaurantes têm práticas sustentáveis, foi emocionante e necessário.
Temos todo o “conjunto” para virarmos o destino mais completo do Brasil, inclusive na gastronomia, mas se não focarmos em qualidade ou apoiarmos a retaguarda para abandonar o culto à comida de pacote vinda de outros Estados, não conseguiremos entregar ao pequeno empreendedor carioca nem um centavo dos 80 bilhões de dólares que o turismo gastronômico movimenta hoje, no Mundo.
Que este esforço não morra, literalmente, na praia.
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