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Especial Israel

Israel tem uma longa história no cultivo da Vitis e na produção de vinhos que remonta muitos anos antes de Cristo. Está localizado na histórica região do Levante, conhecida como o crescente fértil, sendo uma das áreas do berço da Vitis conhecido pela ciência na atualidade. Por essas terras sempre houveram guerras, conflitos e longas disputas, onde passaram diversos povos e várias culturas diferentes. Durante 400 anos o Império Otomano dominou as terras onde está o estado de Israel e a região, dizimaram a cultura vínica milenar que existia, devido a sua religião e cultura ser avessa ao consumo de bebidas alcoólicas. No sítio arqueológico de Masada, que é um símbolo da resistência de Israel frente ao Império Romano existe uma exposição de peças utilizadas no dia a dia pelos judeus e há presença de ânforas onde se armazenavam e transportavam o vinho.

1. O Vinho e os Judeus

O vinho para os judeus tem uma grande importância como uma bebida sagrada, o utilizam no ritual religioso chamado Kiddush que significa santificação, onde exclamam a frase ” Bendito seja Deus, Deus do mundo, que produz fruta da Vitis“, também fazem a benção do pão neste mesmo momento de santificação. O vinho é consumido em celebrações de nascimento, de casamento, em todo o Sabbath, no Pesach (festa que celebra a libertação do povo de Israel da escravidão no Egito) e também no Purim (festa que celebra a salvação do povo judeu dos persas pela rainha Ester), nesta ultima festa é liberado consumir um pouco mais de vinho. Abaixo imagens de Kiddush Cups onde se consumiam vinho, peças expostAs no Museu do Povo Judeu em Tel-Aviv.

2. Breve Histórico e Dados Atualizados da Produção

No século XIX tem-se o primeiro documento registrado com a data 1848, de uma Adega que foi estabelecida por Rabbi Shore em Jerusalém. Em 1870 foi criado o primeiro Colégio de Agricultura Judeu que logo virou um exemplo e modelo para outros países. Em 1882 o Baron Edmond de Rothschild um grande banqueiro e dono do Château Lafite em Bordeaux na França começou a investir em áreas de produção de Vitis em Israel, criando a vinícola Carmel, no inicio começaram a produzir vinho kosher para enviar para os judeus espalhados pelo mundo, era um vinho de baixa qualidade e só a partir de 1960 começaram a produzir vinhos secos, dando assim os primeiros passos para levar o vinho de Israel ao mercado internacional de vinhos aos moldes dos vinhos franceses. A Golan Heights Winery também teve um papel fundamental no salto de qualidade dos vinhos produzidos em Israel, foi fundada em 1983.

Os dados atuais da produção de Vitis e de vinho em Israel pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho(OIV) de 2021 são de 12.011 ha de vinhedos plantados, com uma produção vínica que representa 0,1% da produção mundial, ficando na 37° posição, como exportador representa 0,1% ficando na 40° posição do mundo, como importador representa 0,1% localizando-se na 63° posição mundial e como consumidor os dados estão zerados 0,0% ficando na 97° posição dos países que produzem vinho. Apesar desses dados baixíssimos de produção em Israel a nível mundial, o país já conta com aproximadamente 300 vinícolas e que produzem cerca de 40 milhões de garrafas de vinhos que vem recebendo fortes elogios da crítica especializada como o Robert Parker e Hugh Johnson.

3. Terroirs Vitivinícolas

Apesar da área territorial do estado de Israel ser pequena, há uma enorme e rica variedade de tipos de terroirs ao qual a Vitis tem se desenvolvido expressando as suas essências de micro-climas, tipos de solos, dentre tantos outros fatores que possibilitam produzir uvas para produção vínica com qualidade e elevando a variedade de estilos de vinhos produzidos no país.

As Montanhas de Golã na Galiléia, bem ao norte do país fazendo fronteira com a Síria e o Líbano, o terroir apresenta-se com um clima de altitude, boas horas de sol, com a presença de ventos que refrescam e com ótima amplitude térmica, detalhe que as videiras adoram. No inverno pode nevar nessas áreas de produção. O solo é caracterizado por basalto vulcânico e tufo, com boa drenagem, os vinhedos estão implantados entre 400 e os 1200m em relação ao nível do mar.

Na região da Alta Galiléia apresenta um clima mediterrâneo, seco e fresco devido a altitude, há vinhedos implantados a 800 metros acima do nível do mar. Já mais próximo a costa a região de Samaria, apresenta o clima mediterrâneo típico, com verões bem quentes e muitas horas de sol. Nesta área concentram-se vinícolas bem importantes como a Margalit, a Tishbi, a Binyamina e também alguns vinhedos da Carmel.

Na região de Jerusalém próximo das montanhas, o clima caracteriza-se por ser mais quente, com um pouco mais de umidade. Algumas vinícolas produzem rótulos a partir deste terroir como a Carmel, a Barkan e a Karmei.

Nas colinas da região da Judeia, próximo a cidade de Jerusalém, apresenta o clima mediterrâneo que é através da altitude recebe um arrefecimento, apresenta solo calcário. Algumas vinícolas consideradas mais requintadas produzem e tem suas sedes neste terroir como a Castel, a Clos de Gat, a Flam e a Ella Valley.

Vinhedo no Deserto do Negev, Crédito de Imagem : Amit Elkayam para The New York Times

No deserto de Negev, sem dúvida a produção é algo espantoso, em pleno deserto Israel tem utilizado de muita tecnologia e expertise para produzir matérias-primas fantásticas para grandes vinhos. A temperatura gira em torno de 45°C no verão, o que em qualquer outro lado os vinhedos receberiam um verdadeiro escaldão quebrando facilmente a safra. Mas os vinhedos neste terroir são irrigados com equipamentos de altíssima tecnologia que trazem água do Mar da Galileia (lago de água doce) e do Mar Morto (alta salinidade) que está a 400 metros abaixo do nível do mar, através de muitos quilômetros de tubos e liberam água a partir de 30 cm abaixo do solo direto nas raizes a quantidade necessária e exata para que a videira não sofra com o estresse hídrico, a imagem que se vê do vinhedo no meio do deserto é que parece um oásis na paisagem com aquele ponto verde.

4. Castas Produzidas em Israel

Os vinhedos onde eram produzidas uvas para vinho na área onde é o estado de Israel foram todos destruídos pelos muçulmanos nos 400 anos de dominação deste território, não restando nenhum vestígio de castas autóctones. Com o retorno da produção foram implantados novos vinhedos com as castas francesas e que até os dias de hoje dominam a produção do país como Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Petit Verdot, Pinot Noir, Sauvignon Blanc e Chardonnay. Há um pequenino movimento ainda insipiente de tentativa de resgatar cepas que foram produzidas na região como com a casta Argaman, que acredita-se ser mais semelhante ao que se produzia antigamente, mas trata-se de um cruzamento das castas Mazuelo ou Carignan com a portuguesa Sousão.

5. Vinho Kosher e Vinho Kosher Mevushal

Kosher significa (apropriado / adequado) segundo o Kashrut que são as leis ou normas judaicas para os alimentos que estão aptos para serem consumidas pelos judeus. Um alimento para ser considerado Kosher, ele deve cumprir todas as exigências das leis judaicas e é identificado com as letras OU, de « Orthodox Union » e também com a letra U dentro de um círculo. No caso da produção de vinhos seguem alguns critérios descritos a seguir.

Vinhos Kosher, Crédito de Imagem: www.divinho.com.br/blog/vinhos-kosher/

A primeira vindima só pode ocorrer após o quarto ano de idade do vinhedo. Não é permitido o cultivo de outras variedades dentro dos vinhedos como outros vegetais e frutas. A cada sete anos deixa-se um ano a área do vinhedo descansar, é conhecido como o ano sabático. Todos os objetos como ferramentas e utensílios utilizados na produção vínica deve seguir as leis e ser kosher e estarem sempre higienizados. A partir daí só os judeu que seguem todos os preceitos religiosos podem manipular todos os ingredientes, ferramentas e o mostro. Somente eles podem tocar, experimentar e acima de tudo, comandar os processos, sempre supervisiona dos por um rabino. Não é permitido adicionar leveduras e outros compostos utilizados como os clarificantes devem seguir as mesmas normas.

Após vinificado o vinho segue para o engarrafamento e também durante esses processos não é permitido o contato de um não-judeu com o vinho. Após engarrafado, o vinho é selado e autenticado como um vinho Kosher (conforme descrito acima) e qualquer outra pessoa poderá tocá-lo, mas somente poderá ser aberto e servido por um judeu. 

A religião judaica não permite e não aprova nenhum tipo de idolatria, e como os povos pagão antigos tinham rituais de oferecer vinhos aos deuses como os gregos à Dionísio e os romanos à Baco eram vistos como povos e pessoas impuras. E para solucionar o problema de que só um judeu seguidor de todos os preceitos poderia abrir um vinho Kosher surgiu o « kosher Mevushal » que significa « fervido » em hebraico, uma espécie de “flexibilidade da lei judaica”. Este vinho Kosher passa por um processo de pasteurização e a partir daí outros judeus possam beber o vinho servidos inclusives por não judeus,  sem ter o risco de estarem infringindo as normas. 

6. Considerações Finais

A cultura vínica é um tema que me fascina, através dela viajamos na história, nas mais diversas culturas, na geopolítica, nas religiões e em tantos outros assuntos que fazem parte deste universo ao qual o vinho esteve e está inserido. Fazendo esta viagem a Israel pude além de aumentar o meu background de conhecimentos in loco sobre o país, pude também fazer importantes reflexões de como nós seres humanos somos capazes de dizimar culturas milenares de povos, e como nós seres humanos somos também capazes de nos reinventarmos e ultrapassarmos as mais brutais dificuldades como por exemplo a de produzir cepas no deserto do Negev.

Gostaria de fazer um agradecimento especial ao judeu e produtor de vinhos Tony Hunter, que contribuiu com uma riqueza e detalhes de informações sobre a cultura, os hábitos e o vinho em Israel.

Tony Hunter e Dayane Casal – Israel, 2023

Espero que este artigo tenha contribuído com o aumento da sua cultura vínica e que você tenha gostado caro leitor, convido você a degustar os vinhos de Israel que já estão disponíveis para compra em muitos países, desejo boas provas.

Saúde ! L’CHAIM!

Fonte:

Mundo dos Vinhos por Dayane Casal