Como segundo maior produtor de vinhos da América do Sul, atrás apenas da Argentina, e o quarto maior exportador do mundo, o Chile tem uma enorme diversidade produtiva. Há castas clássicas, como a tinta Cabernet Sauvignon, presente nos principais rótulos chilenos, especialmente os de alta gama, e a branca Sauvignon Blanc, que encontrou as condições ideais para a produção de vinhos frescos. Há também outras menos populares, como a País (conhecida como Listán Pietro na Espanha), trazida pelos imigrantes há centenas de anos e que nos últimos anos vem sendo usada em tintos naturais de perfil mais rústico. Nenhuma variedade, no entanto, ficou tão associada ao país quanto a Carménère.
Sua história é curiosa. A uva é natural da França, um cruzamento entre Cabernet Franc e Gros Cabernet, e foi muito plantada na região de Médoc, no sudoeste do país. No século 18 era usada nos vinhos de maior qualidade, mas foi praticamente abandonada após a invasão provocada pela praga Phylloxera na década de 1870, responsável por devastar os vinhedos europeus. Havia sido trazida para o Chile um pouco antes, na metade do século 19, junto com outra variedade bastante popular, Merlot. Diziam que os viticultores chilenos confundiram as duas e pensaram que tinham apenas Merlot em seus vinhedos, mas a realidade é um pouco diferente. Eles reconheceram as diferenças, mas chamavam a Carménère de Merlot Chileno. Só testes de DNA recentes mostraram o parentesco original. A variedade tem ainda outra característica: na hora da colheita, sua folha, normalmente verde, ganha uma coloração avermelhada.
Apesar de seu pedigree, ela é vista com certo preconceito por sommeliers, críticos e até por viticultores. O motivo é a presença de notas herbáceas que podem remeter a pimentões e tomates, nem sempre tão agradáveis. Esses aromas aparecem quando a uva é colhida antes de estar totalmente madura. Mas no Chile, principalmente na região de Peumo, terroir mais indicado para seu plantio, a uva encontrou o clima quente e seco e os solos ricos em argila que oferecem condições ideais para que ela se desenvolva totalmente.
O primeiro grande Carménère do Chile, Terrunyo, foi lançado em 1998. Produzido pela gigante Concha Y Toro em alguns de seus vinhedos mais antigos, de 1990, tornou-se referência ao mostrar o potencial da uva para vinhos elegantes, com enorme potencial de guarda. Hoje, é feita a partir de uma seleção de microlotes dentro de três hectares. A safra mais recente, 2021, recebeu 97 pontos no Descorchados 2023, mais importante guia de vinhos da América do Sul, e foi eleito o Melhor Carménère do ano. Degustada agora, a safra 2018 mostra um perfil de frutas vermelhas maduras, notas de chocolate e café, textura suculenta e uma acidez que garante longevidade.
A Concha Y Toro também produz outro Carménère famoso, o Carmín de Peumo. Assim como o Terrunyo, a produção fica sob o comando do enólogo Marcio Ramírez. As uvas são provenientes do vinhedo mais antigo da vinícola em Peumo, plantado em 1987. O vinho passa 13 meses em barricas (sendo 85% delas novas), e o blend conta com uma pequena parte de cabernet franc (5%) e merlot (5%). Em visita ao Brasil, Ramírez contou que há algum tempo o blend era feito com cabernet sauvignon, mas suas potentes características interferiam no resultado, e nos últimos anos ele vem fazendo a substituição por cabernet franc, mais amigável. O resultado é um vinho elegante de aromas intensos de fruta fresca, textura sedosa e notas integradas da madeira. A safra 2020 recebeu 95 pontos no Descorchados.
Os dois vinhos fazem parte da Cellar Collection, linha de rótulos premium da vinícola. Além de Terrunyo e Carmín de Peumo, inclui Amelia, com um Chardonnay e um Pinot Noir produzidos no Valle de Limarí; Gravas, com um Cabernet Sauvignon e um Syrah produzidos em Maipo; e o trio que compõem a série Concha Y Toro, sendo dois Cabernet Sauvignon e um Syrah.
Mas não são os únicos grandes Carménère feitos no Chile. A uva também entra em alguns dos blends mais importantes do país, sendo o Almaviva o mais notório deles. Na safra 2020, a mais recente do lendário rótulo produzido pela parceria entre a própria Concha Y Toro e a companhia Baron Philippe de Rothschild (dono do Château Mouton Rothschild, de Bordeaux), a Carménère representa 24% do blend. Entra também em outro rótulo icônico, Neyen Espíritu de Alpata, feito pela Neyan Alpata Estate. Mistura de 50% Carménère e 50% Cabernet Sauvignon, foi escolhido a melhor mescla tinta na última edição do Descorchados.
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