O ritual não é nenhuma novidade, mas ainda intriga muita gente. Você escolhe um vinho da carta do restaurante, o garçom ou sommelier traz a garrafa para que seja examinada, abre, mostra a rolha e oferece uma pequena amostra para degustação. O provador observa a cor, sente os aromas e experimenta a bebida. Depois da aprovação, todos são servidos. Mas, e se neste exato momento, depois de toda a cena, você descobrir que não era exatamente o que gostaria de beber? O que fazer?
Há algumas considerações a serem feitas. A primeira é: não gostar do vinho não é motivo para devolvê-lo. Por isso, antes de pedir uma garrafa de algum estilo ou uma uva que você não conhece peça uma taça desse vinho: há muito estabelecimentos com ótimas opções em taças. Outro bom caminho para evitar surpresas é conversar com o sommelier, dizer quais são as uvas que você normalmente gosta e o tipo de vinho que busca: se é mais leve, mais encorpado, em que a madeira se sobressaia… Por fim, ou para começar a conversa, não há constrangimento nenhum em falar qual o valor que pretende investir. Há ótimos vinhos em diferentes faixas de preço com vinificações primorosas e boa parte dos restaurantes atuais não adota (ou não deveriam mais adotar) markups extorsivos.
Eu mesma já ouvi história de gente esperando de um Brunello 2014 a mesma sensação em boca de um Malbec, estilo Catena Zapata 2020. Isso não vai acontecer, não porque o vinho é ruim, mas porque não é o mesmo estilo de vinho. Esse ícone italiano tende a ficar mais afinado e delicado com o tempo, a fruta não fica tão viva, o vermelho rubi dá lugar a um castanho-avermelhado e nem pense em abrir, colocar na taça e tomar. Esse vinho precisa de pelo menos uma hora de decanter, para que aerar e liberar todos seus aromas e sabores. Sem isso, pode ter certeza que irá pagar caro por uma experiência nada agradável. Quem pode te salvar de um fiasco desses? O sommelier, sempre. Para esses vinhos mais caros, nos lugares mais elegantes, este profissional costuma fazer uma pequena prova antes mesmo de oferecer o vinho ao cliente — então, se há algum defeito, ele já substitui a garrafa.
Há ainda outro quesito que costuma confundir quem está entrando no mundo do vinho, como explica o enófilo carioca Thomas Sampaio, ou “@ojovemdovinho”: a diferença entre falha e defeito. “Falhas deixam os vinhos menos perfeitos, pode ser uma safra que tem a acidez diminuída, ele estar mais curto em boca que significa menos persistência, até acidez volátil (um leve vinagre no nariz)”, diz ele. Essas características podem ser qualidade em algumas vinificações, mas defeito para alguns livros, e imperceptível para a maioria dos mortais. Como o vinho é algo vivo, essas pequenas alterações são aceitáveis e até esperadas. Para a turma do vinho natural, que não permite correções com compostos enológicos durante a vinificação, essas falhas podem ser comuns e até o mesmo vinho pode entregar características diferentes de uma garrafa para outra.
DEFEITOS IMPERDOÁVEIS
Já os defeitos são claros e, estes sim, motivo de devolução do vinho. O primeiro e mais evidente é um odor de papelão molhado, meia suja e até bicho morto. Sim, o TCA (tricloroanisol) é bem desagradável, mas não é perigoso. É um fungo proveniente das rolhas de cortiça. Vinhos contaminados com a “doença da rolha” são chamados de bouchonné (procunia-se bôchonê). Quando mais você gira a taça, quanto mais se aera o vinho, mais esses “perfumes” ficam evidentes. Se o cheiro lembrar acetona ou vinagre, provavelmente ele está oxidado. Em doses adequadas o processo de oxidação pode dar complexidade ao vinho, mas se o enólogo erra na mão é impossível bebê-lo. O contato excessivo com o oxigênio pode acontecer na vinificação e mesmo após o engarrafamento. Ele também pode ser responsável por alterar a cor dos vinhos, os brancos ficam mais dourados e o tintos amarronzados. Mas, atenção, existem técnicas que podem mudar o tom da cor de alguns vinhos como a bâtonnage, que de maneira simplificada significa mexer com bastão recipiente em que no vinho descansa em contato com as cascas. Esse processo tende a deixar o vinho com ainda mais vivo e com aromas característicos, mas nunca de acetona, pode estar certo. A lista de aromas desagradáveis é tão extensa quanto a das frutas e compotas que se ouve por aí: fósforo queimado, suor de cavalo. Há ainda o vinho “cozido”, um defeito bem comum em estabelecimentos comerciais que colocam suas ofertas nas vitrines ou pilhas nas portas das lojas (mercados bem elegantes fazem isso), e as altas temperaturas por longos períodos deixam o vinho “cansado”, sem frescor, corpo ou personalidade.
Ninguém é obrigado a tomar vinho defeituoso, mas saber identificá-los pode ser a maneira mais elegante e eficaz de evitá-los. Agora, se você não gostou e o vinho está ótimo, a casa não tem obrigação de trocar a garrafa. Por isso, uma conversa franca sem afetação com o sommelier pode salvar a noite e evitar muito aborrecimentos.
A seguir, um manual rápido de como avaliar o vinho que chega a sua mesa:
- Examine o rótulo: manchas ou queimados podem dizer muito sobre como o vinho está sendo guardado. Excesso de umidade, de calor, luz incidindo sobre a garrafa ou guarda inadequada podem ser percebidos facilmente através do rótulo.
- As safras: a maioria dos vinhos que se produz hoje devem ser consumidos jovens, um pequeno percentual, menos de 10% são os longevos e de guarda, portanto para os brancos 2 anos é uma boa linha de corte e para os tintos de 3 a 4 anos eles ainda estão vivos e vibrantes.
- Vinho é um ser vivo, por isso pode ter algumas alterações, nem todas são defeitos. Menos ou mais acidez, menos ou mais persistência, são características esperadas, a depender das safras.
- Defeitos são muito evidentes e motivo para devolução sempre: cheiro de papelão, acetona, fósforo queimado e vinagre são os mais fáceis de identificar.
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