Posted on

As Bolhas Mágicas de Baco

Elas são sinônimo de celebração, charme, elegância, prazer e um belo convite a desbravar o Mundo de Baco. As perlages derivam da palavra perle do francês que significa pérolas. Essas bolhas mágicas e lindas são o resultado do desprendimento do gás carbônico que é produzido naturalmente através da segunda fermentação do vinho espumante. Podem ter inúmeras variações em quantidades, estilos, persistência e percepção sensorial em boca, isso dependendo do estilo do vinho espumante, como ele foi vinificado e estagiado. A partir de um vinho base de baixa graduação alcoólica, açúcar e leveduras essa bebida é transformada magicamente num dos vinhos mais elegantes e famosos do mundo.

As taças ou copos que o vinho espumante é servido podem alterar a análise visual das bolhas mágicas, devido o tipo de limpeza que a grande maioria desses instrumentos vínicos são submetidos, por vezes deixando resíduos invisíveis aos olhos. Já a prova gustativa podemos avaliar na perfeição a cremosidade ou delicadeza das perlages ou se elas são demasiadas agressivas. Mas independente do tipo de espumante, uma coisa é certa, quase todas as pessoas nos mais diferentes continentes comemoram a passagem do ano com as Bolhas Mágicas de Baco nas mãos.

1. A Descoberta das Bolhas Mágicas

A história conta que foi o Dom Pérignon que teve o grande feito em descobrir essas bolhas mágicas, deixando a célebre frase após degustar o tal vinho diferente “Estou bebendo estrelas“. A realidade é que ele era um monge beneditino responsável pela tesouraria da abadia de Hautvillers no século XVII, e foi incumbido de resolver um problema nas finanças da igreja causada pela desvalorização e a perda dos vinhos produzidos ali nesta área tradicional de produção de vinhos tranquilos brancos e tintos. Os vinhos eram na altura guardados e transportados em tonéis e na época da primavera quando as temperaturas subiam tendiam a efervescência, fator limitante de qualidade e de grande perda. Logo em 1680 os ingleses inventaram as garrafas de vidro e em seguida os vinhos passaram a ser comercializados dentro desta nova invenção. Então surgiu um outro problema, as garrafas começaram a explodir, levando o monge a se dedicar intensivamente ao estudo do fenômeno da segunda fermentação. Pediu ao fornecedor reforçar o fundo das garrafas e assim solucionou o problema das explosões.

Ele teve um dos papéis mais importantes na concepção do vinho atual Champagne e do Método Champenoise, com vários contributos desde a assemblagle, a utilização das rolhas de cortiças e o uso das enormes caves nos subsolos da região para estagiar os vinhos. Há quem o considere que ele foi um grande gênio para a história do Mundo dos Vinhos.

2. Métodos de Produção

2.1.Método Champenoise / Método Tradicional

Esse é o método mais utilizado para a produção dos melhores espumantes, os considerados de qualidade superior e mais valorizados pelo mercado. Consiste em a partir de um vinho base que pode ou não ter efetuado a transformação malolática, é submetido a um loteamento e em seguida ele é engarrafado para ser submetido a segunda fermentação na própria garrafa em que ele será comercializado e pode ou não ser adicionado o licor de tiragem, coloca-se o vedante na garrafa, segue para o descanso do vinho sur lies, após o período estabelecido ele passa pela remuage, dégorgement, adição do licor de expedição, coloca-se a rolha definitiva, muselet e rótulo. O tempo de contato com as borras lhe adiciona mais complexidade e elegância.

2.2.Método Charmat ou Método de Tanque

O método de tanque é amplamente utilizado por diversos produtores em vários países do mundo, esse método permite produzir de forma mais rápida e mais homogênea grandes lotes de espumantes de boa qualidade. Após o loteamento é adicionado o licor de tiragem, a segunda fermentação acontece em grandes tanque especiais que conseguem reter o gás carbônico, o vinho é em seguida filtrado, adicionado o licor de expedição, engarrafado, coloca-se a rolha, muselet e rótulo.

2.3.Método Transferência

No de transferência após o loteamento é logo engarrafado e adicionado o licor de tiragem, a segunda fermentação acontece em garrafa em contato com borras, após o período estabelecido as garrafas são esvaziadas num grande tanque especial que retém o gás carbônico, onde em seguida o vinho segue para uma rápida filtração e depois adicionado o licor de expedição, engarrafamento, coloca-se a rolha, muselet e rótulo. Esse método apresenta geralmente a descrição no rótulo que diz foi fermentado em garrafa, e diminui os custos do processo do método tradicional com a remuage e o dégorgement.

2.4.Método Asti

É um método utilizado em Asti, na região de Piedmonte no norte da Itália. Consiste em utilizar um mostro de uva que foi esfriado e armazenado até a decisão da sua utilização. Quando se decide começar a preparação ele passa por uma fermentação parcial em tanques especiais que primeiramente se deixa escapar o gás carbônico e na metade da fermentação alcoólica se veda o tanque no intuito de reter um pouco de gás no vinho, em seguida o vinho é esfriado e filtrado, seguindo para o engarrafamento, coloca-se a rolha, muselet e rótulo. Essa forma de produção é destinada para vinhos doces e com riqueza de aromas da fruta.

3. As Bolhas Pelo Mundo

3.1. França

O Champagne é o nome mais conhecido no mundo das bolhas, recebe esse nome devido a região onde ele é produzido, a lindíssima região de Champagne na França, essa está subdivida em cinco, a Montagne de Reims, o Vallée de la Marne, a Côte des Blancs, a Côte de Sézanne e a Côte des Bar. Os vinhos são produzidos pelo Método Champenoise e as castas utilizadas são a Pinot Noir, a Chardonnay e a Pinot Meunier. Possui um terroir que favorece uma excelente produção deste tipo de vinho com um clima continental fresco onde há um baixo nível de teor de açúcar e alta acidez nas uvas que são plantadas em solos de encostas e de composição giz. Outros vinhos espumantes são produzidos na França, mas com outras denominações e termos devido não estarem dentro da região de Champagne como por exemplo os Crémant d’Alsace, os Crémant de Bourgogne, os Crémant de Loire e os espumantes produzidos em Saumur e Vouvray.

3.2. Espanha

O Cava é uma Denominação de Origem (D.O.) da Espanha, apresenta aspectos interessantes pois abrange áreas geográficas espanholas não contínuas, a região da Catalúnia é a principal produtora sobretudo na cidade de Sant Sadurní d’Anoia, mas em Navarra, Rioja e Valencia também eles são produzidos. A produção é pelo Método Tradicional e cumprem o mínimo de estágio de 9 meses sobre borras. As castas utilizadas são a Macabeo também conhecida como Viura, a Xarel-lo, a Parellada, a Garnacha, a Monastrell e também as francesas Pinot Noir e Chardonnay. São vinhos de modo geral secos e com uma acidez média, fator diferenciador dos Champagnes franceses que possuem uma alta acidez podendo durar muitos anos em garrafa.

3.3. Itália

Na Itália há três famosas D.O. de vinhos espumosos, o Franciacorta, o Prosecco e o Asti. São bem diferentes em termos de produção, castas utilizadas, terroirs e sobretudo o próprio produto final. O Franciacorta é produzido no norte do país na região Franciacorta através do Método Tradicional com as castas Chardonnay, Pinot Noir, Pinot Blanc e Erbamat, possui alta acidez, excelente notas aromáticas e boa capacidade de guarda. O Prosecco é produzido no Veneto, em Friuli e em Conegliano-Valdobbiadene DOCG, a casta Glera é a utilizada para a produção em Método de Tanque, possuem acidez média e aromas de frutas frescas maçã verde e melão, apresentam algum teor residual de açúcar apesar de serem elaborados seco, extra seco e bruto e são produzidos para serem consumidos rapidamente. O Asti é uma DOCG da região de Piemonte, são vinhos produzidos pelo Método Asti que consiste em uma fermentação parcial do mostro seguida do arrefecimento e filtração, são vinhos doces produzidos com a casta Muscat Blanc à Petits Grains, com aromas exuberantes de frutas como pêssego e notas floradas, possuem o nível baixo de álcool.

3.4. Alemanha

A Alemanha apresenta o maior consumo per capita de vinhos espumantes do mundo, e claro que os germanos consomem o seu Sekt majoritariamente, é vinho espumante produzido em Método Tanque onde utilizam vinhos bases franceses ou italianos e os beneficiam na Alemanha. Existem os Deutscher Sekt que devem ser produzidos utilizando uva Riesling e vinhos bases produzidos na Alemanha e os Deutscher Sekt bA, são os produzidos a partir de uma região de qualidade Alemã como exemplo o Mosel. Raridades podem ser encontradas produzidos através do Método Tradicional.

3.5. Portugal

Em Portugal 2/3 dos espumantes são produzidos na região da Bairrada que fica no centro do país, possui um microclima favorável para produção desses vinhos, a casta Baga é amplamente utilizada, mas variedades internacionais como a Chardonnay e a Pinot Noir também podem fazer parte do corte, eles podem ser produzidos pelo Método Tradicional ou também pelo Método Charmat. Há vinhos espumantes produzidos com extraordinária qualidade técnica e com enorme potencial de guarda. Outra região portuguesa que tem produz belíssimos espumantes é Tavara-Varosa e em menor escala o Douro e o Tejo, com castas variadas e Métodos similares aos da Bairrada.

3.6. Brasil

O Brasil acaba de receber a única Denominação de Origem específica de espumantes do Novo Mundo, a D.O. Altos de Pinto Bandeira, mas os espumantes são produzidos em diversos regiões do país como em várias áreas da Serra Gaúcha, Serra de Santa Catarina e no Nordeste brasileiro. São produzidos com castas variadas e também por Método Tradicional e Método Charmat. Não é novidade o grande destaque que os vinhos espumantes brasileiros tem ocupado no cenário de grande produtor mundial de qualidade e muito consumido também pelos próprios brasileiros, onde o mercado está em alta.

3.7. Outros Países do Novo Mundo

Diversos países vitivinícolas no mundo também produzem vinhos espumantes como a Austrália, Nova Zelândia, EUA e África do Sul, com diferentes castas, estilos e métodos de produção, evidenciando a versatilidade geográfica e a qualidade que as Bolhas Mágicas de Baco podem ser produzidas e apreciadas pelos winelovers desse estilo de vinho.

4.Tipos de Bolhas

4.1. Leves Refrescantes

Os espumantes leves e refrescantes geralmente são produzidos pelos métodos Charmat ou Asti. Nesse estilo de vinho espumoso o produtor ou o técnico busca preservar os aromas primários da fruta. Geralmente são consumidos em grandes quantidades em países de clima tropical por serem fácil de degustar e poderem serem bebidos até sem a companhia de alimento.

4.2. Clássicas

Os espumantes clássicos são os vinhos produzidos pelo método Tradicional, onde a complexidade, corpo e elegância dos vinhos são o foco principal. Existem uma variedade enorme de aromas e sabores que podem ter e com isso tornam-se mais gastronômicos também.

4.3. Envelhecidas

Há alguns produtores que usam o tempo a favor de produzirem raros vinhos com maior tempo de estágio ou autólise, esse contato maior com as borras produzem aromas ricos, complexos e que deixam muitos especialistas em vinhos completamente extasiados. São apreciados em momentos especiais, geralmente com pessoas que apreciam vinhos diferenciados e sofisticados.

4.4. Quanto a Cor (Tinto, Branco ou Rosé)

A linda cor de um espumante pode dizer muito sobre o vinho ou absolutamente nada. Existem espumantes tintos, brancos e rosés. Na Australia os espumantes tintos são muito consumidos, lá o produzem com as castas Shiraz, Cabernet Sauvignon e Merlot, já na Bairrada em Portugal eles são produzidos com a casta Baga. Há a nomenclatura francesa Blanc de Noir que é a designação de que o espumante foi produzido com a casta tinta parcial ou total e é apresentado com a cor branca. A evolução ou envelhecimento de um espumante pode também alterar a sua cor inicial. Os tons dos espumantes rosés podem variar bastante e em algumas entidades reguladoras estabelecem os níveis de cor que o espumante rosé pode ter para obter a certificação, como exemplo os Baga-Bairrada.

4.5. Quanto a Doçura

Há diferenças de escala de doçura para espumantes em diversos países, na União Europeia existem sete termos que são marcados pelo teor de açúcar, já no Brasil são seis.

Termos de Rotulagem Nível de Açúcar Residual (g/L)
Bruto Nature 0-3 g/L
Extra Bruto 0-6 g/L
Bruto 0-12 g/L
Extra-Seco 12-17 g/L
Seco 17-32 g/L
Semi-Seco 32-50 g/L
Doce acima de 50 g/L
*Tabela de termos para o teor de açúcar nos espumantes (União Europeia)

______________________________________

Termos de Rotulagem Nível de Açúcar Residual (g/L)
Bruto Nature 0-3 g/L
Extra Bruto 3.1 à 8 g/L
Bruto 8.1 à 15 g/L
Seco 15.1 à 20 g/L
Semi-Doce 20.1-60g/L
Doce acima de 60 g/L
*Tabela de termos para o teor de açúcar nos espumantes (Brasil)

5. Serviços

Um dos detalhes mais importantes para um serviço de vinho espumante é a atenção a temperatura. Champagne, Cava, Asti e Espumantes de modo geral devem ser servidos entre as temperaturas de 6-8°C, alguns vinhos espumantes mais raros podem ter a exceção de serem servidos numa temperatura de 8-10°C onde os aromas mais complexos podem ser melhor avaliados e percebidos em prova, mas na dúvida melhor servir na primeira temperatura e logo na própria taça poderá chegar a temperatura ótima.

Outro aspecto importante é a abertura da garrafa, deve-se retirar o lacre, abrir as voltas do muselet e em seguida segurar firmemente com o dedo polegar apoiado com a mão a rolha e girar vagarosamente com a outra mão a garrafa, fazendo o menor barulho possível de explosão, grandes e experientes degustadores não fazem barulho e nem desperdiçam nenhuma gota do vinho na abertura.

Muitas vezes o contexto de serviço de espumante pode variar segundo o local, a quantidade de pessoas e até a ocasião, mas o correto é inclinar levemente a taça servir o vinho 2/3 da taça, atenção ao segurar a taça de vinho sempre pela base ou através da haste, nunca pelo bojo para não comprometer a temperatura de serviço, não deixar marcas de dedos e sobretudo para não transmitir deselegância e desconhecimento vínico. Ninguém fala nada, mas quando há alguém no ambiente segurando a taça de vinho pelo bojo, todas as pessoas conhecedoras do Mundo de Baco já sabem que aquela pessoa não entende de vinhos.

6. Sugestões de Harmonizações com as Bolhas Mágicas

A bebida de Baco rica em borbulhas é sem dúvida extremamente versátil, podendo acompanhar toda a refeição desde os aperitivos até a sobremesa. Existem algumas variações de harmonização que podem ser utilizadas observando em primeiro lugar o ingrediente principal do alimento e assim procurar escolher um vinho espumante que melhor case com a comida. Vinhos espumantes rosés são uma excelente pedida para acompanhar canapés de salmão ou camarões. Espumantes com mais corpo e mais complexos podem harmonizar com um Chester Assado. Um espumante tinto pode harmonizar com suíno, cordeiro, embutidos, pratos de carne e até uma pizza. Para brilhar com uma sobremesa os espumantes a base da casta Moscatel são impecáveis para quem gosta dos doces, mas a harmonização por contraste no caso de uma sobremesa casa muito bem com um espumante bruto ou extra-bruto.

7. O Vinho da Celebração

O vinho da celebração é quase universal, ele é sinônimo de alegria e está sempre presente em festas familiares, casamentos, batizados mas sobretudo no réveillon a sua presença é garantida. Gostaria de partilhar com você leitor que este meu artigo é o de número 100 neste blog e portanto nada melhor do que unir a celebração deste momento especial para mim a da hora da virada que está batendo a porta, para celebrarmos juntos as conquistas até aqui, convido você para elevar pensamentos positivos para um novo ano que está entrando, que ele possa ser rico de saúde e conquistas à você leitor. Desde já agradeço todos os feedbacks de você leitor interessado na Cultura Vínica e pela atenção as minhas palavras escritas sobre este delicioso Mundo de Baco.

Feliz Ano Novo !!!

Fonte:

Mundo dos Vinhos por Dayane Casal