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A receita de uma das vinícolas mais admiradas e copiadas do mundo

O empresário brasileiro Ciro Lilla havia acabado de adquirir a importadora Mistral quando provou pela primeira vez um branco da Catena Zapata, na Vinexpo, na cidade de Paris, em 1993. Teve um baque na hora. A bebida oferecida em um pequeno estande pela esposa de Nicolás Catena era muito superior aos reverenciados californianos daquele ano, além de ser uma surpresa diante da pouca fama que os vinhos argentinos tinham à época. A segunda prova foi um Cabernet Sauvignon e ali mesmo, em um guardanapo de papel, Ciro desenhou com os responsáveis pela produção o plano de negócio que faria da Mistral a primeira importadora da vinícola no mundo — o resto é história.

Após 30 anos de parceria, Otávio Lilla, filho de Ciro e sócio da importadora, participou de momentos que ajudam a construir o sucesso dessa marca no Brasil. Vibrou quando Catena Zapata bateu em degustações às cegas vinhos como o bordolês Château Latour e o californiano Opus One, conquistando seu espaço entre os melhores do mundo. “Quando fomos a Mendoza para inauguração da famosa pirâmide, a sede da vinícola, lembro que o tour pela cidade mostrava onde eram os bombeiros e nos levava até uma pracinha, porque ainda não havia nada por lá”, diverte-se Otávio.

Hoje, ela é uma das vinícola mais visitadas da cidade, certamente ajudando a impulsionar o grande centro enogastronômico que se tornou Mendonza, na Argentina. O sucesso global dos vinhos da Catena Zapata foi reconhecido pela crítica, na forma de inúmeros prêmios. Em 2025, por exemplo, acabou sendo eleita a marca de vinhos mais admirada, segundo ranking da publicação inglesa Drinks Internacional. Antes disso, em 2023,  já havia figurado no topo da lista das melhores vinícolas do ano pela World’s Best Vineyards. Em 2023 e 2025, o Guia Descorchados concedeu 100 pontos ao Adrianna Vineyard Mundus Bacillus Terrae 2022. Dessa forma, ele pode ser considerado bicampeão no “campeonato” de melhor vinho da América do Sul.

O que faz da Catena Zapata esse dínamo de premiações constantes? “Eles são inquietos, podiam descansar e apenas receber os louros desses anos de trabalho, mas estão sempre buscando se aprimorar, sempre de olho no que os vinhedos podem oferecer de melhor e não na busca do que o mercado quer”, diz Otávio, que se orgulha da sua relação próxima e afetuosa com a família argentina. O clã começou a produzir vinhos em Mendoza no início do século XX, pelas mãos de Nicolá Catena (não confundir com Nicolás Catena, o neto).

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Laura, Alejandro Vigil e Nicolás Catena: testes exaustivos até chegar ao produto finalReprodução/VEJA
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Seu neto, Nicolás Catena, foi o responsável pelo sucesso global do negócio. O objetivo dele era produzir em Mendoza vinhos capazes de competir com os grandes rótulos do mundo. A transformação começou a tomar corpo quando Nicolás levou os vinhedos para regiões mais altas e, de lá, surgiu o Malbec que colocou no mapa global a Catena Zapata. O salto da vinícola contou ainda com a participação de outros profissionais. A diversificação de produtos teve o toque de Alejandro Vigil, chefe de enologia da casa desde 2005.

As filhas do proprietário, Laura e Adrianna, também têm um papel importante no negócio. A primeira trabalhava em emergência nos Estados Unidos e, ao voltar para a Argentina, criou o instituto que estuda minúcias da vinificação em parceria com a Universidade de Daves. Adrianna, por sua vez, é uma historiadora que viveu muitos anos em Londres. Juntas, as irmãs são atualmente as responsáveis pelos rótulos da casa. Cada vinho saído de lá carrega junto com ele a história das cepas que forneceram a matéria-prima.

Essa rica história, por final, é um dos segredos da receita da Catena Zapata. “Os vinhedos são muito antigos e muito bem localizados porque foram pioneiros e plantados em diferentes tipos de solo e altitudes. Alguns deles foram comprados pelo pai do Nicolás”, diz Otávio Lilla, da Mistral. O clã também tem uma tradição de realizar testes e análises minuciosas até chegar ao resultado desejado. Alejandro Vigil, o enólogo da casa, conta que do vinhedo Adrianna, de onde saiu o 100 pontos Descorchados, houve ano que foram feitas 2.500 vinificações para entender o potencial dele, além de inúmeras calicatas (escavações feitas no solo para entender as características como textura e composição). Esse tipo de estudo ajuda a parcelar o vinhedo, técnica que “divide” uma grande área em seções menores, com características distintas de solo, exposição sola ou variedade de uva. Isso se chama atualmente de vinificação de precisão. O conhecimento aprofundado pode ainda mudar um blend ou até a espécie de uva que se planta no terreno. “Podemos dizer que esse vinhedo, o Adrianna, é responsável pela transformação e revolução da viticultura na Argentina”, diz o Vigil.

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O Adrianna, vinhedo responsável por uma revoluçãoDivulgação/VEJA

Na última quarta, 23, estive no lançamento de um novo rótulo da Catena Zapata, o chamado Birth of Cabernet, um 100% Cabernet Sauvignon que tem uvas de diversas parcelas e altitudes que foram combinados para um vinho austero, sem dúvida menos macio do que o Malbec, mas muito fresco e gastronômico. “Na casa de meu pai, quando se falava em vinhos bons era Cabernet Sauvignon e Nicolás há 20 anos me fala dessa cepa, que é a preferida dele”, conta Vigil. As experimentações dentro da vinícola não param. Já estão em testes um vinho sem álcool, que terá um leve frisante, e outro branco e rosé com 7% de percentual alcóolico, cerca de metade do que tem os Malbec convencionais.

NA MIRA DOS FALSIFICADORES

Todo esse sucesso produziu um efeito colateral, semelhante ao vivenciado por outras marcas famosas. Numa passagem icônica do filme que conta a história da família Gucci, por exemplo, ao se deparar com a multiplicação de réplicas, um dos membros do clã acalma os ânimos, dizendo que aquilo é um termômetro do quanto a marca é desejada. Com a Catena Zapata ocorre fenômeno igual. Ela está entre as marcas de vinhos mais copiadas e falsificadas da América do Sul. Para dificultar a vida dos bandidos, em parceria com a Mistral, a vinícola desenvolveu um selo de autenticidade difícil de ser replicado. Outro problema é o contrabando de produtos para o Brasil. “Em muitos casos, a carga roubada é desviada e revendida”, conta Otávio Lilla. Esses vinhos são levados para galpão agrícolas e armazenados junto de pesticidas e venenos. Depois, seguem para os fornecedores em situações extremamente precárias. “A rolha é um material poroso que pode absorver essas substâncias químicas. Sempre me surpreendo como é possível a pessoa colocar a saúde em risco por achar que está fazendo um bom negócio”, afirma o sócio da Mistral.

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Quando o dólar estava valendo quatro vezes menos para os argentinos, os “distribuidores” iam até a fronteira buscar esse tipo de carga. Com o dólar mais parelho e com uma série de medidas de repressão colocadas em prática nas províncias fronteiriças, Otávio acredita que essa onda tende a diminuir e não há como mais ter dúvidas sobre a procedência do produto. “O vinho tem selo holográfico e, quando comprado no Brasil, precisa ter o contra-rótulo da importadora. Isso garante que tem a verificação do governo para a entrada no país”, explica o empresário. “Por isso, quem compra vinho contrabandeado sabe o que está fazendo.” A Catena Zapata, aliás, recebe diariamente centenas de e-mails questionando se este ou aquele vinho é verdadeiro. Certamente quem faz esse tipo pergunta sabe onde comprou a garrafa e não deve estar com a nota fiscal em mãos.

O Catena Zapata tornou-se tão querido entre os brasileiros que muitos chamam carinhosamente de “cateninha” o famoso DV Catena, vinho que leva o nome do pai de Nicolás Catena, Domingos Vicente. Mas vale a pena experimentar outros rótulos para começar a entender a diversidade do trabalho dessa vinícola. Eu quero sugerir dois deles. A recém-lançada edição Catena Appellation Lunlunta (2022) nasceu de um vinhedo que fica em um cidade agrícola nos arredores de Mendoza. Esse vinhedo de mais de 120 anos, fica a 920 m de altitude e está em um solo único. O vinho extraído dali é de uma delicadeza ímpar. Trata-se de um Malbec (100%) fresco, leve, fácil de beber, mas com imenso potencial de guarda. Custa R$ 269,10 no Brasil. Agora, quer surpreender? Abra sem contar a procedência um Adrianna Chardonnay White Stones (R$ 1624). Otávio Lilla conta que fez isso num evento para especialistas nos anos 1990 e eles diziam que o vinho era um Borgonha. Na verdade, é um Chardonnay feito para competir com os grandes brancos do mundo — é muito complexo, profundo e pode acreditar, que vai te fazer muito feliz como uma manhã ensolarada de outono na frente de um mar calmo e claro.

Palavras desta colunista que ama o mar claro nas manhãs de temperatura amena.

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Fonte:

Vinho – VEJA