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A multiplicação dos chopes em novas fronteiras

Era um sábado em plena alta temporada europeia, e os turistas faziam fila na recém-­aberta filial da sanduicheria Casa Guedes, em Lisboa. Tudo corria bem, até que Antônio Rodrigues recebeu a notícia de que teria de encerrar o expediente mais cedo porque o esgoto estava entupido. “Perguntei onde era a tampa na rua, arrumei um ferro e uma marreta na obra ao lado e pedi que segurassem minhas pernas que eu ia descer.” Missão cumprida, e logo o proprietário, sujo e encharcado, recebia entusiasmados aplausos da clientela. A cena ilustra o modus operandi do cearense que aportou no Rio com 16 anos, sonhando ser garçom, e hoje é dono de mais de vinte estabelecimentos em dois continentes, incluindo a rede Belmonte. Além da fama de salvador da pátria boêmia, após ressuscitar patrimônios cariocas como Nova Capela, Amarelinho e Cervantes, Antônio está alçando novo e ambicioso voo, saltando das empadas de mesa no boteco ao rigoroso Azumi, agora no Leblon, cujo leme da cozinha ficará nas mãos de Alissa Ohara, antiga proprietária da família japonesa. Como se não bastasse, ele inaugurou, no fim de abril, o vistoso italiano Il Piccolo, abrigado em um dos últimos casarões da Avenida Vieira Souto.

arte gastronomia

Quando a reportagem de VEJA RIO foi a seu encontro, num fim de tarde “sob encomenda”, à frente do mar de Ipanema, Antônio tratava com um fornecedor de frutos do mar numa frenética troca de áudios no telefone, transmitia orientações a funcionários e resumia o espírito do negócio: “Deixar o cliente feliz com o atendimento é o ponto mais importante para a rentabilidade. Pode ser bar ou restaurante, a qualidade do serviço tem que ser a mesma”, afirma, com a convicção de quem ganhou fama multiplicando o faturamento de um bar falido no Flamengo. Na semana anterior à abertura da casa, uma cliente lhe perguntou, bem-humorada: “Nesse italiano vai ter empada de tiramisu?”. A piada acabou indo parar no convite para a estreia por ideia de Silvana, sua mulher, braço direito e decoradora do salão. A profícua fase sugere amadurecimento, revirando a bagagem das inúmeras viagens ao exterior que Antônio faz, sempre embaladas pela boa mesa. No início do ano, voou com a família para Nova York para ver o show da Madonna. Na Europa, frequenta estrelados restaurantes e, depois de hastear sua bandeira em Portugal, onde caminha com sócios para a quinta filial da Casa Guedes, avisa que pretende inaugurar um bar em Barcelona — seu lugar preferido no mundo para comer.

Na rede portuguesa, Antonio repete com louvor uma tática que foi decisiva para o sucesso do Belmonte no Brasil. Porém, no lugar das empadas, entram em cena os croquetes feitos com os descartes da cozinha envolvidos no preparo de um sanduíche de pernil com queijo de ovelha (que, aliás, ele levou ao menu do Cervantes). “Peguei as aparas da carne e a casquinha do queijo e fiz um croquete que passa na bandeja. É o que mais vende, não dá trabalho e dobra a fatura”, explica. O fôlego para seguir ampliando o leque vem de bem-sucedidas apostas, como a recuperação do tradicional Mosteiro, no Centro. No Leblon, onde já gastou mais de 1 milhão de reais para instalar janelas de proteção acústica em apartamentos vizinhos ao Belmonte e acabar com as justificadas reclamações, sua veia empreendedora mira a Pizzaria Guanabara. Um dos imóveis do ponto já é dele, e as conversas estão adiantadas para o regresso de mais um clássico. Planejando uma casa moderna de cafés e lanches que funcione 24 horas por dia, Antônio também avança nas tratativas com os donos da tradicional Padaria Ipanema. E tem um sonho: “Não perco a esperança e vou reabrir o Bar Luiz”.

Salvador da pátria boêmia: depois de Cervantes e outros bares, ele ressuscitou o Mosteiro
Salvador da pátria boêmia: depois de Cervantes e outros bares, ele ressuscitou o MosteiroDivulgação/Divulgação

A carga de trabalho é puxada, umas quinze horas por dia. Aos 55 anos, Antônio acorda às 5h20, faz café, vai para a academia, caminha e engata na labuta até a meia-noite, de quinta a domingo, visitando a cada dia o máximo de estabelecimentos que consegue. “Com vinte minutos em cada lugar, eu vejo coisas que ninguém está vendo, observo os detalhes”, conta. Ele aprecia cozinhar, se aventurando por um cardápio que vai da massa ao pesto a um polvo com brócolis e batata. Tudo orgânico, segundo ele, que não é muito chegado a petiscos e come carne apenas uma vez por semana. Em raros momentos de folga, ele não impõe restrições alimentares quando está nas mesas que admira, como a do concorrente Velho Adonis. “O An­tô­nio é um fenômeno não só pelo que faz pelos bares antigos, mas pelo quanto emprega e ensina aos funcionários. Ele domina todas as pontas do negócio”, avalia o empresário João Paulo Campos, responsável pela recuperação do Adonis, o histórico restaurante de Benfica.

Nascido em Hidrolândia, no Ceará, onde conta ter vendido uma ovelha para chegar ao Rio, Antônio morou em cortiço e trabalhou como faxineiro e garçom por uma década até virar dono de bar. O primeiro dos famosos foi o Carlitos, no Centro, com sua infalível batida de gengibre. Ao procurar apartamento na Zona Sul, Silvana, sua esposa, esbarrou com um antigo bar do Flamengo de nome Belmonte, que à época tentava passar o ponto. O investimento promoveu uma radical mudança de rumos. “Hoje, se eu quisesse abrir um negócio todo dia, tinha gente para botar dinheiro. Mas, para mim, um bar ou um restaurante é muito mais do que isso”, pondera. Buscando estreitar laços culturais, ele fez do Amarelinho, na Cinelândia, um local de bom samba com artistas como Nego Álvaro e a turma do Cacique de Ramos. Amigo de longa data, o músico Moacyr Luz volta e meia aparece para cantar. “Antônio tomou gosto pelos desafios impossíveis e recupera os bares com glamour. É o maior empresário de restaurantes do Rio”, elogia Moacyr, padrinho de consideração de Pedro, o primogênito do empresário. Hoje com 22 anos, ao lado dos dois irmãos gêmeos de 18, o jovem tem planos de abrir uma casa de música eletrônica para 3 000 pessoas. Se o pai aprova a ideia? “Acho ótimo e estou dentro”, avisa Antônio, com a cabeça sempre voltada para as cenas do próximo negócio.

Da lula ao chope

As dicas de viagem — e boa comida — de Antônio

Paco Meralgo
No Paco Meralgo, em Barcelona, não perde as lulas com feijão-branco./Divulgação

 

Peter Luger Steak House
Como melhor carne, em Nova York, ele elege a Peter Luger Steak House, no Brooklyn./Divulgação

 

Velho Adonis e o Braseiro da Gávea
No Rio, fica com pontos tradicionais, como o Velho Adonis e o Braseiro da GáveaTomás Rangel/Divulgação
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Fonte:

Comer & Beber – VEJA RIO