Uma saborosa e inusitada revolução cinzenta vem derrubando a ideia de que no mundo do vinho há pouco o que se inventar. Graças a uma técnica relativamente recente, alguns dos melhores rótulos internacionais são gestados hoje, literalmente, dentro de ovos de concreto, no lugar dos tradicionais barris de madeira. Nesses cilindros de cimento, alguns com cerca de 2 metros de altura e capacidade para cerca de 600 litros, o mosto (suco das uvas prensadas) fica em constante movimento, devido ao formato livre de quinas, além de o material permitir que haja micro-oxigenação. Os vinhos que passam pelo processo de fermentação nesses recipientes têm realçado o caráter das uvas. A técnica ainda potencializa uma maior percepção de aromas, de texturas e do terroir (o lugar de onde vêm as uvas). Em resumo, brotam desse sistema vinhos sem maquiagem.
A onda começou em 2001, quando o inquieto viticultor francês Michael Chapoutier, famoso pela maneira orgânica e biodinâmica de trabalhar, criou, em parceria com o designer Marc Nomblot, o primeiro ovo de concreto. Hoje, cada vez mais vinícolas em diferentes partes do mundo buscam esse recipiente tanto para brancos quanto para tintos. A técnica ajuda os produtos a se tornar mais refrescantes e a ter um caráter mais vibrante. Enquanto o envelhecimento em concreto ainda é pouco usual em Napa Valley, na Espanha tem crescido muito, o que remete à tradição ancestral do Velho Continente. “Talvez o fato de o vinho mais caro de Boudeaux, o Petrus, sempre ter sido fermentado em concreto tenha encorajado esse fenômeno”, disse a especialista britânica Jancis Robinson, uma das mais influentes críticas de vinhos da atualidade, em artigo para FT Magazine, a revista do Financial Times.
Poucas foram as cepas que ainda não experimentaram a passagem pelos ovos de concreto. Quem imaginaria que um 100% Malbec poderia ser fresco e tão alegre quanto o Electrico, da Vinã Los Chocos, de Mendoza? E que, depois de dez meses no concreto, seus 15% de álcool ficariam quase imperceptíveis na boca? O que sobra é um frescor imenso e muita fruta. Há também exemplares deliciosos com a uva branca Sémillion, Monastrel, Cinsault e Garnacha. No Brasil, a Vinícola Guaspari, de Espírito Santo do Pinhal, em São Paulo, usa ovos de concreto para vinificar Sauvignon Blanc. Há vinícolas que para afinar, principalmente tintos, ainda fazem passagem por barris grandes de carvalho, para evitar qualquer tostado ou amadeirado no sabor, e assim preservar a potência de sabor e vivacidade no vinho.
A era dos ovos de concreto acrescenta um novo capítulo à fascinante história da evolução dos recipientes que embalaram a produção vinícola ao longo dos tempos. No princípio era o barro. Os jarros e vasos desse material eram os recipientes usados desde os fenícios e gregos para guardar e transportar o vinho. Na Georgia, berço do vinho, ainda nos dias de hoje utiliza-se qvevri, uma ânfora de argila, na vinificação. Mas foi a vulnerabilidade desse material que fez com que os romanos desenvolvessem os barris de madeira, que os franceses tornaram famosos mundialmente. Hoje as principais e mais caras tanoarias são francesas. Ao mesmo tempo, os recipientes de concreto também estavam bastante presentes na Europa desde o século IX. Ano a ano foram sendo substituídos, pela praticidade e intensificação de regras de controle sanitário, por tanques de aço inoxidável.
Agora, numa grande reviravolta com sabor de volta ao passado, o sistema experimenta o renascimento com os ovos de concreto harmonizados às técnicas mais modernas de produção. Os amadeirados de plantão já estão alertas, pois essa é uma tendência que parece ter vindo para ficar.
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