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A história do vinho mais cobiçado de Portugal, que desembarca no Brasil

Os caprichos da natureza são fundamentais para determinar a qualidade de um vinho. Não bastam a localização ideal do vinhedo e o trabalho preciso do enólogo. É necessário equilíbrio das condições climáticas para fornecer a maturação ideal da uva. Um ano muito quente tira a complexidade e a sutileza. Um ano muito frio prejudica o aroma frutado da bebida. Por isso, entre os grandes vinhos, a safra é tão decisiva. É ela que determina o resultado — e o preço, é claro — de alguns ícones mundo afora. Alguns rótulos, de história imaculada, só chegam ao mercado quando a colheita é excepcional. É o caso do Barca-Velha, tido como o mais reputado e cobiçado de Portugal. Produzido pela Casa Ferreirinha, retorna com o rótulo a indicar a safra de 2015 — ficou guardado nove anos e agora desembarca com estardalhaço. Importado pela casa Zahil, chega ao mercado brasileiro por estratosféricos 11 000 reais, um pouquinho menos. Apesar do valor altíssimo, tem compradores garantidos, e o Brasil é o principal mercado fora da terrinha.

A aventura do Barca-Velha ajuda a explicar o fenômeno. Criado em 1952, por Fernando Nicolau de Almeida (1913-1998), foi o primeiro grande tinto do Douro, região onde antes só se fazia vinho do Porto. Além de ter ajudado a quebrar o monopólio dos ingleses, que detinham o controle da produção, surpreendeu pela qualidade. Ao longo de 72 anos foram produzidas apenas 21 safras. A Casa Ferreirinha foi vendida para o maior grupo vinícola de Portugal, a Sogrape, em 1987, e o vinhedo original, a Quinta do Vale Meão, ficou com Almeida depois de sua aposentadoria. O vinho passou então a ser produzido em outra propriedade, a Quinta da Leda. O método de elaboração é hoje mais moderno. O enólogo responsável, Luís Sot­to­mayor, mistura uvas provenientes de zonas mais baixas e quentes, que fornecem a estrutura, os taninos e os aromas de frutas maduras, com uvas de zonas mais altas, que trazem acidez e delicadeza. Todas são fermentadas juntas e passam um ano em barricas de madeira. Depois desse período, a bebida é provada. Se tiver potencial, volta para a madeira, onde fica dezoito meses. Depois, passa por longo estágio nas garrafas e aí então nasce para o mundo como um legítimo Barca-­Velha. Se não tiver, é rotulada como o vinho logo abaixo, o Reserva Especial. “É o vinho que diz se está pronto ou não”, afirma o enólogo Sottomayor.

arte vinhos

O Barca-Velha não é o único exemplo dessa família de preciosidades que crescem com o tempo. Outros vinhos em Portugal também só chegam ao mercado em anos especiais. No Alentejo, o rótulo mais famoso, Pêra-Manca, funciona da mesma maneira. Produzido pela primeira vez em 1990, teve apenas algumas safras desde então. Atualmente, é comercializada a de 2015, mas a Adega Cartuxa, responsável por ele, já afirmou que a nova, com indicação de 2018, chegará em breve. O também alentejano Torre, feito pelo Esporão, foi lançado apenas quatro vezes ao longo de 37 anos. A mais recente, de 2017, chegou ao Brasil e ao resto do planeta depois de dezoito meses em barricas e mais três anos em garrafa. Fora de Portugal, a prática é menos comum, mas existe. Na Espanha, o ícone Castillo Ygay é trabalhado com frequência, mas não é produzido se a qualidade em determinado ano for considerada abaixo do ideal. Na França, há alguns rótulos de Champagne, como La Grande Dame, de Veuve Clicquot, que saem apenas esporadicamente. Em Bordeaux, os vinhos são feitos ano a ano, mas a qualidade da colheita determina o preço final.

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Nem sempre, ressalve-se, etiquetas tão caras são melhores que as concorrentes mais baratas. Há marketing envolvido, e a crescente demanda de mercados de alto poder aquisitivo, como a China, pressiona os preços. Tudo isso é verdade. Mas, na taça, os vinhos raros mostram os motivos que os fazem excepcionais. Enquanto forem feitos, haverá compradores para eles, em eterno movimento.

Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898

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Fonte:

Vinho – VEJA