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O Terroir Mais Exótico do Mundo de Baco

Breve História do Terroir Lanzarote

Lanzarote é uma ilha do arquipélago canário, território espanhol, localizada na latitude 29° N cerca de 1000 Km da península Ibérica e a 100 Km de Marrocos. Em 1730 esta ilha vivenciou uma das mais potentes explosões de vulcões nesta área do planeta nos últimos séculos, lavas na temperatura de 800°C foram jorradas à 200Km/h e os fenômenos cataclismicos duraram por 6 anos transformando completamente a história deste lugar e a sua paisagem. Apesar da sua destruição, Lanzarote anos mais tarde renasceu das cinzas, retornando a ser habitada e implantado a vitivinicultura, que veio a se tornar um dos terroirs mais inóspitos e exóticos do Mundo de Baco.

Características do Terroir

Solo

Esta superfície muito peculiar da ilha originaria das cinzas vulcânicas é chamada de Lapilli, nas Canárias a chamam de Picón e em Lanzarote a chamam também de Rofe ou Arena. Como das cinzas ressurgiu a ilha, foi também graças a este tipo de solo que a vitivinicultura pode se instalar devido ele atuar como reserva de humidade das raríssimas chuvas no local e também do orvalho, ele ajuda a evitar a erosão dos terrenos, possui uma quantidade grande de minerais importantes ao cultivo, ajuda a manter a sanidade das videiras e por apresentar coloração escura absorve mais radiação, o que ajuda a concentrar mais açúcares da fase da maturação fenólica dos bagos.

Clima

A ilha possui inúmeros aspectos interessantes em seu clima que fazem deste território espanhol algo formidável e surpreendente no âmbito mundial do cultivo de uvas. O clima pode ser classificado com desértico. As temperaturas no ano inteiro variam em geral de 15 °C a 28 °C e raramente é inferior a 12 °C ou superior a 31 °C. Possui um baixíssimo índice de pluviosidade anual que varia de 60 a no máximo 100 litros/metros quadrados, e ocorre a presença constante dos ventos Alísios o ano todo.

Imagem concedida pela Bodega El Grifo

Castas

A casta rainha e a mais cultivada na ilha é a Malvasia Vulcânica, possui clones diferentes o que apresenta algumas pequenas diferenças em termos de produção, é uma casta branca aromática, de maturação precoce e tem sensibilidade ao Oídio, esta casta está bem adaptada ao terroir de Lanzarote devido ser resistente ao vento, a seca e também ao tipo de solo. Outras castas produzidas em menor proporção é a Listán Branca, Listán Negra, Moscatel de Alexandria e a Diego. Também em pequenas quantidades tem sido produzidas algumas castas internacionais como Syrah, Cabernet Sauvignon, Merlot, Tintilla, Baboso Negro e a Negramoll. Um detalhe curioso das videiras em Lanzarote é que são de Pé Franco, pois a ilha não foi atingida pela praga de Filoxera.

Sistemas de Produção

Existem diferentes tipos de sistema de produção da Vitis em Lanzarote e cada produtor escolhe qual o melhor para os seus respectivos terrenos e parcelas, observando sempre as melhores condições e aproveitamento do que é mais favorável e diminuindo custos para aumentar a produtividade já tão excassa normalmente neste terroir tão rude e difícil. Há cerca de 2000 ha de plantação de vinhedos distribuídos em 8052 parcelas que se estendem ao logo de vários municípios.

Cultivo em Hoyo

Os buracos típicos da paisagem vínica de Lanzarote recebem o nome de Hoyo e tem uma função importante para a produção da Vitis nestas circunstancias deste terroir. Com a profundidade eles protegem juntamente com os socos os muros de pedra a videira dos ventos Alísios vindos da África.

Cultivo em Zanja

Basicamente é o sistema onde as videiras são plantadas em linhas retas e protegidas dos ventos constantes em suas laterais pelos murros de pedras vulcânicas “socos”, devido a quantidade de planta por hectare ser maior, neste sistema ocorre uma maior produtividade por área e também uma capacidade de utilização de pequenas máquinas agrícolas que ajudam nos manejos necessários.

Cultivo em Chaboco

Este sistema rudimentar de cultivo utiliza os buracos nas lavas onde pode-se atingir mais a terra e as pedras e blocos vulcânicos servem para conduzir água para dentro do Chaboco e poder hidratar mais a videira, a Moscatel de Alexandria é um exemplo de casta que requer mais hidratação e são as mais comuns de se encontrar neste sistema.

Cultivo em Parral

É a forma de distanciar os racimos e os cachos das uvas do solo, possibilitando melhor aeração e cuidados fitosanitários sobretudo utilizado com as castas mais sensíveis a podridão. A altura pode variar de 1 a 3 metros e pode ser utilizados madeiras ou grandes pedras para a sua construção.

Desenhos com Esquema Didático do Plantio da Vitis em Lanzarote

Crédito das Ilustrações: Santiago Alemán

Vindimas

São sempre as primeiras da Europa, acontecem no mês de Julho e início de Agosto, dependendo do estilo de produção ao qual os vinhedos são conduzidos, são extremamente complicadas e requerem mais habilidade e destreza para realizá-las, são realizadas manualmente e em média os vinhedos podem apresentar um rendimento de 1.500 Kg/ha. Mas o regozijo do produtor ao colher o cacho de uva sã e com excelente aspecto encobre o monumental sacrifício do cultivo e do seu labor neste terroir durante todo o ano, e claro conseguindo obter uma boa matéria prima o vinho já tem uma grande probabilidade de ser muito bom.

Bodegas e Produtores

Segundo o Consejo Regulador de la Denominación de Origen Vinos de Lanzarote há 21 Bodegas e 1853 produtores, o ultimo dado publicado foi da safra 2021 com 2.052.517 Kg de uvas colhidas na área controlada pelo Conselho. Em visita in loco tive o prazer de estar em algumas Bodegas e também poder conversar com um pequeno produtor e obter mais informaçōes sobre esse terroir, a sua produção, a vinificação e sobretudo os dilemas de produzir vinho em uma terra que foi palco de uma tragédia tão grande e que ainda hoje abriga 200 vulcões.

O Vinho

A maior parte da produção dos vinhos na ilha são brancos e com a casta Malvasia Vulcânica, os estilos variam de seco, semisecos, semidoces, doces, vinhos licorosos, crianzas e pequenas quantidades de espumantes, rosés e tintos. O branco com Malvasia Vulcânica tem um aspecto limpo, em nariz mostra-se bem aromático com exuberância de frutos tropicais, em boca a salinidade e mineralidade se evidencia, o vinho é muito agradável e de fácil harmonização com peixes, frutos do mar e saladas. O vinho Canari da Bodegas El Grifo foi uma sensacional surpresa, produzido com três safras de Malvasia Vulcânica 1956, 1970 e 1997, um vinho doce reproduzido de forma a homenagear as citações de Shakespeare sobre os vinhos das Canárias. Uma outra agradável surpresa foi fazer uma prova na artesanal Bodegas Tisalaya com o produtor Miguel Morales e poder degustar seus vinhos fora da caixa e encantadores.

Museu del Vino

Algo muito interessante e imperdível a quem visita este local do planeta é sem duvida mergulhar em sua história, o Museo del Vino é visita obrigatória a todos que amam o universo do mundo de Baco. Ele está localizado na Bodegas El Grifo, a mais antiga da ilha (1775) e abrigada toda a história da introdução da vitivinicultura depois do ressurgimento das cinzas da ilha. Um detalhe que me encheu os olhos foi visitar a casa dos Juan José e Fermin Otamendi e ver com meu próprios olhos uma biblioteca particular que abriga mais de 5000 livros deles sobre Enologia, Agricultura e Vitivinicultura, esses eram Bacolovers à sério ! Objetos utilizados, detalhes dos antigos tanques e inúmeros objetos que fazem parte do acervo histórico-cultural da Bodega e claro também da ilha.

Região La Geria

Esta região se estende desde o centro da ilha até a região do Parque Nacional do Timanfaya, são quilômetros percorrendo, visualizando e comprovando como o ser humano tem a capacidade de se reconstruir e utilizar o resultado de uma catástrofe descomunal em pura poesia e arrancar das cinzas os deliciosos néctares de Baco. Confesso que vivenciei ali vendo toda essa paisagem magnífica e monumental, momentos de muito auto reflexão. Esta paisagem ajudou a justificar a declaração de Lanzarote como Reserva da Biosfera pela UNESCO.

Os Heróis Produtores

Finalizo com uma saudação especial dirigida aos produtores de vinhos em Lanzarote, vocês são verdadeiros heróis, parabéns pelos seus trabalhos e garra. Conhecendo in loco este terroir tão especial no mundo dos vinhos, puder aumentar ainda mais a minha compreensão sobre a importância em divulgar como os vinhos são produzidos e em quais circunstâncias, e que esta informação chegue ao máximo de consumidores possíveis, pois só assim, as pessoas podem aumentar as suas percepções sobre o valor de uma garrafa deste néctar tão especial e único do Mundo de Baco, o vinho de Lanzarote.

Produtor Miguel Morales e Dayane Casal
Fonte:

Mundo dos Vinhos por Dayane Casal