Desmistificar o vinho e torná-lo um bem de consumo fácil (que o é) é uma das minhas propostas desde sempre. O jeito de consumir, a taça e o vinho, tudo isso vem sendo mistificado há décadas, sempre como uma grande jogada de marketing. Isso é inexorável. E quem perde é o consumidor, somos nós, porque nos vemos diante de algumas normas impostas, muitas vezes injustas e com claro viés manipulador do consumidor. Sobre as taças, claro que não devemos beber um grande Bordeaux num “copo de requeijão”, mas desde quando é obrigação do consumidor depositá-lo em uma taça alemã cuja mais simples custa € 100,00?
A situação fica mais crítica quando nos deparamos com a absurda disparidade entre os preços dos vinhos, muitas vezes dentro de uma mesma vinícola. Não tenham dúvidas que isso se verifica, em primeiro lugar, como uma clara estratégia mercadológica visando “embromar” o consumidor, muitas vezes o induzindo a erros. E mais: há camadas dessas práticas. Uma começa no consumo de vinhos de luxo, por exemplo os cinco Premiers Crus de Bordeaux, onde os mesmos são ativos de fundos de investimentos pelos mercados financeiros do mundo todo, a começar por Londres, cidade onde estes vinhos são mais valorizados no planeta e onde estão sediadas as casa de leilões mais prestigiadas da Terra. Por exemplo, um quase inalcançável Chateau Lafite Rothschild 2014, pode alçar a cotação londrina de € 2.000,00, enquanto um Domaines Barons de Rothschild Lafite Les Legendes 2014 é encontrado por € 75,00, em qualquer quiosque de qualidade na capital britânica; me pergunto: vinhos da mesmíssima vinícola, com mesmas regras e mesmos canais de distribuição, podem ter esta diferença brutal de preços?
Qual justificativa plausível guardam para tanto? Falamos de Bordeaux, a região produtora mais conhecida e mítica do mundo. Se formos para a francesa Bourgogne a disparidade é maior ainda e, assevere-se, trata-se de uma “região monocástica”, praticamente só se produz tintos da Pinot Noir (há a Gamay também, claro) e onde os métodos produtivos são rudimentares, beirando o campesinato, não se justificando, assim, ser o berço dos vinhos mais caros do mundo e que, pelo preço, pouquíssimo entregam, sendo muito fácil a falsificação dos mesmos. Ocorre que estes fenômenos, que impactam nosso “inconsciente de consumo”, também estão muito presentes nas regiões produtoras do Novo Mundo, a exemplo do que ocorre aqui no Brasil mesmo.
Uma garrafa do Vinho Villa Francioni Dilor Safra 2009 custa R$ 830,00, enquanto que o muito bom Joaquim Tinto, da mesma vinícola, é vendido por R$ 80,00 no site da produtora. A manipulação mercadológica faz com que o operador de mercado, “novo rico”, que quer impressionar o cliente, ordene ao sommelier de um restaurante de luxo em São Paulo um vinho da Itália de R$ 3.000,00 cuja uva, região, e recomendações de serviços sequer imagina. E tudo isso para acompanhar “aquele costelão” famoso dos Jardins. Isso não ocorre por conhecimento, mas sim por uma rebuscada cadeia mercadológica que envolve a vinícola, a importadora, o restaurante e a construção de marcas, tudo enlaçado num corolário de hipocrisia e “bajulação” efêmeras. E tudo isso em torno do gostoso vinho.
Claro que estou indo aos limites, para bem ilustrar o conceito e a crítica, mas estas situações de “aberrações enogastronomicas” têm se tornado cada vez mais comuns nos grandes centros financeiros do mundo. Creio necessária uma mudança do “rumo do marketing” no entorno dos vinhos, onde os produtores procurariam ser mais parcimoniosos com os preços de suas cartas, os formadores de opinião mais severos com disparidades e os consumidores mais cuidadosos com os arquétipos de consumo que lhes são apresentados, dando valor ao vinho bom e não ao vinho caro. Por óbvio, o melhor vinho é aquele que você gosta e que bebe como quiser e levar isto em mente é respeitoso com o vinho e com você mesmo. Uma pequena observação: trato aqui do “vinho caro” e não do “vinho raro”! Fechando o raciocínio, deixo uma pergunta: Será que estes fundos financeiros de vinhos um dia vão abrir as suas garrafas? Salut!
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