
Quanto mais velha fico, mais entendo que está tudo ligado: restaurantes, você e o mico-leão-dourado.
Muito ouvi falar do bicho, como espécie a ser preservada e tal, mas a gente ouve meio “assim”, sem se aprofundar. Eis que fui parar numa mesa comprida e linda, pano quadriculado e tudo, numa fazenda em Silva Jardim. Tomava um café conilon (robusta), orgânico e agroflorestal, tão bom que me repuxou um sorriso. A variedade, aliás, está voltando à moda, e de salto alto, depois de décadas sendo taxada de inferior à arabica, vingança alcançada pelo manejo de excelência de alguns produtores, como ali na Fazenda dos Cordeiros, de Ayrton Violento… mas onde eu estava?
Voltando ao mico.
Na verdade, fui parar naquele município atrás de cogumelos comestíveis da Mata Atlântica em passeio guiado pelo Jorge Ferreira, que sabe tudo do assunto e me disse que ali, valia me mostrar. Mas isso é tema para outra coluna.
Logo que cheguei na Carneiros, tive a feliz surpresa de reencontrar a Anita Santoro, produtora orgânica e agroecológica de respeito, que capacita muita gente e ainda distribui produtos de agricultura familiar da região. Separou para nós um caminhão de coisas interessantes, tesouros que raramente vejo nas mesas da capital: erva-baleeira, gengibre silvestre, alfavaca-cravo, coentro selvagem, umbigo de banana, além do biribiri e o lulo da foto. E ainda veio com a pupunha, em fruto, farinha e massa, tudo regado ao MARAVILHOSO suco gelado de juçaí, cultivado pela bela, elegante e alta Luciane Menezes. Com tudo isso e mais um bocado, preparou um banquete inesquecível, em que brilhou especialmente um bobó de banana-da-terra com palmito e massa de mandioca, que comi com ora-pro-nobis refogada, ovos caipira e um arroz azul colorido pela flor de clitoria. Mas o que o banquete de Anita tem a ver com o mico?

No fim da trilha dos cogumelos que brotavam em galhos derrubados pelo vento ou poda necessária, que um dia carregaram grumixamas e outros frutos nativos, tomei um café com a prosa de Luis Paulo Ferraz, secretário-executivo da Associação do Mico Leão Dourado, que apoia projetos de agricultora ecológica.
O mico é animal onívoro, como a gente. Ou seja: come de tudo. Se nós, humanos, viemos parar aqui no topo da cadeia alimentar, superpredadores com expectativa de vida de quase 80 anos, foi porque aprendemos a descobrir nutrientes em várias fontes. Parece que estamos involuindo.
Focamos em poucas culturas; não servimos grumixama, uvaia, ingá ou juçaí pelos restaurantes do Rio. Esquecemos vegetais pelo caminho – das 10 mil plantas comestíveis que já usamos para alimentação, hoje só comemos 170. Garanto que você não conhece a metade do que provei ali.
O resultado vai ficando ambientalmente complicado e, sinceramente, bem monótono no prato. Já o mico, que não é besta, come de tudo. Aliás, ele e os europeus, americanos e asiáticos que passam batido pelo Rio e vão até Silva Jardim comer e fotografar toda a riqueza que desprezamos.
O louco é que eu não sabia é que o bicho só tinha sobrado no Rio de Janeiro. Em vez de chorar, vi como um sinal de esperança. Sobreviveu graças à floresta e as famílias que a conservam. São elas que a Associação ajuda a manter, já que as comunidades e agricultores locais são fundamentais para a reserva ecológica.
Sem a mata não tem mico, café, Jorge, Anita, Cristiana, Luciane, grumixama ou açaí, muito menos o turista europeu, asiático ou americano, que vem comer tudo isso, importantíssimo para o bolso dos restaurantes.
Como eu disse, tá tudo ligado: eu, você e o mico leão dourado.
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