
O vinho se harmoniza com tudo, ou melhor, sempre há um vinho que se harmoniza com o que vamos comer. Entretanto, há pratos e ingredientes que tendem a afastar o vinho da mesa. Alcachofra e Salmão (especialmente esta imitação barata que encontramos na maior parte dos rodízios de culinária japonesa), são difíceis de encontrar seus pares. Neste diapasão, há um imaginário que a culinária japonesa está divorciada do vinho, o que não é verdade.
Quando se fala em culinária japonesa, é comum que o imaginário se restrinja ao sushi, sashimi e yakisoba. No entanto, o Japão guarda uma das cozinhas mais ricas e sofisticadas do mundo, com uma tradição milenar que combina simplicidade, estética e respeito à natureza dos ingredientes.
A gastronomia japonesa tem suas raízes profundamente ligadas à religião e à geografia. Por séculos, a influência do budismo — que prega a não violência e restringe o consumo de carne — moldou uma cozinha baseada em vegetais, grãos e frutos do mar. O arroz, introduzido há mais de dois mil anos, tornou-se o centro das refeições, e o conceito de “ichiju-sansai” (uma sopa e três acompanhamentos) passou a simbolizar o equilíbrio ideal de sabores e nutrientes.
A partir do século XVI, com a chegada dos portugueses e depois dos ocidentais, ingredientes como o Tempurá, o pão e até a carne bovina começaram a ser incorporados, dando origem a pratos híbridos que hoje são clássicos, como o Tonkatsu (lombo suíno empanado) e o Kare Raisu (arroz com curry japonês).
A mesa japonesa é um reflexo da estação e da estética. Cada prato é pensado para realçar o sabor natural do ingrediente, e o uso de condimentos é sempre sutil. Entre os pratos que merecem destaque a Tempurá – legumes e frutos do mar empanados em massa leve e fritos rapidamente, resultando em crocância delicada – o Okonomiyaki – uma espécie de panqueca salgada, feita com repolho, ovo, farinha e variados recheios, como carne de porco, camarão ou polvo. Já Sukiyaki e Shabu-shabu são pratos de inverno à base de carne bovina e legumes cozidos em caldo suave, preparados e compartilhados à mesa. Um prato icônico da culinária japonesa é o Unagi Kabayaki, enguia grelhada com molho agridoce de soja e mirin, símbolo de energia e longevidade.
E, para terminar, cito um prato tradicional da culinária japonesa feito com carne de carneiro: o “Jingisukan”, originário da ilha de Hokkaido, no extremo norte do Japão; a carne pode ser temperada previamente com molho à base de shoyu, alho, gengibre, mirin e sake, ou grelhada sem tempero e depois mergulhada em um molho tare após o cozimento. O resultado é um prato suculento, aromático e com um equilíbrio entre o sabor intenso do carneiro e a doçura dos vegetais; eis aí um ótimo par para um Pinot Noir mais moderno.
A etiqueta à mesa também revela a alma japonesa: o respeito pelo alimento, o silêncio na degustação e o apreço pela apresentação são tão importantes quanto o sabor. Posto isto, fica claro que harmonizar vinhos com comida japonesa é um exercício de equilíbrio e delicadeza. A leveza dos sabores e o predomínio do umami — o quinto gosto — pedem vinhos sutis, frescos e com boa acidez. Espumantes e vinhos brancos leves (como Sauvignon Blanc, Riesling seco ou Albariño) são ideais para acompanhar tempurás, sashimis e pratos à base de peixe branco. A acidez e o frescor limpam o paladar entre as mordidas. Um Chardonnay sem madeira ou Grüner Veltliner harmonizam lindamente com okonomiyaki e shabu-shabu, equilibrando textura e sabor. Para pratos mais encorpados, como teriyaki ou tonkatsu, vinhos tintos leves e frutados — Pinot Noir, Gamay ou mesmo um Chianti jovem — podem surpreender pela harmonia. Já para a doçura sutil do unagi e a intensidade do molho de soja, vinhos brancos mais maduros, com notas de mel e amêndoas (como um Riesling de colheita tardia ou Vouvray demi-sec) criam uma combinação elegante e exótica.
Vou deixar algumas sugestões de vinhos para harmonizar com sushi e sashimi, em face de serem os “pratos” da culinária japonesa mais populares no Brasil. E começo sugerindo um vinho branco verde, de Portugal, o Portal do Fidaldo, que bem refrescado casa muito bem com um sashimi de peixe branco. Outro vinho português branco, um pouco mais encorpado, é o Ameal, da Quinta do Ameal, que com peixes gordos segue bem. O Ramon Bilbao Verdejo Rueda, branco espanhol, pode segurar, até, certos sushis mais carregados no wasabi. Agora a grande surpresa, para mim, foi os vinhos, ditos, “laranja” que, ao meu ver, funcionam com o um “coringa” para estes itens da culinária japonesa; deixo como sugestão um argentino, o Abismal Herencia Torronés Naranjo, que marca por sua estrutura na boca e o nacional Laranja Jovem, da Vinícola Cerro de
Pedra, da Campanha Gaúcha, cuja acidez e complexidade surpreendem, segurando bem qualquer gordura de peixe ou tempero mais saliente.
Finalizando, ressalto que o segredo está em respeitar o mesmo princípio que guia a culinária japonesa: harmonia e equilíbrio. Assim como os japoneses unem tradição e estética, o vinho certo pode elevar a experiência à altura de uma cerimônia — discreta, refinada e profundamente sensorial. Salut!
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