Faltavam dez dias para a abertura do novíssimo Madame Olympe, no Leblon. Sobre a mesa, o celular de Claude Troisgros exibia a playlist pensada para a casa enquanto ele ajustava a posição das caixas de som, que reverberavam a melodia de Un Jour Comme un Autre, com a voz suave e expressiva de Brigitte Bardot. Não se tratava, porém, de um dia como outro. Naquela quinta-feira, o chef franco-carioca de 69 anos enfim provaria o menu da casa nova após dois meses de ideias e testes. Jéssica Trindade, sua fiel escudeira, se aproxima. “Acho que acertei, mas posso colocar mais erva”, adianta, antes do patrão experimentar o sorvete de azedinha, símbolo dos Troisgros desde a receita de salmão que marcou a nouvelle cuisine, nos anos 1960, na França, e que agora pinta na sobremesa junto com mel de abelha nativa mandaçaia, biscoito recheado com creme de iogurte, mascarpone e queijo Canastra. “Um fio de azeite aqui vai ficar espetacular”, aponta Claude, e a cozinheira conclui: “A folha tem que vir junto, reforçando a acidez”. O patrão concorda, mas, ao raspar a colher no fundo de um prato de cerâmica que acabara de chegar, se incomoda com o barulho e resmunga. Jéssica, que em maio passou por uma imersão em cozinhas europeias, incluindo o Maison Troisgros, em Roanne, ri: “O chef é exagerado, as louças estão lindas”.
+ O que arde cura: pratos gostosos e apimentados na medida certa
O Madame Olympe chega para ocupar o lugar do Mesa do Lado, projeto temporário de Claude que propunha uma experiência sensorial com sons, luzes e sabores. “Tenho que manter uma bandeira, uma casa que me jogue no mundo da alta gastronomia”, pontua o chef, que tem mais duas casas na mesma galeria, na Rua Conde de Bernadotte, o Chez Claude e a Cantina do Claude. As grossas portas de madeira são entrecortadas por um vidro — permitindo que curiosos espiem a cozinha e o salão, cujo protagonista é um “fogão invisível”, uma bancada lisa com pontos ocultos de calor. Por ali passa o menu degustação que pretende recuperar a alma do antigo Olympe, restaurante que Claude teve por 17 anos no Jardim Botânico até encerrar as atividades na pandemia. Remodelado, a novidade, por sinal, coroa o momento em que a gastronomia francesa volta a frutificar na cidade. A Francese Brasserie, de Elia Schramm, e o Glória Bistrô, acabam de abrir as portas em Ipanema. Em setembro, o bairro ainda verá a chegada do Ophelia. “É um retorno mundial, um ciclo que valoriza produtos e técnicas da França, que havia perdido a identidade quando as culinárias se globalizaram”, avalia Claude. Neste ano, a prestigiada Le Cordon Bleu completou 130 anos, com menus comemorativos na sede carioca, e a Casa 201, de João Paulo Frankenfeld, e o Oseille, empreitada de Thomas Troisgros, ambos de inspiração francesa, ainda conquistaram a sonhada estrela Michelin (veja abaixo).

O clima era de coxia de teatro em noite de estreia quando VEJA RIO voltou mais uma vez para testemunhar os arranjos finais para a inauguração da casa, que faz seu primeiro jantar aberto ao público nesta sexta (8). A equipe feminina experimentava os uniformes feitos sob medida pela estilista Andrea Marques enquanto dois cozinheiros conferiam anotações e o sommelier Haroldo Nunes separava as garrafas de vinho. O balcão, ainda meio bagunçado, exibia elementos aparentemente díspares, como um filé de vermelho com as escamas, um saco selado a vácuo com caju e um wasabi fresco vindo do Japão, gesto de boa vizinhança de André Kawai, do vizinho San Omakase, a uma loja de distância. Saindo do forno, em ideia de última hora, o merengue destinado a finalizar a refeição ao lado de docinhos brasileiros é uma miniatura, em seu formato retorcido, das belas luminárias alvas de papel de arroz do artista Thomaz Velho, penduradas no teto. Ajeitando na parede o quadro com um guardanapo de pano desenhado por Ziraldo, Claude, que chegou no Brasil aos 23 anos, confidencia: “Estou revendo essa ideia de cozinha franco-brasileira. É óbvio que gosto dos produtos daqui, mas isso é uma consequência. O perfil da família Troisgros é ingrediente de qualidade e comida saborosa. O resto vem depois”, afirma. Essa nova fase será colocada à prova em menus de quatro (380 reais) ou oito cursos (480 reais), com a opcional etapa de queijos brasileiros, servidos para apenas dezoito pessoas por noite, com receitas que podem mudar a cada estação (veja abaixo os destaques do cardápio de estreia).
Ao rever as dores e delícias desde que deixou a família na França, em 1979, Claude faz um movimento inesperado: abre a porta do Madame Olympe e se dirige até a vizinha Academia da Cachaça, onde é saudado com festa pelos garçons. O curto caminho é como uma máquina do tempo a processar quatro décadas de evolução que não abdica das raízes. Ele adentra sem cerimônia a diminuta cozinha que serviu ao Roanne, seu primeiro restaurante carioca, aberto nos anos 1980, com o nome de sua cidade natal. “O fogão e a geladeira eram domésticos e usados”, relembra. “Quem fica parado, reproduzindo clássicos ou apenas um certo tipo de comida, não evolui”, complementa o chef. Para Thomas Troisgros, 43 anos, o pai é um criador de conceitos. “Ele sempre teve a cabeça aberta a ideias que fogem do óbvio, e eu admiro essa irreverência”, diz, citando combinações do pai como o steak tartare com corn flakes, servido no Chez Claude. Na nova casa, uma inédita seção da carta de vinhos será dedicada aos rótulos naturais. “Ele nos transmitiu a veia empreendedora, a ideia de que não se pode ter medo de recomeçar”, completa Carola, 41, a filha que assumiu a tradicional confeitaria Colher de Pau, também no Leblon, com previsão de reabertura em setembro.

A palavra recomeço, de fato, é constante na trajetória brasileira do cozinheiro, iniciada com elevadas doses de coragem, enquanto a afeição pela aventura é marca indelével de seu dia a dia. Após a passagem pelo Le Pré Catelan, que o trouxe ao Rio pelas mãos do chef Gaston Lenôtre, em 1979, ele resolveu abrir na paz de Búzios o Le Petit Truc, quando ouviu do pai, Pierre Troisgros, ao telefone, que deveria retornar ao restaurante da família, detentor de três estrelas Michelin, ou não teria apoio algum. O ultimato não surtiu efeito e ele não só ficou por aqui, como também se arriscou em Nova York. “Ficamos uma década sem nos falar”, revela Claude, contando que a trégua só veio nos anos 1990, com o sucesso do CT na Big Apple. “Ele percebeu que eu fazia uma cozinha autoral de qualidade”, lembra o franco-carioca, que na temporada americana participou da formatação do canal de TV Food Network, o primeiro passo de uma atividade que faria sua carreira decolar. “A televisão me alçou a um patamar muito elevado”, opina, enquanto estreia no GNT a segunda temporada de Geladeiras em Ação, seu décimo programa. Seguido por 1,2 milhão de pessoas no Instagram, onde publica vídeos ensinando receitas, Claude sonha com a telinha desde criança, quando assistia ao chef Raymond Oliver, amigo de Pierre, na RTF francesa.

A agenda corrida de gravações é apenas um naco de uma acelerada rotina. Aos 69 anos, o chef não quer saber o que é descanso. Atualmente dividido entre seis restaurantes — além dos três cariocas comanda o Bistrot du Quartier, em São Paulo, o Pala7, em Salvador, e o Cucina Mia, em Goiânia —, ele presta consultorias, estrela campanhas publicitárias e ainda encontra tempo para a prática intensiva de esportes. O currículo de atleta inclui provas de enduro na época em que voava de asa-delta com o amigo Pepê (1957-1991), além de kitesurf, a que hoje se dedica ao lado de musculação, yoga e subidas à Vista Chinesa de bicicleta. Sem falar nas longas viagens solitárias de moto, paixão representada nas miniaturas que enfeitam a vitrine do Madame Olympe, ao lado de uma foto da mãe e do relógio que pertenceu a Ana Forte, a avó italiana. Depois de voltar do Peru, em julho, onde cruzou os 5 000 metros de altitude da Cordilheira Branca, planeja para a Tanzânia a próxima trilha, em outubro. Uma de suas postagens da viagem recebeu de Jéssica Trindade o comentário: “O senhor é inspiração. Comer quentinha na beira dessa estrada é só para quem é grande”.

+ Para receber VEJA Rio em casa, clique aqui
Casada com Claude há 18 anos, a psicóloga Clarisse Sette ainda se espanta com a energia do marido, e conta que num fim de semana comum, depois de cansativas viagens em sequência a trabalho, ele é capaz de pegar a moto e ir para Búzios, passar no mercado de peixes, cozinhar e depois velejar até o anoitecer. “A inquietação dele é existencial. Gosta de se desafiar, e tanto o esporte como o trabalho são forças vitais”, afirma, acrescentando que o chef é noveleiro e come de tudo. “Ele pega a pipoca e quer saber das fofocas de cada trama. Também adora meu miojo e me pede para preparar. No mais, é essa pessoa íntegra e generosa que todos conhecem”. Rafa Costa e Silva, do Lasai, único representante brasileiro na lista dos cinquenta melhores restaurantes do mundo, que não costuma distribuir elogios públicos, concorda e acrescenta: “Claude é uma das pessoas que mais respeito e admiro. É um mentor para mim, não só como chef mas como pessoa. Merece o lugar onde está”. Pedra fundamental da alta gastronomia carioca, o homenageado inaugura um novo capítulo de sua biografia única.

Percurso encantador
Os destaques do menu degustação do novo Madame Olympe
Jiló-caju. O surpreendente babaganuche de jiló com caju confitado é um aperitivo crocante de uma só mordida. O antigo Olympe servia um aclamado foie gras com caju, e no Chez Claude o legume verde escolta o fígado.

Otoro. Um jogo de ilusão onde o atum bluefin divide a cena com melancia marinada. O caviar de chia e o wassabi com abacate coroam a apresentação minimalista de um prato construído com um pé no Japão, que, na adolescência, Claude visitava duas vezes por ano com o pai.

Poisson. A folha de acelga desidratada e temperada como kimchi é um dos pontos altos do trajeto. Lembra uma joia amarela, crocante e expressiva no sabor, “escondendo” o peixe em ponto perfeito sobre beurre blanc de shoyu, daqueles molhos de se tomar com a colher.

Pato. O glorioso purê de couve-flor tostada é quase um caramelo. Ao lado, o magret é abraçado em lâminas de palmito e tucupi, com a marcante acidez da cozinha do francês. Segredo: o caldo de fundo é feito com pé de porco. O equilíbrio é inspirador.

Nid d’abeille. O inédito sorvete de azedinha refresca a sobremesa, encimado por folha da erva translúcida. Um contraste gostoso com a doçura perfumada do mel de abelha nativa mandaçaia, sobre biscoito recheado com creme de iogurte, mascarpone e queijo Canastra.

Allez les bleus
A gastronomia francesa ganha novos e premiados representantes na cidade
Francese Brasserie. Porções generosas, preços em conta e uma cozinha repleta de influências europeias, como nos modernos bistrôs de Paris, dão o tom na nova casa do chef Elia Schramm, inaugurada em julho. Há entradas inventivas, como o oeuf caesar, ovos cozidos com gemas cremosas entre bacon, enquanto o filé rossini vem com naco bem servido de foie gras, acompanhado de purê puxado na manteiga, como manda a tradição. Rua Barão da Torre, 472, Ipanema. @francese.brasserie

Glória Bistrô. No salão amplo de teto espelhado e luminárias vintage desfilam pratos de um cardápio que persegue a culinária francesa com traços de vivências dos imigrantes. O experiente Ignácio Peixoto foi convocado e cuida de especialidades como o pastrami de costela de black angus. Há entradas que visitam o Oriente Médio e pratos principais, a exemplo do atum que pinta na vaga do steak “au poivre”, selado sobre molho de pimenta verde. Rua Barão da Torre, 340, Ipanema. @bistro_gloria.

Casa 201. A abordagem impecável das técnicas encontra ingredientes de primeira linha, muitos deles fabricados lá mesmo por João Paulo Frankenfeld, que agora é dono de uma estrela Michelin. São queijos, embutidos, sorvetes e bebidas, da cerveja ao vermute, que entram também nas receitas. O talento do cozinheiro lhe valeu anteriormente os prêmios de chef do ano e melhor francês em VEJA RIO COMER & BEBER 2024. Rua Lopes Quintas, 201, Jardim Botânico. @201.casa

Oseille. A tradição e os métodos franceses estão presentes de forma sensível na cozinha autoral de Thomas Troisgros, que mostra brilho próprio em balcão para dezesseis pessoas e menu degustação com pratos como as vieiras em kombucha de café sob lâminas de rabanete. A casa, batizada com o nome em francês da folha azedinha, também foi uma das recentes premiadas com uma estrela Michelin. Rua Joana Angélica, 155, Ipanema. @oseillerestaurante

-
Cursos
“FALANDO EM VINHOS…..”
R$ 39,90 ou em 10x de R$ 3,99[seja o primeiro a comentar]Comprar Curso -
Cursos
A arte da harmonização
R$ 29,90 ou em 10x de R$ 2,99[seja o primeiro a comentar]Comprar Curso -
Cursos
Curso Mitologia do Vinho
R$ 597,00 ou em 10x de R$ 59,70[seja o primeiro a comentar]Comprar Curso