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A Região de Hampshire e a Hattingley Valley

O Reino Unido está localizado entre as latitudes 50° e 60° N, estava até pouco tempo atrás fora das áreas “normalmente” tidas como qualitativas para a produção de boas uvas para vinificar bons vinhos segundo alguns autores. Ao longo das últimas décadas temos visto uma alteração significativa de novas áreas produtivas de Vitis vinífera devido sobretudo as alterações climáticas, possibilitando novas rotas no mapa de produção de vinhos. Atualmente o país se inclui nisto e possui diversas regiões produtoras, tendo as mais populares Kent, Hampshire e Sussex , sendo esta última a única Denominação de Origem Protegida (PDO) até o momento e que já visitei vários produtores e escrevi artigos sobre ela, os links para lê-los estão no final deste texto. Mas há outras regiões distribuídas como East Anglia, Dorset, Gloucestershire, Herefordshire, Worcestershire, Staffordshire e Yorkshire. Neste artigo me deterei a comentar exclusivamente a região de Hampshire, que atualmente foi meu último destino vínico e que ainda não conhecia in loco.

Um Resumo Histórico

Poucos sabem, mas a viticultura na Grã-Bretanha tem evidências de ser antes da época dos romanos. Segundo o Prof. Emérito e Pesquisador de Geologia da Imperial College London, Richard Selley, que publicou o livro “The Winelands of Britain” relata que foram encontradas evidências que já se produziam vinho nessas terras desde a era do ferro e que os celtas ingleses utilizavam essa prática antes da chegada dos romanos. Essa evidência foi constatada com a descoberta de “vasos” em escavações, que eram utilizados pelos celtas e também em relatos registrados pelo senador e historiador romano Tácito (56-117 DC) que descreveu como os celtas ingleses eram realmente bárbaros quando bebiam vinho e em seus momentos de brindes.

Ao que parece a produção de vinhas e vinho na Inglaterra teve altos e baixos ao longo dos séculos, e teve um grande decréscimo após a Idade Média e teve seu significativo declínio marcado pela época da Peste Negra, só começando a se recuperar no século XX. A região de Hampshire em 1952 recebeu o seu primeiro plantio de vinhedo comercial por Sir Guy Salisbury-Jones, um verdadeiro marco histórico para região que vem crescendo como sinônimo de qualidade para a produção de excelentes espumantes.

Características do Terroir Hampshire

Com um terroir com características notáveis para a produção de belos espumantes, Hampshire apresenta uma semelhança em sua geologia com a sub-região Côte des Blancs em Champagne na França, por possuir riqueza em seus solos de giz. Este é um tipo de solo calcário que dispõe de excelente drenagem e baixa fertilidade, força as raízes das Vitis se deslocarem na procura de nutrientes e água em profundidade, contribuindo para a produção de uma matéria-prima mais concentrada e complexa, que gera uma bela acidez e mineralidade presente nestes distintos vinhos.

O clima é temperado, verões frescos e invernos rigorosos. Hampshire é influenciado pela Corrente do Golfo que ajuda a moderar as temperaturas, em especial nas áreas mais costeiras. As alterações climáticas tem favorecido o cultivo de tipos de Vitis viníferas que antes eram impensáveis a sua produção nestas terras. Os altos níveis de adicez natural das uvas qualitativas para a produção de ótimos espumantes é influenciado pelas noites mais frias e as brisas marítimas frescas. E semelhante a região de Champagne, a região de Hampshire também sofre com as geadas da primavera. Os produtores tendem a tentar mitigar o problema plantando parcelas em diferentes áreas para não comprometer por completo a safra anual, quando o intempérie assola a região.

Um detalhe importante de observar num terroir e em determinadas parcelas mais qualitativas em resultado de produzir bons vinhos de forma mais consistente é o seu aspecto. Os vinhedos plantados nas colinas South Downs e Test Valley, apresentam-se suas encostas voltadas ao sul, logo conseguem concentrar uma maior exposição a luz solar e também são protegidos de forma natural pelos fortes ventos frios que vem do norte. Outra barreira protetora que os produtores utilizam em suas práticas agrícolas é a plantação de “hedgerow”, que são as cercas vivas plantadas com árvores em linhas entre as parcelas de vinhas, que formam uma espécie de escudo aos vinhedos.

A partir dos anos 2000 foram adotados o plantio das castas semelhantes as da região de Champagne e que na atualidade ainda são as mais cultivadas, a Chardonnay, a Pinot Noir e a Pinot Meunier, que fazem parte da maioria dos blends dos produtores da região. Há também a produção em menor escala da uva Bacchus que se destina a produção de vinhos tranquilos. Esta é um cruzamento da Silvaner x Riesling com a Müller-Thurgau criada em 1933 pelo viticultor Peter Morio no Instituto Geilweilerhof de Melhoramento de Uvas no Palatinado.

Principais Produtores de Hampshire

A região tem visto um crescimento mais recente e significativo, sobretudo com os produtores como Hattingley Valley e o mais recente Black Chalk onde ambos vem ganhando destaque pelos seus vinhos premium e elegantes. Mas há outros como o histórico e pioneiro Hambledon Vineyard, e também o Coastes & Seely, o Gusbourne, o Court Graden, e o Raimes .

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O Brilhante Produtor Hattingley Valley

Já com 180 medalhas, 16 troféus e exportando para 16 países, a Hattingley Valley localizada na região de Hampshire é um dos fenômenos vitivinícolas da Inglaterra. Suas primeiras vinhas foram plantadas em 2008 pelo proprietário Simon Robinson e de lá para cá um sólido percurso foi construído tendo sempre o norte de produção de grandes espumantes de qualidade premium.

Robinson sob a orientação técnica da Emma Rice não economizou e construiu uma vinícola ímpar em seu país, os melhores e mais modernos equipamentos foram instalados e que na atualidade podemos constatar o poder da visão a longo prazo, sobretudo quando nos referimos ao setor dos vinhos, onde o tempo é fundamental e essencial para consolidação de uma marca e de um investimento. Já há dois anos a Hattingley Valley está sob o comando técnico do Master of Wine Rob Macculloch que dirige toda a enologia e a viticultura, já o setor comercial e de marketing é dirigido pelo australiano Chris Unger, que além de ser super simpático, possui já uma larga experiência dentro do setor dos vinhos.

Algo interessante de mencionar sobre este produtor é que ele segue a linha “eco-friendly”, e antes de instalar as suas plantações de Vitis, Simon Robinson encomendou um levantamento sobre a fauna e a flora da sua área de fazenda e recebeu um detalhado relatório que incluía a presença da “Silver-washed Fritillary”, uma borboleta comum na Europa, mas rara na Inglaterra. Esta informação inspirou a criação da logomarca do produtor, que estampa está linda borboleta.

Crédito de Imagem: Dayane Casal

Toda a infraestrutura da Hattingley Valley é primorosa e pensada ao pormenor, uma higiene irrepreensível e tudo organizado de forma meticulosa. Outro aspecto de informação importante foram o uso de imagens de satélites que fizeram registros fundamentais para identificar as melhores áreas para a implantação dos vinhedos, levando em consideração as melhores parcelas de solos de giz e aspectos do terreno como algumas encostas de colinas voltadas ao sul. A tecnologia aliada a grandes profissionais fez com que as condições ideais de áreas do plantio da Vitis vinífera fossem encontradas dentro da fazenda do Simon Robinson, e hoje está evidenciada pelo alto nível qualitativo da matéria-prima produzida para a vinificação dos seus grandes vinhos.

Os vinhos de destaques são os seus espumantes pelo método clássico que variam de 18 meses a 7 anos de estágio, onde alguns passam a primeira fermentação parcial em tanque de inox e em barril de carvalho, outros são submetidos a malolática o que lhes confere uma complexidade incrível. O produtor também produz um branco tranquilo 100% Chardonnay e um vinho de sobremesa estilo “Ice Wine” com a uva Bacchus. O vinho que destaco e convido a todos provarem é o espumante Kings Cuvée 2017 com 7 anos de estágio sur lees, vinificado como um blend clássico a partir de 45% Chardonnay, 27% Pinot Noir, 28% Pinot Meunier. Apresenta uma complexidade e equilíbrio incrível, extremamente gastronômico e com belo fim de boca. Uma curiosidade é que este vinho já recebeu 6 medalhas e 3 troféus.

Para finalizar esta rápida apresentação do produtor Hattingley Valley, nele também são vinificados vinhos para outras empresas e marcas. Dentro do setor dos vinhos já há tempo é disseminado que produtores da região de Champagne na França tem comprado áreas e plantado Vitis vinífera em solos com mais latitude norte como os da Inglaterra. O país liberou que marcas como a Pommery pudessem usar suas marcas vinificando dentro do solo inglês. No caso desta marca, como as suas Vitis vinífera ainda não estão aptas a produção por serem muito jovem, eles tem comprado uva na região de Hampshire e vinificado dentro da Hattingley Valley. Em minha visita a empresa pude ver in loco inclusive a rotulagem com a tradicional logomarca na etiqueta da marca.

Estilos de Vinhos Produzidos em Hampshire

O estilo de vinho predominante em Hampshire são os espumantes, com as clássicas castas Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier. Há a produção em menor escala de vinhos tranquilos também.

De modo geral os espumantes de Hampshire se destacam pela belíssima acidez vibrante em boca, dependendo do produtor e do estilo de vinificação do seu vinho base alguns apresentam muita complexidade e se tornam verdadeiramente gastronômicos, já outros perfeitos para acompanhar qualquer momento do dia. A maior produção são de espumantes premium que apresentam um belo equilíbrio entre os aromas e sabores primários e a presença também de discretos autolíticos, uma mousse agradável e delicada em boca e excelente acidez. São espumantes que verdadeiramente não passam indiferentes aos amantes desta bebida.

Palavras Finais

Conhecer novos terroirs in loco tem me abastecido de ricas informações e experiências, sobretudo daquelas que as telas não conseguem transmitir que é o contato humano e a sensibilidade de perceber através de um olhar treinado e profissional o que se passa em cada visita e em cada nova prova de vinhos. O saber receber e fazer o visitante se sentir especial contribuem não só para as relações comerciais ao qual o objetivo são as vendas para manter a empresa viva, mas sobretudo criar laços de amizades e amplificar as trocas de informações e experiências dentro do setor como um todo.

Crédito de Imagem: Dayane Casal

Gostaria de fazer um agradecimento especial ao Chris Unger pela recepção, pela bela visita e fantástica prova. Ao produtor Simon Robinson que disponibilizou seu tempo para acompanha-me em todo o momento. De fato sai da Hattingley Valley com o coração cheio, por ver in loco a cultura vínica ser tratada com tanto respeito e profissionalismo. Desejo ainda mais sucesso aos vinhos da Hattingley Valley e de toda a região de Hampshire.

Boas Provas e Saúde !

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Fonte:

Mundo de Baco por Dayane Casal