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Que pecado: para o Congresso, Petrus e pinga 51 cabem na mesma cesta

Enquanto Jesus Cristo fez da água o vinho, o Congresso Nacional resolveu transformar a bebida em pecado. Sim, isso mesmo. Na última versão da reforma tributária aprovada pelos deputados, o vinho integra uma cesta de produtos que serão taxados com o Imposto Seletivo (IS), que ficou conhecido como o “imposto do pecado“. Fazem parte da mesma lista outras bebidas alcoólicas, como uísque e cachaça, além de refrigerantes e cigarros, entre outros itens. A aprovação na Câmara dos Deputados aconteceu no último dia 17. Agora, o caso segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com a assinatura dele, a sobretaxa deverá começar a ser cobrada em 2027. Caso não ocorram mudanças, teremos o Château Petrus e a caninha 51 classificados para sempre na mesma categoria para efeitos de tributação. Tem lógica nisso?

Na teoria, o “imposto do pecado” surgiu para frear o consumo em grande quantidade de produtos com potencial para fazer mal à saúde. Até que a ideia é boa, mas, na prática, os critérios para a inclusão ou não de itens nessa relação são bastante questionáveis.  Exemplo disso são as armas que, na versão final, ficaram de fora da cesta. Da mesma forma, como comparar vinhos com destilados? Os melhores e mais encorpados vinhos têm um teor alcoólico entre 10 e 14%. Já uísque e pinga podem ultrapassar a faixa de 50%. É digna de aplausos qualquer iniciativa criada para estimular o consumo responsável de bebidas. No caso dos vinhos, a moderação traz diversos benefícios à saúde, como demonstram inúmeros estudos. Daí a indignação do setor ao fica dentro da mesma categoria que os destilados.  Como não há qualquer justificativa técnica para tamanho disparate, ficou no ar um cheiro forte de que os lobbies em Brasília é que tiveram um peso determinante para a formatação final da lista do “imposto do pecado”.

Até que os produtores de vinhos tentaram se fazer ouvir, mas sem sucesso. Durante um ano e meio, a União Brasileira de Vitivinicultura (UviBra), presidida pelo gaúcho Daniel Panizzi, que também é vice-presidente do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul, contratou uma empresa para trabalhar em Brasília junto a deputados e senadores para mostrar a eles o impacto que o Imposto Seletivo (IS) pode ter em toda cadeia vitivinícola nacional. Hoje, 19 estados brasileiros plantam uvas e produzem vinho, uma cadeia que movimenta anualmente cerca de 5 bilhões de reais. Só no Sul, são 60 000 agricultores familiares e cerca de 100 000 pessoas ligadas diretamente e indiretamente ao trabalho com vinho. Se nesta soma entrar o enoturismo, o setor passa a representar 10% do PIB nacional, de acordo com estimativas da UviBra. Para Panizzi, o aumento dessa taxação com a intenção de redução de consumo pode ter resultados catastróficos para o setor. “Temos plena consciência de que o vinho é uma bebida que tem álcool, mas há inúmeros estudos científicos mostrando que o consumo com moderação pode inclusive ter benefícios à saúde”, disse Panizzi à coluna AL VINO. A entidade enviou para o Planalto Central inúmeros ofícios mostrando que a bebida citada na Bíbilia e que tem mais de 4 mil anos poderia ser catalogada como complemento agroalimentar. Na Europa é assim. Na França e Itália, por exemplo vinho é considerado alimento. Infelizmente, acabaram pregando no deserto.

O “imposto do pecado” não poderia ter chegado em pior momento para o mercado nacional de vinhos. Nas últimas duas décadas, o Brasil teve um salto de qualidade brutal de seus vinhos, mas ainda há grandes barreiras para a evolução do negócio. Além do preconceito com relação à qualidade do produto, o “calcanhar de Aquiles” dos rótulos nacionais é o valor nas gôndolas. “Hoje, 40% das prateiras é tomada por vinhos chilenos, que entram no Brasil com baixíssimas taxas de importação, sem falar nos subsídios que o governo do Chile dá aos seus produtores, enquanto o vinho nacional tem cerca de 50% do seu valor de impostos. Impossível competir”, reclama ele, com razão. Para Fabiano Maciel, da Interbev, empresa que prepara vinícolas para o mercado nacional e internacional, se os impostos para os vinhos no Brasil fossem razoáveis, como em países desenvolvidos economicamente e evoluídos na cultura do vinho, não haveria problema algum em criar um imposto adicional para certos tipos de bebidas. “Como no Brasil os impostos são exorbitantes, podendo chegar a 70% do preço do vinho para o consumidor final, não há justificativa alguma para aumento da tributação”, afirma o especialista.

Na busca por parceiros nessa batalha, o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) esteve presente no esforço, mas não tinha tanta disponibilidade de tempo. “Quando eu ligava para a assessoria dele para falar de reforma tributária, o governador estava ocupado com as enchentes ou com a reabertura do aeroporto. Foi um ano extremamente desafiador, mas ele foi nosso parceiro”, conta Panizzi, que chegou a buscar apoio entre os novos viniviticultores do Sudeste, mas não conseguiu muitos aliados. “Por outro lado, a Vinícola Brasília é um grande parceiro e no privado outros produtores já começam a vir. Sou um otimista, acredito nesta união futura do setor”, diz.

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Se não bastasse a dor de cabeça com o “imposto do pecado”, os empresários nacionais do mercado de vinhos terão a dor de cabeça adicional com o impacto para o setor do recém-fechado acordo entre União Europeia e Mercosul. Ele prevê em alguns casos isenção total, das taxas de importação dos vinhos do Velho Mundo que chegam por aqui. Devo falar disso com mais detalhe numa próxima coluna de AL VINO. “Enquanto a Argentina tem sua exportação de vinhos consolidada e os portenhos consomem o produto nacional, aqui acontece o inverso”, diz Panizzi, que faz uma previsão nada otimista: “Vejo muitas empresas fechando as portas nos próximos 12 anos.” O acordo da EU com o Mercosul tem o tempo citado por Panizzi para implantar de forma escalonada as reduções, mas, de imediato, vinhos que custam mais de 8 dólares já terão isenção de impostos na entrada ao país em 2025.

No caso do “imposto do pecado”, perdida a primeira batalha, resta agora tentar o caminho da redução de danos. O valor das alíquotas  será definido em 2025 e os empresários do setor vão brigar para evitar um prejuízo ainda maior. “Vamos lutar para que haja uma classificação alcoólica, assim o vinho ficaria com a menor taxação possível”, diz Panizzi.

Para ele e outros empresários do setor de vinhos, a esperança é de que ocorra em Brasília o milagre da razoabilidade.

 

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Fonte:

Vinho – VEJA