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Empreendedores japoneses produziram vinho localmente, apesar do clima pouco favorávelVocê sabia que os japoneses fazem vinho e frequentemente estão entre os premiados em grandes competições globais? O IWSC (International Wine & Spirit Competition), o Decanter World Wine Awards e o International Wine Challenge são alguns dos concursos que já reconheceram o potencial do vinho do “país do sol nascente”, como o Japão é chamado, com medalhas de todos os tipos.
Por exemplo, nos Estados Unidos, o vinho japonês era praticamente desconhecido até pouco tempo atrás. No Brasil, são raríssimos os locais de compra fora do e-commerce. No entanto, no Japão, a história do vinho é longa e antiga. O padre português Francisco Xavier levou o vinho – e o cristianismo – ao Japão pela primeira vez em 1549, e muitos samurais passaram a apreciar a bebida.
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Ao longo dos anos, empreendedores japoneses tentaram produzir vinho localmente, apesar do clima pouco favorável ao cultivo. Mas eles desenvolveram uvas adequadas ao terroir japonês, adotaram diferentes sistemas de manejo de vinhedos e selecionaram a uva certa para cada região. Agora, finalmente, os esforços acumulados vêm dando frutos.
Variedades de uva unicamente japonesas
O vinho japonês está recebendo muita atenção porque é diferente e original. As variedades nativas de uva do país, como Muscat Bailey A e Koshu, oferecem sabores e aromas distintos. No início do século 20, um homem ambicioso, chamado Zenbe Kawakami, na prefeitura de Niigata, inspirado por Kaishu Katsu, um lendário estadista, decidiu salvar os agricultores que estavam enfrentando dificuldades no desenvolvimento da indústria vinícola.
Em 1927, após muitos ensaios e erros, Kawakami desenvolveu a Muscat Bailey A, uma variedade de uva tinta que é resistente a problemas como fungos e bolores causados pelo clima úmido japonês. Desde então, a qualidade da uva só melhorou.
Além disso, os vinicultores japoneses têm aprimorado suas habilidades, preparando a uva para brilhar no mercado global.
Qual é o sabor da Muscat Bailey A?
A uva Muscat Bailey A tem taninos suaves e um aroma frutado com notas de frutas vermelhas, graças ao alto nível de furaneol, composto orgânico que também é encontrado em morangos e abacaxis, e no molho de soja. A Muscat Bailey A pode ter mil vezes mais furaneol do que as variedades de uva europeias.
Portanto, faz sentido que o vinho feito com Muscat Bailey A seja naturalmente harmonioso com a comida japonesa, como o molho teriyaki. Outra uva japonesa característica é a Koshu, cuja casca tem uma coloração rosa.
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Há quem diga que esta variedade de uva branca foi plantada pela primeira vez em 1186, mas sua origem ainda é um pouco misteriosa. Alguns dizem que é 100% nativa do Japão, outros dizem que tem raízes em variedades europeias, e outros ainda afirmam que é um híbrido de variedades europeias e americanas.
De qualquer forma, a Koshu expressa o terroir japonês. Oferece notas refrescantes e cítricas, como o Sauvignon Blanc. É possível encontrar na bebida um buquê aromático como pêssego e pêra, assim como no Pinot Grigio. O vinho Koshu frequentemente apresenta uma sutil “shibumi”, ou uma agradável sensação de aperto na boca, que dá um equilíbrio ao vinho com uma nota de chá de jasmim.
Juntamente com essas uvas japonesas, as variedades europeias refletem seu clima idiossincrático e sua geografia montanhosa. Além disso, a forte cultura e mentalidade do Japão na produção de bebidas alcoólicas fermentadas finas, como o sake e o shochu, certamente afetam a filosofia de vinificação dos produtores.
A desregulamentação pelo governo japonês
Outra força poderosa por trás do crescimento rápido da indústria vinícola japonesa é a desregulamentação promovida pelo governo, que começou em 2003. O objetivo era o desenvolvimento regional por meio da produção de vinho. Sob as novas regulamentações, agora é possível produzir vinho a partir de um volume mínimo de 2 mil litros e não mais a partir de 6 mil litros. Isso significa que o vitivinicultor pode começar um negócio com um investimento inicial muito menor.
Em 2003, havia cerca de 170 vinícolas no Japão e o número disparou para 468 em 2023, um aumento de 175% em 20 anos. Em uma pesquisa de 2023, realizada pelo governo, 90% das vinícolas eram pequenas operações, indicando que a desregulamentação foi altamente bem-sucedida.
Além disso, a indústria de vinho japonesa tem a vantagem de não ser restringida por regras complexas como nas regiões tradicionais de produção de vinho. Os produtores são livres para escolher qualquer local de vinhedo, variedades de uva, período de envelhecimento, e assim por diante. Existem vinícolas por todo o país, produzindo estilos diversos de vinhos. As três principais prefeituras, Yamanashi, Nagano e Hokkaido, representam 47% do número total de vinícolas.
Onde provar vinhos japoneses
Por isso, em Nova York, os vinhos japoneses estão se tornando mais disponíveis. Jamie Graves, gerente de portfólio de bebidas japonesas na Skurnik Wines & Spirits, começou a distribuir vinhos japoneses no início deste ano. Vale registrar que a casa trabalha com bebidas de 43 países. Do Brasil, ela comercializa a cachaça Canavias, produzida em Santa Catarina.
“Contrariamente à minha expectativa, tem sido bastante fácil introduzir vinhos japoneses no mercado dos EUA. O Japão tem uma enorme reputação de qualidade”, diz Graves. “Depois que a comida e o uísque japoneses se tornaram familiares para muitos americanos, as pessoas parecem estar entusiasmadas em encontrar algo novo do Japão.”
O executivo conta que conheceu o vinho japonês em uma visita ao país há alguns anos. “Um amigo sommelier local me apresentou a novas marcas, incluindo variedades japonesas nativas, bem como uvas europeias cultivadas localmente, como Merlot, Pinot Noir e Kerner. Fiquei fascinado”.
Um dos clientes de Graves é o Tsukimi, o restaurante kaiseki com estrela Michelin no East Village, em Manhattan. O restaurante oferece um menu de harmonização de vinhos japoneses com os pratos originais no estilo kaiseki do chef Takanori Akiyama.
Por exemplo, uma sopa com o delicado Hamo, ou enguia de congro, é acompanhada pelo Katsunuma Aruga Clareza 2022, feito 100% com Koshu. “O produtor deste vinho plantou Koshu em 20 vinhedos diferentes e misturou os melhores para fazer esta bebida”, diz Shiho Tanaka, chefe sommelier. “É incrível e adoramos a mentalidade dele”, diz ela.
Outro exemplo vem do prato de carne bovina de animais da raça wagyu, em estilo shabu-shabu, que é servido com Domaine Mie Ikeno Pinot Noir 2019. Os taninos suaves e a acidez gentil do vinho criam um equilíbrio considerado perfeito com o molho cremoso de gergelim branco e o marmoreio sedoso da carne.
A propósito, o vinhedo Domaine Mie Ikeno é um exemplo icônico de produção de vinho em pequena escala no Japão. A proprietária, a vinicultora Mie Ikeno, estudou na França e, em 2007, começou a cultivar uvas em um campo de amoreiras abandonado, na região de Yamanashi. Agora, ela produz 800 caixas de vinho anualmente e sua bebida é muito procurada no mercado.
Vinho japonês com comida não japonesa
O vinho japonês naturalmente combina com comida japonesa. Karen Lin, co-proprietária e gerente geral do Tsukimi, que também é sommelière certificada, diz: “As uvas cultivadas no Japão vêm do mesmo ambiente dos ingredientes usados para preparar os pratos. Por isso, acho que, naturalmente, o vinho absorve sabores e aromas que combinam bem com a comida. Além disso, os vinicultores japoneses conhecem o paladar japonês. Os vinhos são delicados, mas complexos, assim como a comida”.
Graves, da Skurnik Wines & Spirits, concorda. “Os vinicultores japoneses produzem o que querem beber. Por exemplo, seus vinhos tendem a ter elementos como mineralidade e terrosidade que combinam com o umami, que é fundamental na comida japonesa”.
Mas o umami é um gosto universal e está presente em pratos globais. Alguns restaurantes não japoneses já notaram o potencial do vinho japonês e o incluíram em suas cartas, como o restaurante italiano Popina, no Brooklyn, e o Oyster Club em Mystic, CT. Outros importadores renomados também introduziram vinhos japoneses nos EUA, como Zev Rovine Selections e D-I WINE.
Você se lembra de que ninguém prestava atenção ao uísque japonês até 2015? Uma influente revista anual de uísque chamada Jim Murray’s Whisky Bible nomeou uma marca japonesa como o melhor uísque do mundo e, de repente, o Japão se tornou um produtor de uísque excepcional. O vinho japonês está seguindo o mesmo caminho do uísque? Só o tempo dirá, mas os ventos sopram a favor.
*Akiko Katayama é colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre a indústria e a cultura alimentar japonesa desde 2017. É apresentadora do podcast semanal Japan Eats! e atua como consultora do governo japonês, além de autora de “A Complete Guide to Japanese Cuisine”.
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