Não seria exagero dizer que Robert Parker, o influente crítico de vinhos americano, que já esteve nas listas de personalidades do ano da revista inglesa Decanter, foi o responsável pela infantilização do paladar enológico dos brasileiros. Explico. No final dos anos 1980 e começo dos 1990, quando o mercado de importações começou a se abrir, os vinhos que recebiam altas pontuações de Mr.Parker eram aqueles com muito corpo, madeira super-pronunciada e teores alcóolicos lá em cima. Características que vão de encontro ao paladar infantil americano, que prefere vinhos mais doces, além de taninos bem maduros, intensos e sem nervos. Por isso, boa parte dos brasileiros que começou a tomar vinho nessa época acreditava que bons rótulos eram aqueles encorpadões, como os chilenos e argentinos, que começavam a entrar no Brasil com seus potentes 14% e 15% de teor alcóolico. Exatamente o oposto do que há mais de mil anos se faz em uma das regiões mais prestigiadas e importantes do mundo do vinho: a Borgonha. No entanto, bons ventos gauleses têm soprado para cá mais do que o espírito olímpico e há sinais de que o tempo das trevas começam a se dissipar.
Localizada no noroeste da França, a Borgonha fica entre as cidades de Dijon e Lion. Suas encostas e colinas suaves estão em uma região geograficamente considerada isolada, por não estarem próximas a nenhum grande rio, nem do mar. Enquanto Bordeaux, que enviava seus vinhos para Inglaterra, era o lugar da aristocracia, a Borgonha era dos camponeses, dos pequenos produtores. Acontece que foi ali, há cerca de mil anos, que os monges cistercienses começaram a classificar os vinhedos pela sua qualidade de produção, dando origem aos crus, denominação das vinhas de mais idade e qualidade. “Além de delimitar os vinhedos e de estipular o tipo de uva, o mapa original das denominações de origem feito em 1800 ainda é muito parecido com o de hoje”, conta o sommelier e grande estudioso Tiago Locatelli. A francesa Justine Paris, gerente de exportação da Maison Luis Jadot, fundada em 1859 e uma das mais antigas da Borgonha, esteve recentemente no Brasil para uma aula acompanhada pela coluna AL VINO na Enocultura. Ela contou que, por lá, o controle de pragas são os morcegos que se alimentam dos insetos que estragariam as uvas. Nenhum herbicida ou pesticida é usado desde 1970 e que boa parte dos vinhos amadurece nas caves subterrâneas de 12 a 18 meses antes de serem comercializadas.
Essa era a região produtora dos vinhos do papado de Avignon, residência oficial dos papas antes da transferência para Roma. De acordo com a delimitação criada pelos monges, os vinhos feitos com as uvas colhidas na base das encostas eram destinados aos bispos, as vinhas ao alto serviam aos cardeais e os vinhos produzidos na parte mais elevada, com muita complexidade de aroma e sabores, eram destinados ao Papa Clemente V.
Em cerca de 225 km de norte a sul, as duas principais uvas da região são Chardonnay (branca) e Pinot Noir (tinta). Dessa última variedade que é feito um dos vinhos mais desejados (e caros) do mundo, o Romanée-Conti. “São rótulos impossíveis de serem replicados em qualquer outro lugar. O Pinot Noir da Nova Zelândia, por exemplo, é especial, mas o da Borgonha é único, inimitável, não apenas pelo modo de produção, mas pelo terroir e clima”, diz Locatelli. A produção também é reduzida: são cerca de 62 hectolitros de brancos e 67 de tintos, o que faz cada garrafa objeto de disputa e desejo de todo mundo.
AUMENTO DE VENDAS NO PAÍS
Os Chablis, Chardonnay fresco e com acidez vibrante feito na parte norte da Borgonha, quadruplicaram seu volume de vendas no Brasil nos últimos dois anos. As 2 000 garrafas que desembarcam na Decanter costumam desaparecer em poucos dias das prateleiras. Há outros rótulos que já chegam com destinatários certos e nem sequer apontam nas lojas. Na última confraria sobre Borgonha de Adolar Herman, fundador da importadora, a coliuna AL VINO teve oportunidade de degustar alguns dos vinhos mais elegantes da região, como o Sebastien Giroux Pouilly-Fuissé (Cru Vignes Blanches 2020), fruto de videiras que recebem os primeiro raios de sol do dia, uma Chardonnay que explode na boca, dos quais vieram apenas 120 garrafas para o Brasil.
Entre os tintos, a surpresa desta colunista foi o Domaine de Suremain Mercurey 2020 da Côte Chalonnaise, de uma rusticidade charmosa, ácido e com taninos que ainda podem esperar um bom tempo na garrafa. Havia também Chateau de La Tour, proveniente de uns dos vinhedos murados mais simbólicos da Borgonha, plantados em 1910, que é vinificado com 80% de engasso (cabos das uvas), o que dá mais nervos à Pinto Noir e custa em média R$ 4.300. “A produção da região é muito limitada, a demanda é mundial e a qualidade única, o que torna alguns rótulos quase inatingíveis”, explica Locatelli.
Mas há Borgonhas possíveis apontando por aqui, como os Pierre André, maison fundada em 1923, trazidas pela Grand Cru. Não são baratos, mas é possível dizer que tem bom custo-benefício em se tratando de Borgonha. Para os amantes do vinho são uma experiência possível e necessária. Os valores começam entre R$ 220 e R$ 390. O sommelier Vinicius Santiago, que também é um estudioso da região, responsável pela apresentação desses rótulos, enfatiza que eles são ótimas pedidas para nossos pratos de inverno ameno. Algumas de suas sugestões são provar um Bourgone Pinot Noir com um foundue de queijo, devido à acidez elevada, ele pode substituir os brancos. Os Village com sopas são outra grande pedida. “São vinhos didáticos para quem quer começar a desbravar um dos terroirs mais desejadas mundialmente”, completa Santiago.
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