Desde que o Descorchados, o principal guia de vinhos da América do Sul, começou a ser editado pelo jornalista Patricio Tapia, há 26 anos, nenhum rótulo havia recebido 100 pontos. O ranking elege os melhores tintos, brancos, espumantes e rosés de acordo com uma série de critérios, e cada um recebe uma pontuação, e o próprio Tapia havia dito que uma nota perfeita seria absolutamente improvável. Neste ano, no entanto, dois vinhos, ambos argentinos, receberam a pontuação máxima.
Foram eles o Adrianna Vineyard Mundus Bacillus Terrae 2021, produzido pela Catena Zapata, e o Finca Piedra Infinita Supercal 2021, da Zuccardi. Ambos são monovarietais elaborados com a uva Malbec, considerada um veículo ideal para transmitir as particularidades de um terroir. Na Argentina, é a variedade mais bem adaptada e que melhor reflete as características dos diferentes locais onde é produzida. Também são interpretações menos frutadas e mais minerais do que pode ser um malbec argentino.
Parte da explicação para o sucesso destes dois rótulos está na qualidade da safra de 2021, especialmente na Argentina. “O que aconteceu esse ano foi a combinação de um momento brilhante (de ambos os produtores) no processo de interpretação de um lugar juntamente com uma safra estelar como a de 2021, um ano fresco que provou ser o melhor motor para esses vinhos expressarem sua origem”, escreve Tapia na introdução do volume do guia dedicado à produção argentina.
Mas não é só. Em visita ao Brasil, o crítico Tapia e os enólogos Sebastian Zuccardi e Alejandro Vigil – este último eleito o destaque do ano na Argentina – ajudaram a explicar o trabalho por trás da elaboração de ambos, e o que a pontuação alta representa na busca por vinhos singulares.
O Supercal, da Zuccardi, surgiu a partir de uma vontade de Zuccardi de produzir vinhos com a uva malbec que não tivessem o dulçor associado à variedade, mas uma estrutura mineral. As uvas vêm de Altamira, na região do Vale de Uco, a 1.100 metros de altitude, em um local bem próximo à cordilheira dos Andes. “É uma zona com muitas pedras de grande tamanho, recobertas por carbonato de cálcio, algo único no mundo”, afirma Zuccardi. A família começou, então, uma investigação dos diferentes tipos de solo, e dividiram a propriedade de 38 hectares em 36 parcelas distintas. “A variedade é enorme. Há solos diferentes a cada 5, 10 metros”. O Supercal é feito com uvas de duas parcelas específicas, a fermentação é espontânea, feita com as leveduras locais, e o vinho passa de 10 a 12 meses em tanques de concreto. “Para fechar o vinho”, diz Zuccardi, “e assim mostrar sua coluna vertebral de solos calcários, que fornecem estrutura e a rugosidade de taninos que dá sua textura”.
Mundus Bacillus Terrae, da Catena Zapata, também vem do Vale de Uco, mais precisamente da parcela Bacillus Terrae, um pedaço de 1,4 hectare do vinhedo Adrianna, em Gualtallary, a 1.400 metros de altitude. “Ele faz parte de um processo de entendimento que o carbonato de cálcio daquele solo poderia ser uma coisa boa”, conta Alejandro Vigil. Como outros enólogos, esse elemento não era visto de forma positiva na região, até que ele descobriu que grandes vinhos feitos na Borgonha, na França, e em Barolo, na Itália, eram provenientes de vinhedos com boa concentração de carbonato de cálcio. Ao analisar os solos, fez mais de 2 mil microvinificações para entender como a uva se comportaria em diferentes situações. “Viticultura é paciência. E tempo”, diz ele. Agora, com a safra 2021, alcançou o topo do ranking da América Latina. “Esses 100 pontos não nos pertencem, mas a gerações de pessoas que vêm fazendo tudo certo, há muito tempo”, conclui Vigil.
Curiosamente, ambos os rótulos não passam por barricas de carvalho, mas por tanques de concreto. A decisão dos enólogos está ligada à vontade de traduzir apenas os aromas, sabores e texturas do terroir. A madeira faz um aporte de sabores, e nenhum dos dois buscava isso. O concreto, nesse sentido, é neutro. O sommelier argentino Hector Riquelme, eleito melhor sommelier do Chile em 2005 e coautor do Guia Descorchados por 11 anos, já disse que o concreto é um “amplificador” das qualidades do vinho.
A investigação profunda das possibilidades na uva Malbec na Argentina está relacionada a uma busca de Vigil, Zuccardi e outros enólogos de reposicionar o país como uma força a ser reconhecida. “Assim como a Pinot Noir na Borgonha, a Sangiovese na Toscana e a Nebbiolo no Piemonte, a Malbec já faz parte do terroir”, diz Sebastian Zuccardi. “Agora, estamos trabalhando em um conceito de microvinificação”, afirma Vigil. Para ele, não faz sentido buscar simplesmente um Malbec “de Mendoza” ou mesmo da região de Gualtallary. “É preciso saber de onde aquele vinho específico vem, dada a diversidade que existe”, diz ele. “O mais difícil é comunicar isso“.
No Brasil, o Adrianna Vineyard Mundus Bacillus Terrae é importado pela Mistral e custa R$ 2.910. O Finca Piedra Infinita Supercal é importado pela Grand Cru e custa R$ 2.499.
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