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Tratamento revolucionário para o cancêr é iniciado no Brasil

Dr. Fabiano M. Serfaty:

A terapia com células CAR T, um tipo de imunoterapia chamada terapia adotiva, é um novo e revolucionário tipo de tratamento contra o câncer. Em 2022, essa nova modalidade de tratamento foi aprovada pela primeira vez pela Anvisa. Em janeiro de 2023, o primeiro paciente foi submetido à terapia com células CAR T na prática clínica, por um grupo de médicas do Rio de Janeiro. Até então, apenas os poucos pacientes tratados no Brasil faziam parte de estudos clínicos. Por isso, convidei a Dra. Luciana Conti, que é medica especialista em hematologia com foco em oncohematologia e transplante de medula óssea,  que foi a médica responsável pelo primeiro paciente a ser tratado com a terapia com células CAR T. Ela compõe a equipe de transplante OncoCell terapia celular, junto com a Dra. Jordana Ramires e a Dra. Patrícia Gonçalves, explica um pouco sobre este tratamento pioneiro e inovador recém-iniciado.

Dr. Fabiano M. Serfaty: O que é a terapia com células CAR T e como ela funciona?

Dra. Luciana Conti: CAR T (sigla em inglês para Chimeric Antigen Receptor T-Cell Therapy) é uma terapia celular que consiste na modificação genética do linfócito T (um tipo de glóbulo branco) do paciente. Essa célula T ganha um receptor de antígeno quimérico específico. Dessa forma, passa a funcionar como um míssil guiado, direcionado para as células cancerígenas. Uma vez que infundimos de volta no paciente, como um medicamento venoso, esses linfócitos se multiplicam e atacam as células tumorais. 

Dr. Fabiano M. Serfaty: Por que esse tratamento é diferente dos outros? Quais são as vantagens da terapia com células CAR T?

Dra. Luciana Conti: A outra terapia celular que temos é o transplante de medula óssea. A diferença é que no transplante de medula óssea alogeneico, ou seja, que precisa de doador, nós substituímos todo o sistema imunológico (de defesa) do paciente pelo do doador saudável. A partir daí, o racional é que diante de um sistema imunológico saudável, a célula do tumor seja identificada e destruída por ele. No CART não há substituição do sistema imunológico do paciente pelo do doador. Não há doador. Além disso, as células modificadas, como são do próprio paciente, não são capazes de desencadear uma doença chamada enxerto versus hospedeiro, que pode ser causada pelo transplante alogeneico.Uma outra diferença importante é que no transplante o paciente tem que estar com a doença em remissão – ou seja, sem doença visível – para que tenha uma boa resposta. Já no CART, o tratamento acontece com a doença em atividade, visível.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais os efeitos colaterais que podem surgir com a terapia com células CAR T?

Dra. Luciana Conti: Os efeitos colaterais mais comuns da terapia com células CAR T são a síndrome de liberação de citocinas (CRS, do inglês Cytokine Release Syndrome) e as toxicidades neurológicas ou síndrome neurotóxica associada a células imunoefetoras (ICANS, do inglês Immune effector Cell-Associated Neurotoxicity Syndrome). Isso acontece porque as células T se multiplicam atacando o câncer, consequentemente causando uma resposta imune no organismo.A CRS tem inicio, em média, 3 dias após a infusão e se resolve em até 7 dias. Os pacientes podem ter um quadro clínico de gripe ou até mesmo semelhante a sepse. A ICANS geralmente começa 6 dias após infusão e se resolve em até 15 dias. Os sintomas variam muito e incluem confusão mental,  desorientação, podem não conseguir falar por alguns dias, entre outros. No entanto, é  um quadro reversível e pode acontecer junto com a CRS ou não.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Quais tipos de câncer a terapia com células CAR T pode tratar atualmente? Quais cânceres estão sendo analisados para a próxima fase dos ensaios clínicos de terapia com células CAR T?

Dra. Luciana Conti: Atualmente no Brasil podemos tratar com a terapia CAR T a leucemia linfocítica aguda refratária até 25 anos e o linfoma não Hodgkin difuso de grandes células B que não responderam a dois tratamentos prévios. Em breve, poderemos tratar o mieloma múltiplo também. Nos EUA pode-se tratar, além das doenças citadas acima, o linfoma folicular e o linfoma do manto. Ainda em fase experimental estão o tratamento de doenças autoimunes e de tumores sólidos.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Qual futuro que você enxerga sobre o tratamento com a terapia CAR T na prática clínica?

Dra. Luciana Conti: A história do linfoma difuso de grandes células B e da leucemia linfoblástica aguda mudou com a entrada do CART como opção terapêutica. Isso é um grande avanço para hematologia. Para o futuro, acredito que a indicação de alguns transplantes seja revisitada, bem como indicações para uso mais precoce em alguns canceres hematológicos. Quem sabe teremos novidades para outras doenças também?

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Profissional convidada: 

Dra. Luciana Conti

Médica especialista em Oncohematologia e Transplante de Medula Óssea.

Email: luciana@oncocell.med.br

Linkedin: https://br.linkedin.com/in/luciana-conti-castilho-02046a25

Instagram: @dra.lucianaconti

 

Fontes:

1. Westin J, Sehn LH. CAR T cells as a second-line therapy for large B-cell lymphoma: a paradigm shift? Blood. 2022 May 5;139(18):2737-2746. doi: 10.1182/blood.2022015789. PMID: 35240677.

2.Sterner RC, Sterner RM. CAR-T cell therapy: current limitations and potential strategies. Blood Cancer J. 2021 Apr 6;11(4):69. doi: 10.1038/s41408-021-00459-7. PMID: 33824268; PMCID: PMC8024391.

3. Lin H, Cheng J, Mu W, Zhou J, Zhu L. Advances in Universal CAR-T Cell Therapy. Front Immunol. 2021 Oct 6;12:744823. doi: 10.3389/fimmu.2021.744823. PMID: 34691052; PMCID: PMC8526896.

4. https://www.mdanderson.org/cancerwise/car-t-cell-therapy–9-things-to-know.h00-159221778.html

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Fonte:

Comer & Beber – VEJA RIO