Gosto não se discute nem se lamenta. Gosto é gosto, é pessoal, subjetivo, característica da personalidade e mutável com a interação do ser ao meio. Quando ainda estava “engatinhando” pelo mundo da boa mesa, me lembro que fui, a convite de um grande amigo, sobrinho-neto do saudoso mestre Marcelino de Carvalho — e com o qual muito aprendi —, ao antigo restaurante do também saudoso Marcos Bassi, na Rua Treze de Maio, em São Paulo. Lá, pedimos a tradicional fraldinha, e o Marcos sugeriu que bebêssemos um vinho branco, chamado Lejon (creio que não é mais produzido). Aceitamos, contestando se não seria mais apropriado um tinto. Mesmo assim, o jantar correu muito bem, e a harmonização também. Décadas depois, voltei ao tema com Marcos Bassi, e ele me disse que achava que, de fato, um branco seco poderia ir bem com uma carne, mas me confidenciou que também tratou-se de uma “jogada de marketing” para pôr o tal vinho no mercado… Pois bem, em que pese ter sido uma sugestão que ia contra alguns paradigmas, não deixou de ser uma ação de indução ao consumo que afetava o gosto do bebedor. E essa prática é mais que comum, é corriqueira.
Vou mais além, importadores e produtores se valem de muitas “personagens do mundo do vinho”, que, por um “punhado de tostões”, não exitam em “vender o peixe” de quem lhes paga, em detrimento das próprias convicções e do senso comum. Vejo e presencio cada absurdo e fico consternado com o que essa gente tenta fazer com o consumidor brasileiro, especialmente com aquele que está formando seu gosto. Exemplifico: uma carne grelhada rusticamente, fibrosa e gorda pede acidez do vinho, e não dulçor, e vejo esses “senhores do saber” do tal mundo do vinho sugerirem chilenos da casta “Carménère”, cheios de madeira e frutas doces… Isso não é expor opinião, é desrespeito que beira a indecência. Incrível que estes mesmos senhores, que normalmente viajam por conta de importadoras e produtores e em restaurantes, não costumam nem deixar a gorjeta dos garçons que os servem nas degustações que participam e condenam que se beba vinho, por exemplo, com pipoca! Oras, nada mais hipócrita que isso: fazem sugestões de consumo que, certeiramente, levarão o consumidor a ter uma péssima digestão e pousam de “damas pudicas” do vinho ao condenar harmonizações que vão ao gosto deste mesmo consumidor, os quais miram com suas opiniões dadas ao tilintar dos metais.
Discorro e destaco estes aspectos para aclarar ao consumidor que o vinho não pede regras rígidas para ser consumido. Algumas harmonizações são clássicas, estão na órbita do que chamamos de senso comum; entretanto, improvisar, testar, quebrar tabus, romper padrões e se permitir errar, é o que faz o consumidor, o enófilo (aquele que gosta de vinho, como eu) aprender e, principalmente, moldar seu gosto que, repiso, é subjetivo e próprio de cada um. Querer regrar o gosto daquele que gosta de vinho é escravizar seu consumo, padronizando de acordo com os interesses do tal mercado. Vamos fugir disso e nos divorciar das padronizações, vamos inovar, testar e, fundamentalmente, evoluir. Não aceitemos regras prontas, cheias de explicações rebuscadas, elas são, na verdade, mistificações compradas a custa de campanhas de marketing através destes tais “formadores de opinião”.
E, lembrem-se, as redes sociais tentam “enfiar goela abaixo” do consumidor, via “cardeais do vinho” e mídias programáticas o que o anunciante quer, e não o que é melhor. Trata-se de uma prática de manipulação do gosto de modo visando, tão só — e destaco o “tão só” — o lucro destes anunciantes. Cabe ao consumidor discernir, buscar informações no que é clássico e que têm vínculos com o senso comum, não com o mercado. Cabe ao consumidor ousar e repudiar, com veemência, manipulações. Cabe ao consumidor, como você, como eu, lembrar que o melhor vinho é aquele que você gosta e bebe como quer. E, lembrem-se, gosto está ligado a prazer e não a “etiquetas pedantes”. Salut!
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